“Pensar o
passado para compreender o presente e idealizar o futuro”. Heródoto *
Por
Alessandra Leles Rocha
É uma pena, mas o Brasil insiste
em viver de futuro! Não é à toa que, ao invés de focar no hoje, no agora, diante
da efervescência dos acontecimentos nacionais e internacionais, a ala
político-partidária e de imprensa esteja com os olhos voltados para a sucessão eleitoral
de 2026. Por isso, resolvi tecer uma breve reflexão do que se faz de suma importância
nesse contexto.
Bem, é claro que as personagens
são fundamentais para contar uma história; mas, ao contrário do que uns e
outros, por aí, possam pensar, é sobre a ideologia, ou seja, o conjunto de
ideias, crenças, valores e normas que moldam a forma como um grupo social
percebe e interage com o mundo, que devemos prestar bastante atenção.
Ora, pessoas vêm e vão! Portanto,
figuras humanas não são elementos fixos. Já a ideologia, que elas sustentam e
materializam nas suas expressões e comportamentos, essa sim, é uma estrutura
fixa e atemporal. Daí a necessidade de observá-la bem de perto.
Nem preciso dizer que 2025 já
entra para a historicidade brasileira, como um ano de profunda importância e ineditismo.
Um ex-presidente, vários membros do escalão maior das Forças Armadas, alguns cidadãos
ligados ao governo anterior, estão no banco dos réus, em razão do deplorável
acontecimento do 08 de janeiro de 2023, sob a acusação de organização criminosa
armada; tentativa de abolição violenta do Estado Democrático de Direito; golpe
de Estado; dano qualificado pela violência e grave ameaça contra o patrimônio
da União, e com considerável prejuízo para a vítima; e, deterioração de
patrimônio tombado.
Entretanto, uma eventual
condenação desses indivíduos não significa, em si mesma, o restabelecimento da
paz democrática e cidadã, para o Brasil. Afinal, os indivíduos são punidos;
mas, a ideologia, a qual eles defendem e manifestam, não.
E esse é o ponto de reflexão! As ideologias
são como sementes. Elas podem permanecer dormentes, ou seja, inativas; mas,
isso significa apenas sobreviver às condições temporariamente adversas, até que
um momento mais favorável se oportunize.
E isso não é novidade! Há exatos
80 anos, por exemplo, o mundo assistiu ao fim da 2ª Guerra Mundial e todas as consequências
desencadeadas pelo ultrarradicalismo imposto pelo regime nazista.
Em um primeiro momento, houve
quem acreditasse que o Holocausto, o deslocamento maciço de populações, o
desenvolvimento de um sentimento de unidade e de colaboração na Europa
Ocidental para evitar novos conflitos, o receio de uma outra guerra nuclear, seriam
questões absorvidas e incorporadas pela humanidade, sem quaisquer restrições.
Só que não. A ideologia que
construiu e colocou em prática a 2ª Guerra Mundial apenas se tornou dormente. Células
nazistas e ultrarradicais, que já haviam se espalhado pelo planeta, se
invisibilizaram, ou camuflaram, para sobreviver às condições adversas, que se
impuseram ao final do conflito bélico.
O que significa que o nazismo e o
ultrarradicalismo não desapareceram, eles permaneceram de prontidão para
despertar a qualquer momento. Inclusive, no Brasil. Caro (a) leitor (a), o
atual recorte contemporâneo é, nesse sentido, um terreno fértil para que sementes
tóxicas, nocivas, deletérias, possam germinar.
Pelo simples fato de que navega,
pelo (in)consciente coletivo nacional, e global, a ideia de que “Na busca,
portanto, da totalidade, encontra-se a falta; na busca das certezas,
encontram-se as dúvidas, na busca de um porto seguro, encontra-se a
insegurança, que se manifesta, sobretudo, quando mitos da modernidade,
simulacros do paraíso, nos colocam, de forma poderosa, em situação de
inferioridade, de constrangimento, de angústia” (CORACINI, 2005 1).
Daí a necessidade da plena
atenção às linguagens e suas construções. Não é porque alguns indivíduos estejam
sendo julgados, responsabilizados, que a apropriação de suas ideologias
ultrarradicais e extremistas não possa acontecer através de outros simpatizantes,
representantes, apoiadores.
Conhece a expressão "lobo
em pele de cordeiro"? Pois é, ela descreve indivíduos ou grupos que,
sob um disfarce de inocência, bondade ou inofensividade, escondem intenções
predatórias ou maliciosas para manipular, explorar ou prejudicar outros.
Acontece que, no campo político-partidário;
sobretudo, no Brasil, onde o fisiologismo político é uma mácula secular, essa
dinâmica de engano e dissimulação pode levar a danos sociais irreparáveis,
tendo em vista, o própria historicidade marcada pela herança colonial exploratória.
Além disso, as Tecnologias da
Informação e da Comunicação (TICs) contribuem significativamente para a reverberação
de práxis comunicativas nocivas e deletérias, no cenário contemporâneo atual.
Por essas e por outras, é que a
representatividade, à luz do seu significado político-partidário, se torna
objeto fundamental para análise crítica da sociedade contemporânea.
Um exemplo disso está nas
seguintes palavras de Eni Puccinelli Orlandi, pesquisadora brasileira e
pioneira na esfera da análise do discurso, “é justamente quando esquecemos
quem disse ‘colonização’, quando, onde e por que, que o sentido de colonização
produz seus efeitos” (2001 2);
pois, na ideologia, não há ocultação de sentidos, mas o apagamento do processo
de sua constituição.
Afinal de contas, a historicidade,
com frequência, insiste que certas ideias, crenças, valores, conflitem
diretamente com a cognição humana, a tal ponto de gerar tensão e desconforto psicológico.
Então, automaticamente, esse
processo tende a levar os indivíduos a alterarem esses aspectos a fim de
minimizar a sua importância ou, até mesmo, a racionalizar comportamentos
irracionais para restaurar a harmonia cognitiva.
Portanto, cabe a todo cidadão se
manter sempre ciente de que uma das consequências mais comuns e visíveis, no
que diz respeito ao campo político-partidário, é a escolha de uma
representatividade equivocada e prejudicial à cidadania e à
Democracia, por parte da população.
* Heródoto
(484 a.C. - 425 a.C.) foi um historiador grego.
1
CORACINI, M. J. R. F. Concepções de Leitura na (Pós-) Modernidade. In: LIMA, R.
C. de C. P. (Org.). Leitura: múltiplos olhares. Campinas: Mercado de
Letras; São João da Boa Vista: Unifeob, 2005. p.15-44.
2
ORLANDI, E. P. Análise de Discurso: princípios e procedimentos.
Campinas, SP: Pontes, 2001.