terça-feira, 25 de novembro de 2025

Apesar de tudo ...

Apesar de tudo ...

 

Por Alessandra Leles Rocha

 

Aos que jamais se esquecerão de que o país atingiu a infeliz marca de mais de 700 mil mortos pela COVID-19, em razão do negacionismo científico, das falhas flagrantes na condução federal da crise sanitária, na promoção de tratamentos ineficazes, tais como a cloroquina e a ivermectina, no retardo da compra e distribuição de vacinas, resta um gosto amargo diante dos recentes acontecimentos.

Afinal, esse é só mais um exemplo, dentre tantos outros, que desconstrói a afirmação constitucional de que “Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade” (art. 5º, CF de 1988).

Não, não somos todos iguais. Milhões de brasileiros, em algum momento do curso de sua história, já experimentaram ou experimentam desafios em relação à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para promoção, proteção e recuperação de sua saúde, apesar da Constituição Federal vigente, assim, estabelecer como direito de todos.

Inclusive, o sistema prisional brasileiro que apresenta um encarceramento em torno de 941.752 indivíduos, sendo 705.872 em unidades prisionais e 235.880 em prisão domiciliar, esses com ou sem monitoramento eletrônico, enfrenta fragilidades na oferta de atendimento de saúde.

Dentre os motivos estão a superlotação, as condições precárias de higiene e saneamento, a má alimentação e a falta de infraestrutura, o que contribui para a disseminação de doenças infecciosas e agravamentos de problemas de saúde já existentes.

A responsabilidade pelo custódia do tratamento de saúde de condenados no Brasil é solidária entre a União, estados e municípios, de acordo com a Constituição Federal e a jurisdição do Supremo Tribunal Federal (STF).

Desse modo, o Estado tem o dever de fornecer tratamento adequado a todos os necessitados, incluindo os presos, e qualquer um dos entes federados pode ser acionado judicialmente para garantir esse direito, sozinho ou em conjunto.

O que significa que o Sistema Único de Saúde (SUS) é o responsável por essa prestação, com gestão e orçamento definido nos âmbitos federal, estadual e municipal, em conformidade com o Plano Nacional de Saúde no Sistema Penitenciário (PNSSP).

Portanto, o custo da saúde dos presos decorre de uma responsabilidade compartilhada entre o Ministério da Saúde (SUS) e a Secretaria Nacional de Políticas Penais (SENAPPEN), vinculada ao Ministério da Justiça e Segurança Pública. Em suma, o financiamento é feito majoritariamente com recursos públicos provenientes de tributos pagos pela população.

Acontece que, de repente fomos confrontados com uma situação um tanto quanto peculiar. Envolto por benefícios e prerrogativas que a legislação brasileira lhe concede após o fim do mandato, o ex-Presidente da República, condenado na Ação Penal (AP) 2668, por tentativa de Golpe de Estado, tem usufruído de toda infraestrutura necessária para atendimento médico-hospitalar, em razão de um histórico clínico que inspira cuidados.  

Assim, desde que foi preso preventivamente em razão de obstrução de justiça em outro processo e, agora, no cumprimento da pena determinada na Ação Penal (AP) 2668, ele permanecerá contando com assistência médica constante, por determinação judicial.

Além disso, foi estabelecido que, no caso dele, o cumprimento de pena em regime fechado aconteça em local próprio, ou seja, na Superintendência da Polícia Federal (PF), em Brasília.

Algo que representa um custo maior do que no sistema prisional convencional; pois, os custos operacionais incluem segurança especializada, alimentação, saúde e manutenção da infraestrutura de alta segurança, os quais são cobertos pelo orçamento público da União, proveniente dos impostos pagos pelos cidadãos brasileiros e geridos pelo Fundo Penitenciário Nacional (FUNPEN).

Quem diria que um único indivíduo, condenado pelos crimes de tentativa de abolição violenta do Estado Democrático de Direito, golpe de Estado, participação em organização criminosa armada, dano qualificado e liberdade de patrimônio tombado, teria da justiça brasileira uma atenção especial para resguardar a sua saúde e integridade física.

