sexta-feira, 22 de agosto de 2025

“Pensar o passado para compreender o presente e idealizar o futuro”. Heródoto


“Pensar o passado para compreender o presente e idealizar o futuro”. Heródoto *

 

Por Alessandra Leles Rocha

 

É uma pena, mas o Brasil insiste em viver de futuro! Não é à toa que, ao invés de focar no hoje, no agora, diante da efervescência dos acontecimentos nacionais e internacionais, a ala político-partidária e de imprensa esteja com os olhos voltados para a sucessão eleitoral de 2026. Por isso, resolvi tecer uma breve reflexão do que se faz de suma importância nesse contexto.

Bem, é claro que as personagens são fundamentais para contar uma história; mas, ao contrário do que uns e outros, por aí, possam pensar, é sobre a ideologia, ou seja, o conjunto de ideias, crenças, valores e normas que moldam a forma como um grupo social percebe e interage com o mundo, que devemos prestar bastante atenção.

Ora, pessoas vêm e vão! Portanto, figuras humanas não são elementos fixos. Já a ideologia, que elas sustentam e materializam nas suas expressões e comportamentos, essa sim, é uma estrutura fixa e atemporal. Daí a necessidade de observá-la bem de perto.

Nem preciso dizer que 2025 já entra para a historicidade brasileira, como um ano de profunda importância e ineditismo. Um ex-presidente, vários membros do escalão maior das Forças Armadas, alguns cidadãos ligados ao governo anterior, estão no banco dos réus, em razão do deplorável acontecimento do 08 de janeiro de 2023, sob a acusação de organização criminosa armada; tentativa de abolição violenta do Estado Democrático de Direito; golpe de Estado; dano qualificado pela violência e grave ameaça contra o patrimônio da União, e com considerável prejuízo para a vítima; e, deterioração de patrimônio tombado.

Entretanto, uma eventual condenação desses indivíduos não significa, em si mesma, o restabelecimento da paz democrática e cidadã, para o Brasil. Afinal, os indivíduos são punidos; mas, a ideologia, a qual eles defendem e manifestam, não.

E esse é o ponto de reflexão! As ideologias são como sementes. Elas podem permanecer dormentes, ou seja, inativas; mas, isso significa apenas sobreviver às condições temporariamente adversas, até que um momento mais favorável se oportunize.

E isso não é novidade! Há exatos 80 anos, por exemplo, o mundo assistiu ao fim da 2ª Guerra Mundial e todas as consequências desencadeadas pelo ultrarradicalismo imposto pelo regime nazista.

Em um primeiro momento, houve quem acreditasse que o Holocausto, o deslocamento maciço de populações, o desenvolvimento de um sentimento de unidade e de colaboração na Europa Ocidental para evitar novos conflitos, o receio de uma outra guerra nuclear, seriam questões absorvidas e incorporadas pela humanidade, sem quaisquer restrições.

Só que não. A ideologia que construiu e colocou em prática a 2ª Guerra Mundial apenas se tornou dormente. Células nazistas e ultrarradicais, que já haviam se espalhado pelo planeta, se invisibilizaram, ou camuflaram, para sobreviver às condições adversas, que se impuseram ao final do conflito bélico.

O que significa que o nazismo e o ultrarradicalismo não desapareceram, eles permaneceram de prontidão para despertar a qualquer momento. Inclusive, no Brasil. Caro (a) leitor (a), o atual recorte contemporâneo é, nesse sentido, um terreno fértil para que sementes tóxicas, nocivas, deletérias, possam germinar.  

Pelo simples fato de que navega, pelo (in)consciente coletivo nacional, e global, a ideia de que “Na busca, portanto, da totalidade, encontra-se a falta; na busca das certezas, encontram-se as dúvidas, na busca de um porto seguro, encontra-se a insegurança, que se manifesta, sobretudo, quando mitos da modernidade, simulacros do paraíso, nos colocam, de forma poderosa, em situação de inferioridade, de constrangimento, de angústia” (CORACINI, 2005 1).

Daí a necessidade da plena atenção às linguagens e suas construções. Não é porque alguns indivíduos estejam sendo julgados, responsabilizados, que a apropriação de suas ideologias ultrarradicais e extremistas não possa acontecer através de outros simpatizantes, representantes, apoiadores.

Conhece a expressão "lobo em pele de cordeiro"? Pois é, ela descreve indivíduos ou grupos que, sob um disfarce de inocência, bondade ou inofensividade, escondem intenções predatórias ou maliciosas para manipular, explorar ou prejudicar outros.

Acontece que, no campo político-partidário; sobretudo, no Brasil, onde o fisiologismo político é uma mácula secular, essa dinâmica de engano e dissimulação pode levar a danos sociais irreparáveis, tendo em vista, o própria historicidade marcada pela herança colonial exploratória.

Além disso, as Tecnologias da Informação e da Comunicação (TICs) contribuem significativamente para a reverberação de práxis comunicativas nocivas e deletérias, no cenário contemporâneo atual.

Por essas e por outras, é que a representatividade, à luz do seu significado político-partidário, se torna objeto fundamental para análise crítica da sociedade contemporânea.

Um exemplo disso está nas seguintes palavras de Eni Puccinelli Orlandi, pesquisadora brasileira e pioneira na esfera da análise do discurso, “é justamente quando esquecemos quem disse ‘colonização’, quando, onde e por que, que o sentido de colonização produz seus efeitos” (2001 2); pois, na ideologia, não há ocultação de sentidos, mas o apagamento do processo de sua constituição.

Afinal de contas, a historicidade, com frequência, insiste que certas ideias, crenças, valores, conflitem diretamente com a cognição humana, a tal ponto de gerar tensão e desconforto psicológico.

Então, automaticamente, esse processo tende a levar os indivíduos a alterarem esses aspectos a fim de minimizar a sua importância ou, até mesmo, a racionalizar comportamentos irracionais para restaurar a harmonia cognitiva.

Portanto, cabe a todo cidadão se manter sempre ciente de que uma das consequências mais comuns e visíveis, no que diz respeito ao campo político-partidário, é a escolha de uma representatividade equivocada e prejudicial à cidadania e à Democracia, por parte da população.  



* Heródoto (484 a.C. - 425 a.C.) foi um historiador grego.  

1 CORACINI, M. J. R. F. Concepções de Leitura na (Pós-) Modernidade. In: LIMA, R. C. de C. P. (Org.). Leitura: múltiplos olhares. Campinas: Mercado de Letras; São João da Boa Vista: Unifeob, 2005. p.15-44.

2 ORLANDI, E. P. Análise de Discurso: princípios e procedimentos. Campinas, SP: Pontes, 2001.