Apesar de
tudo ...
Por Alessandra
Leles Rocha
Aos que jamais se esquecerão de
que o país atingiu a infeliz marca de mais de 700 mil mortos pela COVID-19, em
razão do negacionismo científico, das falhas flagrantes na condução federal da
crise sanitária, na promoção de tratamentos ineficazes, tais como a cloroquina
e a ivermectina, no retardo da compra e distribuição de vacinas, resta um gosto
amargo diante dos recentes acontecimentos.
Afinal, esse é só mais um exemplo,
dentre tantos outros, que desconstrói a afirmação constitucional de que “Todos
são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos
brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito
à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade” (art. 5º, CF de
1988).
Não, não somos todos iguais. Milhões
de brasileiros, em algum momento do curso de sua história, já experimentaram ou
experimentam desafios em relação à redução do risco de doença e de outros
agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para promoção,
proteção e recuperação de sua saúde, apesar da Constituição Federal vigente,
assim, estabelecer como direito de todos.
Inclusive, o sistema prisional
brasileiro que apresenta um encarceramento em torno de 941.752 indivíduos,
sendo 705.872 em unidades prisionais e 235.880 em prisão domiciliar, esses com
ou sem monitoramento eletrônico, enfrenta fragilidades na oferta de atendimento
de saúde.
Dentre os motivos estão a
superlotação, as condições precárias de higiene e saneamento, a má alimentação
e a falta de infraestrutura, o que contribui para a disseminação de doenças
infecciosas e agravamentos de problemas de saúde já existentes.
A responsabilidade pelo custódia
do tratamento de saúde de condenados no Brasil é solidária entre a União,
estados e municípios, de acordo com a Constituição Federal e a jurisdição do
Supremo Tribunal Federal (STF).
Desse modo, o Estado tem o dever
de fornecer tratamento adequado a todos os necessitados, incluindo os presos, e
qualquer um dos entes federados pode ser acionado judicialmente para garantir
esse direito, sozinho ou em conjunto.
O que significa que o Sistema
Único de Saúde (SUS) é o responsável por essa prestação, com gestão e orçamento
definido nos âmbitos federal, estadual e municipal, em conformidade com o Plano
Nacional de Saúde no Sistema Penitenciário (PNSSP).
Portanto, o custo da saúde dos
presos decorre de uma responsabilidade compartilhada entre o Ministério da
Saúde (SUS) e a Secretaria Nacional de Políticas Penais (SENAPPEN), vinculada
ao Ministério da Justiça e Segurança Pública. Em suma, o financiamento é feito
majoritariamente com recursos públicos provenientes de tributos pagos pela
população.
Acontece que, de repente fomos
confrontados com uma situação um tanto quanto peculiar. Envolto por benefícios
e prerrogativas que a legislação brasileira lhe concede após o fim do mandato,
o ex-Presidente da República, condenado na Ação Penal (AP) 2668, por tentativa
de Golpe de Estado, tem usufruído de toda infraestrutura necessária para
atendimento médico-hospitalar, em razão de um histórico clínico que inspira
cuidados.
Assim, desde que foi preso
preventivamente em razão de obstrução de justiça em outro processo e, agora, no
cumprimento da pena determinada na Ação Penal (AP) 2668, ele permanecerá contando
com assistência médica constante, por determinação judicial.
Além disso, foi estabelecido que,
no caso dele, o cumprimento de pena em regime fechado aconteça em local próprio,
ou seja, na Superintendência da Polícia Federal (PF), em Brasília.
Algo que representa um custo maior
do que no sistema prisional convencional; pois, os custos operacionais incluem
segurança especializada, alimentação, saúde e manutenção da infraestrutura de
alta segurança, os quais são cobertos pelo orçamento público da União,
proveniente dos impostos pagos pelos cidadãos brasileiros e geridos pelo Fundo
Penitenciário Nacional (FUNPEN).
Quem diria que um único indivíduo,
condenado pelos crimes de tentativa de abolição violenta do Estado Democrático
de Direito, golpe de Estado, participação em organização criminosa armada, dano
qualificado e liberdade de patrimônio tombado, teria da justiça brasileira uma
atenção especial para resguardar a sua saúde e integridade física.
Logo ele, representante máximo da
ultradireita, franco defensor do encarceramento e das rigorosas punições, à
revelia da histórica crise estrutural do sistema carcerário brasileiro e da ausência
de direitos humanos.
Mas, dentro de uma outra ótica,
uma outra perspectiva, o que se tem, na verdade, é que ele não foi punido apenas
com condenação de 27 anos e três meses de reclusão; mas, com o fato de ser sumariamente
confrontado pela realidade, a qual ele tem o costume de negar, ou
seja, que ele vive sim, sob o guarda-chuva de uma Democracia.
Irônico, não?! Isso significa que a partir de agora, não dá mais para afirmar que, por aqui, há autoritarismo, perseguição, prisão ilegal, determinação de exílio, ou coisa que o valha. Pelo contrário, apesar de tudo, ele pode desfrutar do acesso ao sistema jurídico para defender seus direitos; bem como, da garantia de todos os direitos essenciais à dignidade humana.