Logo ele, representante máximo da ultradireita, franco defensor do encarceramento e das rigorosas punições, à revelia da histórica crise estrutural do sistema carcerário brasileiro e da ausência de direitos humanos.

Mas, dentro de uma outra ótica, uma outra perspectiva, o que se tem, na verdade, é que ele não foi punido apenas com condenação de 27 anos e três meses de reclusão; mas, com o fato de ser sumariamente confrontado pela realidade, a qual ele tem o costume de negar, ou seja, que ele vive sim, sob o guarda-chuva de uma Democracia.

Irônico, não?! Isso significa que a partir de agora, não dá mais para afirmar que, por aqui, há autoritarismo, perseguição, prisão ilegal, determinação de exílio, ou coisa que o valha. Pelo contrário, apesar de tudo, ele pode desfrutar do acesso ao sistema jurídico para defender seus direitos; bem como, da garantia de todos os direitos essenciais à dignidade humana. 

sábado, 22 de novembro de 2025

22 de novembro de 2025 ...


22 de novembro de 2025...

 

Por Alessandra Leles Rocha

 

Não olhe para a fotografia, olhe para o filme! Só assim, a história faz sentido! Apesar da capacidade intelectual e de cognição, em síntese o ser humano é o que é. Render-se às transformações, às mudanças, exige disposição e interesse. Portanto, quase sempre, uma reformulação de crenças, valores e princípios é algo esporádico, excepcional.

Por isso, a análise começa assim, não há como contestar o traço antidemocrático presente no comportamento do ex-Presidente da República, condenado pela tentativa de Golpe de Estado, pela Primeira Turma do Supremo Tribunal Federal (STF).  

Com vasto registro da sua trajetória antes e depois do ingresso na carreira política, lá estão episódios de contestação de resultados eleitorais, de deslegitimação de instituições democráticas, tais como o judiciário e o sistema eleitoral, de utilização de discursos de ódio, de desinformação para minar a confiança pública, de negacionismo científico, de banalização e menosprezo aos direitos civis e humanos.

No entanto, deveriam os Poderes da República cumprir com o exercício da mea culpa, em razão de terem sido tão tolerantes, condescendentes, indulgentes e flexíveis, todas as vezes em que ele ostentou a sua antidemocracia, a partir da mais completa abolição do decoro e da civilidade.

Afinal, a ausência de uma resposta mais contundente e precisa, diante das sucessivas manifestações antidemocráticas, teria impedido que ele, algum dia, pudesse ocupar o cargo mais importante do país, a Presidência da República.

Pouco mais de 30 anos de carreira política representam tempo suficiente para que o seu ranço antidemocrático tivesse sido devidamente contido, no âmbito dos Poderes da República brasileira.

Como isso não ocorreu, o país teve que enfrentar o desmonte da estrutura governamental, quando “passaram boiadas” que pisotearam sem piedade os caminhos de progresso e de desenvolvimento sustentável, nas mais diversas áreas. Filas de gente mendigando por ossos e o Brasil de volta ao mapa da fome. Pandemia e seus mais de 700 mil mortos. Negacionismo científico. Isolacionismo diplomático. ...

Ora, alguém antidemocrata é, por definição, incompatível com o exercício da governança democrática e tudo o que ela contempla e exige, pelo simples fato de negar os princípios e as instituições que a sustentam. E ele jamais escondeu ou dissimulou a sua aspiração por um poder concentrado, pronto para desafiar a ordem exigida e tomar o controle total do país.

Nesse sentido, sempre constou das linhas e das entrelinhas do seu comportamento e discurso antidemocrático um viés de constante insubordinação às leis do país, apesar da sua formação militar. Essa insubordinação foi expressa desde a desobediência, que protesta contra o que considera injusto, até a tentativa de abolir o Estado Democrático de Direito com violência.

E esse é um ponto importante, porque demonstra que essa consciência antidemocrática estava permeada por um descompromisso total e irrestrito frente ao fato de que todos os cidadãos e entidades, inclusive pessoas jurídicas, estão sujeitos às leis do país e são responsáveis ​​por seus atos perante a Justiça.

