O
absolutismo contemporâneo ...
Por Alessandra
Leles Rocha
Desde ontem, não me sai do pensamento
a citação "O Estado sou eu" (L'État, c'est moi), atribuída ao rei
Luís XIV da França, conhecido como o Rei Sol. Ora, ela simboliza o auge do
absolutismo monárquico, onde o poder do rei era visto como centralizado e
inquestionável.
A razão disso é simples. Apesar de
estarmos em pleno século XXI, traços do absolutismo ainda resistem entre nós. Haja
vista a decisão em plenário da Câmara dos Deputados, em Brasília/DF, que
manteve o mandato de uma deputada condenada, com trânsito em julgado, em dois
processos, pelo Supremo Tribunal Federal (STF).
Assim, mais do que o absurdo vexatório
dessa decisão, é preciso dissecar as suas camadas. Trata-se de uma
representante político-partidária ligada a ultradireita brasileira, ou seja, um
dos vieses ideológicos da direita nacional. O que significa a representação da herança
histórica das elites, cujo propósito principal é a busca pela manutenção das estruturas
de poder e privilégios herdados.
E considerando o fato de que a
atual legislatura da Câmara possui cerca de 277 deputados alinhados à direita e
seus diferentes matizes, há uma franca disposição corporativista de sair em
defesa de certas regalias e privilégios, priorizando seu espírito de corpo em
detrimento do interesse público geral. Exatamente o que aconteceu no plenário, ontem
à noite.
Portanto, esse foi o recado dado
pela Câmara dos Deputados: a direita e seus diferentes matizes continuam
exercendo o seu absolutismo contemporâneo, representado através dos seus
movimentos de embate direto contra os princípios de limitações de poder e
democracia. E para tal, ela permanece
possuindo forte apoio e influência de diferentes setores da burguesia e do
empresariado, que defendem políticas de livre mercado, privatizações e redução
da intervenção estatal.
Basta lembrar a indiferença e o
descaso que esses indivíduos demonstraram diante dos atos antidemocráticos de 8
de janeiro de 2023 e da própria tentativa de golpe de Estado. A sua prioridade
não reside nos interesses do país; mas, nos seus. Eles são regidos pela ideia
de que vale tudo para manter suas regalias, privilégios, influências e poderes,
na medida em que existe uma percepção na qual o Brasil lhes pertence, o que
historicamente formatou a sua identidade nacional para refletir tais interesses
e valores.
Algo que traduz muito bem o fato
de que, apesar de todos os acontecimentos nefastos e delituosos, acontecidos
recentemente na história brasileira, envolvendo figuras do espectro da direita
nacional, ouve-se daqui e dali, pelos veículos de imprensa, milhares de
notícias destacando as preferências das elites para o pleito eleitoral de 2026.
Como se dentro de cada um dos pretensos
candidatos, alinhados à direita e seus diferentes matizes, não restasse
quaisquer vestígios das narrativas de identidade e posse, que deram suporte
para legitimar todas as tentativas golpistas do seu espectro
político-partidário, ao longo da história brasileira. Assim, eles estariam
puros e livres para poderem manter seus poderes e posições sociais em quaisquer
situações.
No entanto, o recado da Câmara
dos Deputados permite uma reflexão ainda mais aprofundada. Não se pode esquecer
de que todo poder tem custos éticos e morais porque envolve decisões que afetam
outras pessoas. Daí o perigo das decisões que abrem precedentes; pois, elas
tendem a replicar erros importantes, e algumas vezes, até fatais, criando
instabilidade e impedindo o equilíbrio e a segurança jurídica, do país.
Afinal, ações tomadas hoje, que
desrespeitam normas e/ou direitos, criam precedentes que podem, mais tarde, ser
usadas contra os próprios atores que os estabeleceram. Porque o poder sem
limites tende a gerar instabilidade e reações inimagináveis, inclusive, considerando
que a quebra das regras abre espaço para que outros também quebrem regras no
futuro.
Segundo Martin Luther King Jr., ativista político estadunidense e pastor protestante, “A verdadeira medida de um homem não se vê na forma como se comporta em momentos de conforto e conveniência, mas em como se mantém em tempos de controvérsia e desafio”. Por isso, quando a direita, em seus diferentes matizes, naturaliza e banaliza a concentração de sua autoridade, ignora freios e contrapesos e, frequentemente, negligencia as consequências de suas decisões, focando no poder imediato, ela só faz demonstrar a sua mais absoluta carência de competências e de habilidades.
