Impunidade.
Criminalidade. Um caminho que se retroalimenta no Brasil.
Por Alessandra
Leles Rocha
A notícia de um tal “Pacote da
impunidade”, o qual propõe que as investigações contra parlamentares só aconteça
mediante a autorização deles próprios 1,
é mais um pedaço da ética esfacelada sobre o chão do Congresso nacional.
De modo que não há como não
lembrar as palavras de Rui Barbosa, político, jurista, diplomata e escritor brasileiro:
“De tanto ver triunfar as nulidades, de tanto ver prosperar a desonra, de
tanto ver crescer a injustiça, de tanto ver agigantarem- se os poderes nas mãos
dos maus, o homem chega a desanimar da virtude, a rir-se da honra, a ter
vergonha de ser honesto”.
Pois é, a contemporização do
absurdo estabelece uma espetacularização dantesca para a sociedade. Onde já se
viu, parlamentar, condenada pela justiça brasileira, fugir do país sem ter tido
o seu mandato cassado?
Onde já se viu, parlamentar se
licenciar do parlamento e viajar para outro país, com fim específico de cometer
crime de “lesa pátria”, e não ter o seu mandato cassado?
Onde já se viu, parlamentar sob
restrições da justiça brasileira, por conta de investigações da Polícia Federal
(PF), sair do país sem autorização de Ministro do Supremo Tribunal Federal
(STF)?
Onde já se viu, parlamentares ocuparem
os plenários do Congresso Nacional para impedir a abertura dos trabalhos
legislativos, interrompendo o andamento de projetos e votações, com o objetivo
de ganhar tempo ou pressionar por mudanças? Onde já se viu?
Se por um lado, tudo isso
envergonha, constrange, apequena, não só parlamento brasileiro, mas o país; por
outro, permite ao cidadão (ã) eleitor (a) conhecer a verdadeira face de quem o
(a) representa na seara político-democrática.
E isso é um ganho significativo,
considerando que parece ter chegado o tempo de “separar o joio do
trigo", ou seja, discernir e distinguir o que é bom do que é ruim, o
que é valioso do que é inútil, ou o que é verdadeiro do que é falso, em
diversas situações da vida, incluindo o campo político-partidário.
Afinal de contas, se esse (a) ou
aquele candidato (a) destoa de maneira tão significativa dos parâmetros éticos
e morais do eleitor, por que razão deveria esse simpatizar com ele (a) e
apoiá-lo (a)?
No caso dessa proposta de Emenda
Constitucional, defendida por parlamentares que se amotinaram no Congresso
nacional, na última semana, a ideia é elaborar um conjunto de medidas
legislativas que visam protegê-los pelo cometimento de crimes e reduzir a
punição de delitos, promovendo, assim, a impunidade.
Está claro, então, que eles já
indicam a sua tendência em agir na contramão das leis e do próprio decoro
parlamentar. Estão admitindo, de viva voz, a sua intenção em transgredir, em
desobedecer, em violar quaisquer parâmetros éticos, presentes na sociedade
brasileira. O que, ao menos em tese, os torna inapropriados para representarem
os interesses e as pautas de seus eleitores.
Há pouco mais de 500 anos, a
historicidade brasileira convive com as mazelas e os desdobramentos gerados
pela impunidade. A falta de punição ou consequências para as ações que violam as
normas ou as leis, seja em âmbito legal ou moral, produz sim, um sentimento de
descrença nas instituições e na justiça; mas, sobretudo, enfraquece o tecido
social.
É, a impunidade no topo da pirâmide
reverbera pelas demais camadas ou estratos sociais, fragilizando a
credibilidade do país, como um todo. Por isso, citei Rui Barbosa! Ele não errou
e permanece atualíssimo na suas considerações. Especialmente, quando se coloca
reparo no comportamento da atual legislatura do Congresso brasileiro.
As sucessivas atitudes
degradantes e incompatíveis ao exercício parlamentar, permitem que a impunidade
ultrapasse aquelas paredes e passe a contribuir para a perda de valores éticos
e morais na sociedade em si.
Ora, as ações criminosas quando deixam
de ter consequências, de ter punições, levam à banalização da violência e da
criminalidade, nos demais espaços sociais. Portanto, estamos diante de um problema
que afeta a confiança, a segurança e a própria estrutura da sociedade.
Chega! “Justificar tragédias
como ‘vontade divina’ tira da gente a responsabilidade por nossas escolhas”
(Umberto Eco - escritor, filósofo e semiólogo italiano). Isso vale tanto para
os presidentes das casas legislativas brasileiras, Câmara dos Deputados e
Senado Federal, quanto para o restante da população.
Basta de contemporizar! De transigir!
De pactuar! De permitir! De tolerar! Como dizia Eduardo Galeano, escritor e
jornalista uruguaio, “São muitos os cidadãos que perdem a opinião por falta
de uso”. Mas, por sorte, “A primeira condição para modificar a realidade
consiste em conhecê-la" (Eduardo Galeano) e, agora, ela está límpida e
transparente bem diante do nosso nariz, só aguardando a ruptura final com
qualquer ranço de indecisão.