O que demonstra como ele sempre se considerou acima do Bem e do Mal, imune às sanções impostas pela legislação brasileira. Assim, a relação direta entre a impunidade, construída pela condescendência dos Poderes da República, ao longo de décadas, e a fuga da lei, sempre existiu.  

Suas ações delituosas ao não encontrarem a devida punição e responsabilização se tornaram um estímulo para a reincidência e para a evasão das responsabilidades legais.

Daí o fato de se evadir ou se esconder das autoridades para evitar o processo legal, o julgamento ou o cumprimento da pena, sempre esteve no radar dele. Aliás, ele afirmou por repetidas vezes que jamais seria preso.

Talvez, por depositar uma total confiança de que, no Brasil, a historicidade revela um conjunto de regalias e privilégios que sustentam uma disparidade, na qual determinados indivíduos têm acesso preferencial a serviços, justiça e influência, enquanto o restante da população não tem, corroendo o conceito de cidadania igualitária.

Como se a ideia de que a antidemocracia e a impunidade se retroalimentassem, ou seja, a ausência de punição para atos antidemocráticos fortalecesse a cultura de violação das instituições, porque estava sendo manifesta por alguém munido de prerrogativas e direitos diferenciados.  

Acontece que a Terra é redonda! Ela gira e sofre transformações à revelia de quem quer que seja. Ensimesmado no seu pequeno mundo, ele não viu ou preferiu não ver as mudanças. Fato que não altera, em absolutamente nada, o curso da história em si.

Por isso, o choque não se deu pelo acontecimento de hoje, 22 de novembro de 2025. A verdade é que há alguns meses a realidade pesa sobre seus ombros. Aquilo que ele temia e se abstinha de ver ou de pensar.

Finalmente, foi cobrada a fatura por sua antidemocracia e todas as demais consequências por ela gestadas.  Um custo alto. Solitário. Severo. Cruel. Sobretudo, pensando sob a ótica do tempo.

É. O tempo não parou e nem vai parar! Os fiapos de sua juventude, de sua arrogância, de sua altivez, de seu autoritarismo, ... que se mantiveram obstinados na construção de um ideal antidemocrático, estão se esvaindo como fumaça. Tudo tem fim. E nem sempre esse fim pode ser belo e glorioso.  

Afinal de contas, como escreveu Eduardo Galeano, escritor e jornalista uruguaio, “A história é um profeta com o olhar voltado para trás: pelo que foi, e contra o que foi, anuncia o que será”.


segunda-feira, 17 de novembro de 2025

Como dizia Pablo Neruda, “Você é livre para fazer suas escolhas, mas é prisioneiro das consequências” ...

Como dizia Pablo Neruda, “Você é livre para fazer suas escolhas, mas é prisioneiro das consequências” ...

 

Por Alessandra Leles Rocha

 

As recorrentes notícias sobre as iniciativas de expansão da ultradireita no mundo só me fazem pensar a respeito de uma eventual manifestação coletiva da chamada Síndrome de Estocolmo. 

Aos que desconhecem o termo, trata-se de uma resposta de autopreservação em situações de estresse extremo e medo, onde pequenos gestos de contenção do agressor são interpretados como proteção, fortalecendo um vínculo emocional que pode levar a vítima a ter dificuldade em romper com a situação.

Uma explicação que me parece pertinente, considerando que essa capacidade de “ver com bons olhos” a ultradireita emerge de uma resposta à uma eventual desilusão com certos aspectos do progressismo, às crises estruturais econômicas e/ou institucionais, e ao ressurgimento de narrativas que visam a criação de um inimigo comum, tais como imigrantes, elites políticas ou o comunismo.

Acontece que debaixo desse véu de pseudojustificativas, para tornar possível simpatizar, apoiar e/ou defender a ultradireita, encontra-se a desumanização.

Sim, um processo chave e instrumental na expansão desse segmento político-partidário, que busca minar os valores éticos, explicar a exclusão e a violência contra grupos minoritários, e consolidar o apoio em torno de ideologias autoritárias e nacionalistas.

