quinta-feira, 11 de dezembro de 2025

O absolutismo contemporâneo ...


O absolutismo contemporâneo ...

 

Por Alessandra Leles Rocha

 

Desde ontem, não me sai do pensamento a citação "O Estado sou eu" (L'État, c'est moi), atribuída ao rei Luís XIV da França, conhecido como o Rei Sol. Ora, ela simboliza o auge do absolutismo monárquico, onde o poder do rei era visto como centralizado e inquestionável.

A razão disso é simples. Apesar de estarmos em pleno século XXI, traços do absolutismo ainda resistem entre nós. Haja vista a decisão em plenário da Câmara dos Deputados, em Brasília/DF, que manteve o mandato de uma deputada condenada, com trânsito em julgado, em dois processos, pelo Supremo Tribunal Federal (STF).

Assim, mais do que o absurdo vexatório dessa decisão, é preciso dissecar as suas camadas. Trata-se de uma representante político-partidária ligada a ultradireita brasileira, ou seja, um dos vieses ideológicos da direita nacional. O que significa a representação da herança histórica das elites, cujo propósito principal é a busca pela manutenção das estruturas de poder e privilégios herdados.

E considerando o fato de que a atual legislatura da Câmara possui cerca de 277 deputados alinhados à direita e seus diferentes matizes, há uma franca disposição corporativista de sair em defesa de certas regalias e privilégios, priorizando seu espírito de corpo em detrimento do interesse público geral. Exatamente o que aconteceu no plenário, ontem à noite.

Portanto, esse foi o recado dado pela Câmara dos Deputados: a direita e seus diferentes matizes continuam exercendo o seu absolutismo contemporâneo, representado através dos seus movimentos de embate direto contra os princípios de limitações de poder e democracia.  E para tal, ela permanece possuindo forte apoio e influência de diferentes setores da burguesia e do empresariado, que defendem políticas de livre mercado, privatizações e redução da intervenção estatal.

Basta lembrar a indiferença e o descaso que esses indivíduos demonstraram diante dos atos antidemocráticos de 8 de janeiro de 2023 e da própria tentativa de golpe de Estado. A sua prioridade não reside nos interesses do país; mas, nos seus. Eles são regidos pela ideia de que vale tudo para manter suas regalias, privilégios, influências e poderes, na medida em que existe uma percepção na qual o Brasil lhes pertence, o que historicamente formatou a sua identidade nacional para refletir tais interesses e valores.

Algo que traduz muito bem o fato de que, apesar de todos os acontecimentos nefastos e delituosos, acontecidos recentemente na história brasileira, envolvendo figuras do espectro da direita nacional, ouve-se daqui e dali, pelos veículos de imprensa, milhares de notícias destacando as preferências das elites para o pleito eleitoral de 2026.

Como se dentro de cada um dos pretensos candidatos, alinhados à direita e seus diferentes matizes, não restasse quaisquer vestígios das narrativas de identidade e posse, que deram suporte para legitimar todas as tentativas golpistas do seu espectro político-partidário, ao longo da história brasileira. Assim, eles estariam puros e livres para poderem manter seus poderes e posições sociais em quaisquer situações.

No entanto, o recado da Câmara dos Deputados permite uma reflexão ainda mais aprofundada. Não se pode esquecer de que todo poder tem custos éticos e morais porque envolve decisões que afetam outras pessoas. Daí o perigo das decisões que abrem precedentes; pois, elas tendem a replicar erros importantes, e algumas vezes, até fatais, criando instabilidade e impedindo o equilíbrio e a segurança jurídica, do país.

Afinal, ações tomadas hoje, que desrespeitam normas e/ou direitos, criam precedentes que podem, mais tarde, ser usadas contra os próprios atores que os estabeleceram. Porque o poder sem limites tende a gerar instabilidade e reações inimagináveis, inclusive, considerando que a quebra das regras abre espaço para que outros também quebrem regras no futuro.

Segundo Martin Luther King Jr., ativista político estadunidense e pastor protestante, “A verdadeira medida de um homem não se vê na forma como se comporta em momentos de conforto e conveniência, mas em como se mantém em tempos de controvérsia e desafio”. Por isso, quando a direita, em seus diferentes matizes, naturaliza e banaliza a concentração de sua autoridade, ignora freios e contrapesos e, frequentemente, negligencia as consequências de suas decisões, focando no poder imediato, ela só faz demonstrar a sua mais absoluta carência de competências e de habilidades.