segunda-feira, 22 de setembro de 2025

Anistia dosimétrica???


Anistia dosimétrica???

 

Por Alessandra Leles Rocha

 

Vamos imaginar uma situação hipotética do cotidiano. A criança pega escondido o cartão de crédito da mãe e gasta milhares de reais em joguinhos. A fatura do cartão chega em casa e a mãe se descontrola diante do valor elevadíssimo. Em razão da gravidade da situação, ela decide impor um castigo ao filho.

Ele não poderia sair de casa, para brincar com os amigos da escola, por seis meses, que seria, segundo ela, o tempo necessário para a família reequilibrar as finanças. Além disso, o garoto teria o celular bloqueado e a mesada cortada, pelo mesmo período.

Acontece que o pai, ao saber do fato, considerou que a mãe foi severa demais. Que o ocorrido era parte das costumeiras travessuras do garoto e, portanto, a punição poderia ser reavaliada e reduzida. Para o pai, bastava que o garoto não pudesse sair de casa, por um mês.

Portanto, ele aplicou uma anistia dosimétrica, ou seja, um perdão com base no cálculo feito mediante as circunstâncias da travessura; bem como, considerando agravantes e atenuantes do comportamento do garoto.

Sem aprofundar em todas as camadas de análise existentes nesse exemplo, ainda assim, é possível perceber que a atitude do pai abre uma possibilidade, um precedente, para que o garoto reincida no seu comportamento travesso, na medida em que ela foi atenuada e flexibilizada.

Ora, como explica a própria física, através da 3ª Lei de Newton, para toda ação existe uma reação de igual intensidade e no sentido oposto. De modo que a aplicação de uma punição deve acontecer pautada pelos mesmos princípios, ou seja, ela deve ser entendida como um mecanismo social que visa regular de maneira proporcional o comportamento e a culpabilidade.

Afinal de contas, a punição molda a conduta social e os significados dentro de um coletivo humano. Punições desalinhadas ao perfil da má conduta cometida acabam por criar, inevitavelmente, uma ideia de permissividade, que não só tolera ou permite comportamentos tradicionalmente antiéticos e imorais, como apontam para uma total não aderência às regras sociais convencionais.

Infelizmente, é exatamente uma anistia dosimétrica que um grupo de parlamentares brasileiros tenta emplacar em relação aos condenados pela tentativa recente de Golpe de Estado, no país. Como se os crimes apontados, os quais incluem a construção de organização criminosa armada, tentativa de abolição violenta do Estado Democrático de Direito, golpe de Estado, dano qualificado contra o patrimônio da União, e/ou deterioração de patrimônio tombado, pudessem ser minimizados, contemporizados, e/ou abrandados.

Essa tal anistia dosimétrica parece se esquecer, também, o vultoso montante de dinheiro público que esteve envolvido nessa trama golpista. O próprio conjunto probatório da ação penal demonstra esse aspecto, com bastante clareza. Sem contar que o Brasil já teve a prova cabal dos efeitos negativos que suas anistias anteriores trouxeram ao país.

Bem, essa ideia de perdão concedido pelo Estado às pessoas que cometeram determinados crimes, extinguindo a punibilidade, é totalmente fracassada.  É preciso compreender que por trás dos crime políticos existe uma motivação, um fator interno, uma razão, que move alguém, individualmente ou coletivamente, a agir.

De modo que, tais crenças, convicções, princípios, não desaparecem em um piscar de olhos, ainda que diante de uma proposta de anistia. Trata-se de algo muito profundo, de certa forma, arraigado no inconsciente coletivo, ao longo do tempo.

Daí essa motivação poder ser silenciada momentaneamente; mas, ela não deixa de existir e ao menor sinal de oportunidade, ela pode sim, emergir com todo o seu ímpeto. Por isso, é tão rasa e ingênua a ideia de que uma proposta de anistia, seja ela qual for, é suficiente para construir uma prevenção ou, quem sabe, uma reabilitação, do ponto de vista ideológico- comportamental.

Não se pode negar que nos bastidores dos crimes contra a Democracia, o Estado de Direito, às instituições, à cidadania, existem interesses e poderes considerados, por uns e outros, inegociáveis e inflexíveis. Ora, está nesses interesses e poderes a chama vital que nutre o ideário golpista!

De modo que ele pode arrefecer; mas, ele não desaparece, ele não se extingue. O que significa que a possibilidade de anistia, seja ela qual for, é um impulso motivacional para fortalecer o golpismo. Razão pela qual, o cidadão não pode considerar normal anistiar pessoas que cometeram crimes gravosos contra o país, nem tampouco, apoiar esse tipo de proposta de atenuação de pena.

Assim, não se esqueça de que o Brasil vive um momento crucial para compreender que “Se você não desenvolver uma cultura democrática constante e viva, capaz de cobrar os candidatos, eles não farão as coisas pelas quais você votou. Apertar um botão e logo ir embora para sua casa não vai mudar as coisas” (Avram Noam Chomsky - linguista, filósofo, sociólogo, cientista cognitivo e ativista político estadunidense).