O pior é que essa desumanização é facilmente perceptível. Veja, por exemplo, como eles atribuem constantemente a culpa por problemas sociais, econômicos e/ou políticos a grupos específicos, tais como as minorias, os imigrantes, os ativistas sociais ou os opositores políticos.

Portanto, eles criam inimigos e bodes expiatórios, os quais não merecem viver ou ter direitos, justificando qualquer manifestação de hostilidade contra eles.

A manipulação da verdade também é outra estratégia. Eles são hábeis promotores de repetição de mentiras e mensagens de ódio nas redes sociais, muitas vezes por meio de contas automatizadas, para gerar ódio a determinados coletivos e manipular a percepção pública.

E para alcançar esse objetivo, eles utilizam linguagens depreciativas, insultos e rótulos para deslegitimar as lutas e as próprias existências dos grupos-alvo; bem como, muitas vezes, incluem a banalização da morte e a justificativa da violência contra essas pessoas.

Afinal, o seu grande propósito é estabelecer uma sociedade dividida, promovendo a ideia de que as opiniões estão equivocadas e que do outro lado está um inimigo a ser combatido, o que impede o diálogo e a convivência democrática.

Nesse sentido, eles se concentram tanto na produção de narrativas que visam justificar o autoritarismo e apagar ou reescrever a repressão e os crimes do passado, naturalizando o absurdo e a violação de direitos, quanto explorando temas sensíveis, tais como a religião, a segurança e a imigração ilegal, para mobilizar a base eleitoral e criar medo e ressentimento em relação a grupos específicos, baseando-se em teses conspiratórias globais.

Mas, diante de quaisquer tentativas de contestação de suas práxis, eles se autoproclamam vítimas, mesmo quando são, na verdade, os agressores, para desviar a atenção de suas ações e angariar apoio emocional.

Só que não é nada disso. Vem circulando, nos últimos dias, por exemplo, em diferentes veículos de comunicação e informação, nacionais e estrangeiros, que durante a Guerra da Bósnia, entre 1992 e 1995, turistas de diferentes nacionalidades, principalmente italianos, pagaram para atirar em civis.

Segundo o Ministério Público de Milão, que investiga as denúncias, “cidadãos italianos viajaram para a Bósnia-Herzegovina para realizar uma espécie de ‘safári de atiradores’ durante a guerra no início da década de 1990”.

A referida denúncia “descreve uma ‘caçada humana’ por ‘pessoas muito ricas’ com paixão por armas que ‘pagavam para poder matar civis indefesos’ de posições sérvias nas colinas ao redor de Sarajevo. De acordo com alguns relatos, eram cobradas taxas diferentes para matar homens, mulheres ou crianças. Mais de 11.000 pessoas morreram durante o brutal cerco de quatro anos a Sarajevo” 1.

Aí está o ápice da desumanização, quando facilita a perpetração de atos de extrema violência e crueldade contra certos indivíduos ou grupos. Um "safári humano" refere-se à prática hedionda de tratar pessoas como alvos de caça ou objetos de entretenimento, muitas vezes, em zonas de conflito.

Portanto, um processo de profunda indiferença ao sofrimento alheio, onde a dor e a morte das vítimas são vistas como parte de uma experiência de diversão, e não como uma perda trágica de vidas humanas.

Não causa estranheza, então, que por trás da desumanização estejam simpatizantes, representantes, apoiadores e financiadores da ultradireita.  

Simplesmente, porque ela se vale frequentemente de discursos que categorizam grupos vulneráveis como os outros, os indesejáveis ​​ou as ameaças à identidade nacional e aos valores tradicionais. Quase sempre, utilizando para isso, metáforas, que remetem a animais ou objetos para desumanizá-los ainda mais.

Por isso, não se engane, dissociando a ultradireita do restante do espectro político-partidário de Direita. A ultradireita recebe frequentemente apoio de outras visões da direita, embora essa relação seja complexa e variada entre países e contextos políticos.

