Ilusões e
delírios não mudam os fatos e a realidade
Por
Alessandra Leles Rocha
Dizia o escritor e jornalista
italiano, Umberto Eco, “Nem todas as verdades são para todos os ouvidos”.
Sábias palavras! Em um mundo tomado pelo individualismo egóico narcisista, as
palavras podem atingir os espaços mais delicados da natureza humana e gerar respostas,
que ultrapassam os limites da dor e do sofrimento, para se converterem em ódio
e vingança.
Trata-se de uma ruptura com a
idealização! Essa forma irrealista, que considera as suas próprias perspectivas
e expectativas do mundo, da vida, como se fossem perfeitas ou ideais; mas, na
verdade, não se sustentam. A verdade nua e crua da realidade é sempre imperiosa
e indisposta a satisfazer as vontades e os quereres, de quem quer que seja.
Assim, considerando o momento
atual da contemporaneidade, vale refletir sobre as seguintes palavras de Bob
Marley, cantor, compositor e guitarrista jamaicano: “Me criticam por ser
diferente, mas rio deles por serem todos iguais, e loucos como eu vivem pouco,
mas vivem como querem pois não me importa se não houver o amanhã, me deram a
vida e não a eternidade...”. Afinal,
elas soam como um grito de liberdade, uma apropriação identitária, sem
precedentes.
Até aqui, a historicidade humana
tem orbitado uma lógica bastante controversa. Há quem diga: “manda quem
pode, obedece quem tem juízo”, para expressar a capacidade de dominação e eventual
superioridade, de uns sobre os outros. Acontece que essa é uma ideia derivada
dos primórdios da civilização e que foi reafirmada, ao longo do tempo, a partir
da abstenção da consciência crítica e reflexiva dos indivíduos, instrumentalizada
pela violência, o medo, a opressão.
Haja vista, por exemplo, as práxis
colonialistas, imperialistas, neocolonialistas. Elas sempre objetivaram imputar
a certos povos a necessidade de uma tutela, ou seja, que o outro, tido como
mais forte, mais rico, mais autossuficiente, assumisse a responsabilidade legal,
sob diferentes aspectos, pelo bem-estar daqueles que, em sua percepção,
estivessem em condição mais frágil e vulnerável.
O que significou o ápice da
exploração, tendo em vista, de que houve a apropriação dos recursos – humanos,
materiais, naturais - ou produtos desse outro grupo, frequentemente, através de
práticas desiguais e injustas, gerando relações de poder desequilibradas.
Nesse contexto, por exemplo, o
mundo presenciou o surgimento do Eurocentrismo, uma visão de mundo que
considerava a Europa e seus valores como o centro da história e desenvolvimento
da humanidade, negligenciando ou subestimando outras culturas e perspectivas.
Então, diante dos recentes
acontecimentos desencadeados pelos EUA, é que se deve tecer uma análise. O
atual presidente estadunidense está tomado por uma construção ideológica idealizada,
a qual está sob franco ataque da realidade do século XXI.
Esse é o ponto! Ele vem dobrando
suas apostas, pagando para ver, porque essa verdade é extremamente inconveniente,
desconfortável, indigesta. Ela rompe de maneira sumária com a defesa do seu
mundo paralelo idealizado.
Sem se dar conta, sem observar
com a devida atenção, ele perdeu o timing do mundo. Dos seus giros e
rodopios. Da sua evolução. Da sua metamorfização. De modo que, de repente, na
linha dos seus olhos emergiram países que vêm questionando as suas decisões, as
suas imposições, as suas condutas, na seara diplomática e de comércio exterior.
Mas, não só isso! O exercício soberano
de cada um deles reflete o incômodo estadunidense diante de certos
posicionamentos, por divergirem da sua postura em situações semelhantes. Como diria
Caetano Veloso, cantor e compositor brasileiro, “É que Narciso acha feio o
que não é espelho” (Sampa, 1978).
Esses países abriram precedentes.
Em linhas gerais, segundo a compreensão estadunidense, eles estão servindo como
modelo ou exemplo para ações ou eventos futuros, especialmente em contextos
sociais e/ou institucionais.
Portanto, eles podem exercer
algum tipo de influência nos comportamentos, decisões e normas sociais, nos
EUA. O que cria uma fratura na idealização, no mundo paralelo, que o atual
presidente estadunidense tenta firmar, legitimar e legalizar.
Algo que o torna cada vez mais
semelhante a personagem Rainha de Copas, criada por Lewis Carroll, escritor
britânico. Figura emblemática do livro "Alice no País das
Maravilhas", ela retrata uma líder tirânica, cuja autoridade é baseada
no medo e na imposição, refletindo sua natureza cruel e impulsiva. Outro traço
importante dessa personagem é o seu ego inflado, que a impede de reconhecer
seus próprios erros e limitações.
Mas, não se pode esquecer que a Rainha
de Copas também pode ser vista como uma sátira da sociedade vitoriana. E o que
foi o período vitoriano? Corresponde ao reinado da rainha Vitória, no Reino
Unido (1837-1901), quando a Inglaterra tornou-se a principal potência
industrial e comercial do mundo, impulsionada pela Revolução Industrial e pela
expansão colonial. Isso significa que o Reino Unido expandiu seu império
colonial na África e na Ásia, consolidando seu poder e influência global.
Contudo, se houve grande
prosperidade para a burguesia, para as demais camadas da sociedade, as
desigualdades sociais se acentuaram e se aprofundaram radicalmente.
Além disso, como todo grande império,
o seu declínio se deu por um processo complexo impulsionado por múltiplos
fatores, os quais se destacam as duas guerras mundiais, o enfraquecimento
econômico, o surgimento de movimentos nacionalistas e a ascensão de novas
potências.
Bem, qualquer semelhança não é
mera coincidência! Apesar de não haver relação direta entre os dois eventos, um
ocorrido no século XIX e outro no século XXI, a essência das práxis converge
para os mesmos objetivos e desdobramentos.
Daí tantas sanções, tanta
animosidade, tanta belicosidade, sendo destilada pelos EUA. Eles ainda não
perceberam a inexistência de uma ponte entre o mundo real e o seu mundo
paralelo. Estão se debatendo, digladiando, por não aceitarem os fatos, a vida
como ela é.
Afinal de contas, “Em certo
sentido, a direita tem razão quando se identifica com a tranquilidade e com a
ordem. A ordem é a diuturna humilhação das maiorias, mas sempre é uma ordem - a
tranquilidade de que a injustiça siga sendo injusta e a fome faminta”. Razão
pela qual “Nossa derrota esteve sempre implícita na vitória dos outros.
Nossa riqueza sempre gerou nossa pobreza por nutrir a prosperidade alheia: os
impérios e seus beleguins nativos” (Eduardo Galeano - escritor e jornalista
uruguaio).
Entretanto, a força dos ventos da
mudança chegou! Variáveis diversas ocupam o cenário da ordem mundial. Portanto,
nada do que os estadunidenses e seus asseclas fizerem irá promover uma solidez
para a sua idealização.
Ao contrário, cada novo tensionamento
global, só tende a esgarçar, mais e mais, o tecido geopolítico, gerando desgastes
imensos, com uma perda de tempo e de energia desnecessária, sem que o mundo deixe
de seguir seu fluxo, seu caminho natural.
Relembrando os ensinamentos de Mahatma
Gandhi, líder pacifista indiano que lutou pela independência da Índia em
relação ao império britânico, “Se queremos progredir, não devemos repetir a
história, mas fazer uma história nova”.