terça-feira, 25 de novembro de 2025

Apesar de tudo ...

Apesar de tudo ...

 

Por Alessandra Leles Rocha

 

Aos que jamais se esquecerão de que o país atingiu a infeliz marca de mais de 700 mil mortos pela COVID-19, em razão do negacionismo científico, das falhas flagrantes na condução federal da crise sanitária, na promoção de tratamentos ineficazes, tais como a cloroquina e a ivermectina, no retardo da compra e distribuição de vacinas, resta um gosto amargo diante dos recentes acontecimentos.

Afinal, esse é só mais um exemplo, dentre tantos outros, que desconstrói a afirmação constitucional de que “Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade” (art. 5º, CF de 1988).

Não, não somos todos iguais. Milhões de brasileiros, em algum momento do curso de sua história, já experimentaram ou experimentam desafios em relação à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para promoção, proteção e recuperação de sua saúde, apesar da Constituição Federal vigente, assim, estabelecer como direito de todos.

Inclusive, o sistema prisional brasileiro que apresenta um encarceramento em torno de 941.752 indivíduos, sendo 705.872 em unidades prisionais e 235.880 em prisão domiciliar, esses com ou sem monitoramento eletrônico, enfrenta fragilidades na oferta de atendimento de saúde.

Dentre os motivos estão a superlotação, as condições precárias de higiene e saneamento, a má alimentação e a falta de infraestrutura, o que contribui para a disseminação de doenças infecciosas e agravamentos de problemas de saúde já existentes.

A responsabilidade pelo custódia do tratamento de saúde de condenados no Brasil é solidária entre a União, estados e municípios, de acordo com a Constituição Federal e a jurisdição do Supremo Tribunal Federal (STF).

Desse modo, o Estado tem o dever de fornecer tratamento adequado a todos os necessitados, incluindo os presos, e qualquer um dos entes federados pode ser acionado judicialmente para garantir esse direito, sozinho ou em conjunto.

O que significa que o Sistema Único de Saúde (SUS) é o responsável por essa prestação, com gestão e orçamento definido nos âmbitos federal, estadual e municipal, em conformidade com o Plano Nacional de Saúde no Sistema Penitenciário (PNSSP).

Portanto, o custo da saúde dos presos decorre de uma responsabilidade compartilhada entre o Ministério da Saúde (SUS) e a Secretaria Nacional de Políticas Penais (SENAPPEN), vinculada ao Ministério da Justiça e Segurança Pública. Em suma, o financiamento é feito majoritariamente com recursos públicos provenientes de tributos pagos pela população.

Acontece que, de repente fomos confrontados com uma situação um tanto quanto peculiar. Envolto por benefícios e prerrogativas que a legislação brasileira lhe concede após o fim do mandato, o ex-Presidente da República, condenado na Ação Penal (AP) 2668, por tentativa de Golpe de Estado, tem usufruído de toda infraestrutura necessária para atendimento médico-hospitalar, em razão de um histórico clínico que inspira cuidados.  

Assim, desde que foi preso preventivamente em razão de obstrução de justiça em outro processo e, agora, no cumprimento da pena determinada na Ação Penal (AP) 2668, ele permanecerá contando com assistência médica constante, por determinação judicial.

Além disso, foi estabelecido que, no caso dele, o cumprimento de pena em regime fechado aconteça em local próprio, ou seja, na Superintendência da Polícia Federal (PF), em Brasília.

Algo que representa um custo maior do que no sistema prisional convencional; pois, os custos operacionais incluem segurança especializada, alimentação, saúde e manutenção da infraestrutura de alta segurança, os quais são cobertos pelo orçamento público da União, proveniente dos impostos pagos pelos cidadãos brasileiros e geridos pelo Fundo Penitenciário Nacional (FUNPEN).

Quem diria que um único indivíduo, condenado pelos crimes de tentativa de abolição violenta do Estado Democrático de Direito, golpe de Estado, participação em organização criminosa armada, dano qualificado e liberdade de patrimônio tombado, teria da justiça brasileira uma atenção especial para resguardar a sua saúde e integridade física.

Logo ele, representante máximo da ultradireita, franco defensor do encarceramento e das rigorosas punições, à revelia da histórica crise estrutural do sistema carcerário brasileiro e da ausência de direitos humanos.

Mas, dentro de uma outra ótica, uma outra perspectiva, o que se tem, na verdade, é que ele não foi punido apenas com condenação de 27 anos e três meses de reclusão; mas, com o fato de ser sumariamente confrontado pela realidade, a qual ele tem o costume de negar, ou seja, que ele vive sim, sob o guarda-chuva de uma Democracia.

Irônico, não?! Isso significa que a partir de agora, não dá mais para afirmar que, por aqui, há autoritarismo, perseguição, prisão ilegal, determinação de exílio, ou coisa que o valha. Pelo contrário, apesar de tudo, ele pode desfrutar do acesso ao sistema jurídico para defender seus direitos; bem como, da garantia de todos os direitos essenciais à dignidade humana.