Em muitos casos, partidos de direita convencionais formam coalizões com a ultradireita para alcançar uma maioria parlamentar ou governamental, muitas vezes, ignorando as retóricas mais radicais da ultradireita em nome de uma “governabilidade”.

Inclusive, o próprio crescimento da ultradireita vem pressionando os partidos de direita convencionais a adotarem certas pautas para evitar a perda de eleições. No fim das contas, elas acabam comungando dos mesmos valores, crenças e princípios, como, por exemplo, a defesa da ordem, da família tradicional, e a redução da intervenção estatal na economia, o que pode levar a um alinhamento pontual e atenuar resistências mútuas.

Por isso, a desumanização e a precarização do trabalho estão intrinsecamente ligadas, ou seja, quando os direitos trabalhistas e a segurança são reduzidos, a desumanização acontece porque esse ambiente de vulnerabilidade e instabilidade afeta a dignidade humana do trabalhador.

Do mesmo modo, o empobrecimento leva à desumanização ao tratar pessoas como objetos ou despojadas de suas qualidades humanas, muitas vezes, alimentando estigmas e indiferenças, as quais agravam a exclusão social e a pobreza, evidenciando uma falha nas políticas públicas.

Assim, todos esses fatos geram o adoecimento populacional, tanto físico quanto mental. Pois, na medida em que transformam os indivíduos em objetos, números ou estereotipados como menos importantes, fomentam-se graves consequências para a saúde pública e o bem-estar social, o que implica diretamente na garantia da dignidade e outros direitos humanos.

terça-feira, 11 de novembro de 2025

Traição. Contra-ataque. Vingança. ... A Direita sendo sempre a Direita.


Traição. Contra-ataque. Vingança. ... A Direita sendo sempre a Direita.

 

Por Alessandra Leles Rocha

 

É, não dá para olhar a realidade contemporânea brasileira e não pensar nas canções PODRES PODERES 1, de Caetano Veloso, e BRASIL 2, de Cazuza, George Israel e Nilo Romero. Como se a década de 1980, aquela da redemocratização brasileira, anunciasse o que ainda estava por vir.

E veio! A Direita e seus matizes; sobretudo, os mais radicais e extremistas, perderam de vez o pudor e não fazem mais questão de esconder a sua cara. Requentando as velhas práxis da politicagem nacional, essa gente decidiu legislar contra a soberania do país, contra os interesses legítimos e seculares de seus eleitores, contra tudo e todos que possam, de alguma forma, interferir na manutenção dos seus interesses mais escusos e abjetos.

Vejam, depois de uma fragorosa derrota imposta pela população contra a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) nº 3/2021, conhecida como PEC da Blindagem, a Câmara dos Deputados decidiu desvirtuar o Projeto de Lei (PL) Antifacção, elaborado pelo Ministério da Justiça e encaminhado para apreciação e votação pelo legislativo, com o intuito de dar mais força ao Estado para repressão às organizações criminosas que exercem controle de territórios e atividades econômicas.

O que pretende a Direita e seus matizes; sobretudo, os mais radicais e extremistas, é que as facções criminosas sejam tratadas como grupos terroristas, como tem sido estimulado pelo atual governo estadunidense. Só se esquecem esses deputados de que o tratamento de facções criminosas como organizações terroristas pode gerar impactos nocivos e significativos ao país.

Não se trata apenas da soberania nacional! A designação de terrorismo permite a aplicação de avaliações econômicas diversas pelo país designado, como o bloqueio de bens e o intercâmbio de dados financeiros sob regras mais rígidas. Isso pode afetar não apenas as facções, mas também o sistema financeiro do país em questão, gerando retaliações econômicas mais amplas.

Um exemplo disso está no fato de que a classificação de grupos como terroristas pode manchar a imagem do Brasil como um ambiente seguro para negócios e investimentos. Os investidores estrangeiros podem se tornar mais cautelosos, aumentando o risco percebido do país e potencialmente resultando em fuga de capitais. Países parceiros podem adotar medidas restritivas ao comércio, citando preocupações com a segurança ou a origem de produtos brasileiros (por exemplo, para evitar a lavagem de dinheiro ou o financiamento indireto do terrorismo). Isso pode afetar as exportações e o fluxo de comércio bilateral.

Sem contar que, a designação de terrorismo atrai um escrutínio mais rigoroso do sistema financeiro internacional, ou seja, bancos e instituições financeiras estrangeiras podem impor maiores restrições às transações com entidades brasileiras para evitar regulamentações evidentes de combate ao financiamento do terrorismo, resultando em custos operacionais mais elevados e atrasos nas transações.

Portanto, fica evidente que esse movimento político atabalhoado, imposto pela Direita e seus matizes; sobretudo, os mais radicais e extremistas, com a anuência do Presidente da Câmara dos Deputados, ao flexibilizar esse conceito de terrorismo para abranger o crime organizado pode desvirtuar a tipificação e criar um precedente perigoso para o direito internacional e a segurança global.

Afinal de contas, essa associação equivocada ao terrorismo mostra-se totalmente ineficaz para lidar com a natureza estrutural e econômica do crime organizado, que se baseia em atividades ilícitas contínuas e não em atos esporádicos de terror.

Além disso, é importante ressaltar que há outras críticas ao projeto reformulado do PL Antifacção, as quais incluem a restrição do papel da Polícia Federal ao combate ao crime organizado, à falta de inovação e à alegação de que ele é uma ocorrência superficial à crise de segurança pública.

Portanto, há de se considerar que esse “novo” projeto por ser restrito ao processo penal, não foca na economia do crime e na estrutura financeira das facções. O que transparece uma intenção de certo favorecimento à bandidagem.

Feitas essas breves reflexões, então, penso que seja hora do clamor popular se impor novamente. DIZER NÃO AO PROJETO REFORMULADO DO PL ANTIFACÇÃO, APRESENTADO PELO RELATOR, O EX-SECRETÁRIO DE SEGURANÇA DE SP, E APOIADO PELA DIREITA BRASILEIRA E SEUS MATIZES!

Não se engane, caro (a) leitor (a)! O curso histórico de legislar equivocada e absurdamente, por certos elementos do Congresso brasileiro, permanece vivo, mesmo diante da recente e péssima repercussão nacional e internacional.

segunda-feira, 3 de novembro de 2025

No Brasil, velhas ideias parecem nunca morrer!


No Brasil, velhas ideias parecem nunca morrer!

 

Por Alessandra Leles Rocha

 

O Brasil tem dado passos largos no sentido de dissecar e depurar a sua história antidemocrática; mas, a tarefa é árdua. Hoje, já se tem pleno conhecimento, por exemplo, de como os EUA tiveram um papel crucial no golpe de 1964, no país, fornecendo apoio político e militar para a derrubada do presidente João Goulart.

A "ameaça comunista” frequentemente utilizada em discursos para combater o que era visto como uma subversão pelos governos estadunidenses, ao longo da Guerra Fria, foi explorada por setores conservadores, militares e a elite brasileira, na ocasião, para justificar e explicar a repressão política e a violência por parte de grupos paramilitares e estatais, durante o período da ditadura militar, no Brasil.

Assim, a expansão imperialista dos Estados Unidos e a "ameaça comunista" estão historicamente interligadas, principalmente durante a Guerra Fria, onde uma retórica anticomunista foi usada como justificativa para a influência política e militar dos EUA no exterior, em contraposição ao imperialismo da União das Repúblicas Socialistas soviéticas (URSS). Principalmente, na América Latina.

E de todo esse processo, uma herança importante se estabeleceu na violência e no extermínio de seres humanos, como um processo enraizado no inconsciente coletivo brasileiro. Algo historicamente internalizado pelo racismo e pela desumanização de certos grupos sociais, vistos como fonte de mal a serem controlados e eliminados, e manifestado através de práticas estatais e paraestatais, em que a violência física, o silenciamento e a desvalorização, contribuíram para um ciclo de criminalização e de repressão desmedida, os quais perpetuam a violência.

Acontece que, superado o velho cenário da Guerra Fria, os EUA se encontram nesse momento do século XXI em uma nova disputa geopolítica, dessa vez, com a China. O que tem levado o governo estadunidense a um resgate de suas velhas práxis imperialistas.  de modo que o mundo tem acompanhado o intervencionismo dos EUA na América Latina, sob a justificativa de proteger seus interesses estratégicos e econômicos, usando táticas como pressão econômica, apoio a golpes de estado e intervenções militares.

Mais recentemente, ações ostensivas de poder naval para atingir objetivos de política externa, a fim de influenciar governos e conter adversários, tem sido implementada, tendo como argumento principal o chamado "narcoterrorismo". Trata-se de uma postura mais agressiva, classificando cartéis de drogas como organizações terroristas, o que em tese permitiria o uso de medidas mais amplas, pelos EUA, incluindo a possibilidade de ações militares e de inteligência, contra esses grupos e seus respectivos países.

De modo que ao classificar o crime organizado como “narcoterrorismo”, a questão é elevada de um problema de segurança pública nacional para uma ameaça à segurança internacional, o que poderia, então, legitimar ações externas, sob a alegação de combate ao terrorismo ou ao crime transnacional. Mas, isso seria uma ameaça direta à soberania nacional, enquanto pretexto para intervenção estrangeira. Portanto, esse é o ponto fundamental de análise e reflexão.

Bem, como é de conhecimento público, herdeiros (a) da Direita nacional e seus matizes, mais ou menos radicais e extremistas, assim como em 1964, tem se colocado ao lado dos EUA e defendido a ideia da tipificação de “narcoterrorismo” para permitir o uso de medidas mais amplas e intervencionistas no Brasil.

O que esses representantes, simpatizantes e apoiadores da Direita nacional e seus matizes se esquecem é de que o intervencionismo internacional representa sim, riscos à soberania nacional, ao interferir nas questões internas do país, podendo se manifestar através de ações de natureza econômica, pressão política ou, em casos extremos, intervenção militar.

Assim, em linhas gerais, esse posicionamento da Direita nacional e seus matizes; sobretudo, os mais radicais e extremistas, se mostra como mais uma tentativa de atentar contra a Democracia brasileira, depois do insucesso recente, que culminou no 8 de janeiro de 2023, e pelo qual respondem judicialmente vários de seus representantes. Em sua visão de mundo ideal, quaisquer pretextos para o intervencionismo estadunidense no Brasil, serviria como um retorno triunfante da sua apropriação de poder, desde o fim da ditadura militar em 1985.

No entanto, apesar de os tempos serem outros, não nos esqueçamos: “Aquele que não conhece a verdade é simplesmente um ignorante, mas aquele que a conhece e diz que é mentira, este é um criminoso” (Bertolt Brecht - dramaturgo e poeta alemão do século XX). 

domingo, 2 de novembro de 2025

Uma análise além das pesquisas


Uma análise além das pesquisas

 

Por Alessandra Leles Rocha

 

Vamos e convenhamos, fazer qualquer pesquisa de opinião, no calor das emoções, configura, no mínimo, oportunismo. Sobretudo, quando o assunto trata da extrema barbárie. Por isso, não surpreende que as recentes pesquisas em torno da megaoperação policial realizada no Rio de Janeiro, que vitimou 121 pessoas, sendo 117 suspeitos e 4 policiais, revelem uma aprovação popular quase maciça.

Só posso dizer que é preciso “colocar a bola no chão” e pensar. Não há como negar que esses são tempos de profundo imediatismo social. Daqui e dali o que se vê circulando na sociedade é uma mentalidade voltada para o agora, com pouca (ou nenhuma) paciência para o passado ou qualquer preocupação com o futuro.

Não importa se o assunto é simples ou complexo, grave ou desimportante, a pressão por respostas e resultados imediatos, afetando a atenção, as relações sociais e o planejamento a longo prazo, é flagrante.

E contando com esse comportamento, é que determinados segmentos sociais, imbuídos de algum poder, se valem para alcançar os seus propósitos.

Infelizmente, a legitimação da barbárie acontece na contramão de uma reflexão contundente sobre a violência e as diferentes camadas da desigualdade social, impulsionada por discursos políticos e midiáticos.  

Como se fosse possível dissociar os acontecimentos atuais de toda uma historicidade que se arrasta na desvalorização dos direitos humanos, no desmonte de proteções sociais e na disseminação da indiferença diante da violência, tornando possível encobrir o papel do Estado, das instituições e da própria sociedade nesse processo.  

Certamente, ninguém de bom senso quer viver sob a atmosfera do medo. Querem segurança, paz, tranquilidade. Afinal de contas, essa cultura do medo não só gera insegurança, levando ao isolamento social, às mudanças de hábitos e à adoção de medidas de segurança variadas, como fortalece os discursos autoritários de certos espectros da população.

Acontece que o ponto de partida desse fenômeno se deu pela própria hierarquização das diferenças sociais que propiciaram o surgimento de um clima de violência e desconfiança, acentuado pela ineficiência e a corrupção das instituições públicas, intensificando o problema.

De modo que a exposição constante a notícias sobre violência e crimes, mesmo que não diretamente vivenciados, construiu um imaginário sobre a violência, que, somada à insegurança, promove entre as parcelas mais favorecidas da sociedade uma expansão dos mecanismos de segurança privada, em detrimento da segurança pública.

Enquanto o medo e a insegurança entre as parcelas menos favorecidas, não só não encontra meios de defesa, como diminui a participação popular nos espaços públicos e afeta a construção democrática.

Assim, ao contrário de combater o crime de forma estrutural, o Estado e as instituições se permitem beneficiar da cultura do medo, na medida em que ela tende a enfraquecer a cidadania e legitimar políticas de segurança imediatistas e punitivas que, na verdade, são ineficazes a longo prazo.

Infelizmente, esse foco no punitivismo, secularmente presente no país, apesar de resultar no encarceramento em massa não conseguiu, até aqui, reduzir as causas fundamentais do crime.

Na verdade, o que se vê é uma franca contribuição para a estigmatização de determinados grupos sociais e da segregação urbana, o que aprofunda as desigualdades e pode, paradoxalmente, alimentar a criminalidade em áreas marginalizadas.

Por isso, a exposição contínua a notícias violentas e um clima de terror pode levar os cidadãos a sentir que a situação não tem solução, gerando apatia ou reações emocionais em vez de engajamento em discussões sobre prevenção e justiça restaurativa, como deixam claras as pesquisas.  

O Brasil carece, há décadas, de ações de curto e longo prazo, que incluam o fortalecimento da legislação e das instituições de segurança, a cooperação entre os entes da federação, o combate à lavagem de dinheiro e a repressão às atividades ilícitas; bem como, uma nova perspectiva para o desenvolvimento socioeconômico.

Aliás, esse último ponto é de suma importância. Infelizmente, no Brasil, a aporofobia, ou seja, a aversão e o preconceito contra pessoas pobres, como definido pela filósofa espanhola Adela Cortina, não se resume a perversidade e a crueldade nas relações sociais.

Nas suas entrelinhas existe a consciência de que as camadas mais vulneráveis e desfavorecidas contribuem para uma vasta disponibilidade de mão de obra para as classes dominantes. Então, é daí que emerge a legitimação da exclusão social, da precarização do trabalho e da negação de direitos a essa população.

Entretanto, esse cenário se tornou também importante para o crime organizado. Diante de uma diversidade de atividades que envolvem desde os crimes tradicionais como tráfico de drogas e pessoas, até a infiltração em mercados lícitos como o de combustíveis, ouro, cigarros e bebidas, e atividades financeiras como lavagem de dinheiro e corrupção, eles demandam de farta mão de obra para mover suas engrenagens, a partir da divisão de tarefas.

Assim, ambas as estruturas, a estatal e a criminosa, enfraquecem as instituições democráticas e aumentam a violência e a insegurança, porque se beneficiam da exclusão social, da precarização do trabalho e da negação de direitos às camadas mais frágeis e vulneráveis da população. De modo que esse é o ponto que merece total atenção da sociedade brasileira, nesse momento.