domingo, 2 de novembro de 2025

Uma análise além das pesquisas


Uma análise além das pesquisas

 

Por Alessandra Leles Rocha

 

Vamos e convenhamos, fazer qualquer pesquisa de opinião, no calor das emoções, configura, no mínimo, oportunismo. Sobretudo, quando o assunto trata da extrema barbárie. Por isso, não surpreende que as recentes pesquisas em torno da megaoperação policial realizada no Rio de Janeiro, que vitimou 121 pessoas, sendo 117 suspeitos e 4 policiais, revelem uma aprovação popular quase maciça.

Só posso dizer que é preciso “colocar a bola no chão” e pensar. Não há como negar que esses são tempos de profundo imediatismo social. Daqui e dali o que se vê circulando na sociedade é uma mentalidade voltada para o agora, com pouca (ou nenhuma) paciência para o passado ou qualquer preocupação com o futuro.

Não importa se o assunto é simples ou complexo, grave ou desimportante, a pressão por respostas e resultados imediatos, afetando a atenção, as relações sociais e o planejamento a longo prazo, é flagrante.

E contando com esse comportamento, é que determinados segmentos sociais, imbuídos de algum poder, se valem para alcançar os seus propósitos.

Infelizmente, a legitimação da barbárie acontece na contramão de uma reflexão contundente sobre a violência e as diferentes camadas da desigualdade social, impulsionada por discursos políticos e midiáticos.  

Como se fosse possível dissociar os acontecimentos atuais de toda uma historicidade que se arrasta na desvalorização dos direitos humanos, no desmonte de proteções sociais e na disseminação da indiferença diante da violência, tornando possível encobrir o papel do Estado, das instituições e da própria sociedade nesse processo.  

Certamente, ninguém de bom senso quer viver sob a atmosfera do medo. Querem segurança, paz, tranquilidade. Afinal de contas, essa cultura do medo não só gera insegurança, levando ao isolamento social, às mudanças de hábitos e à adoção de medidas de segurança variadas, como fortalece os discursos autoritários de certos espectros da população.

Acontece que o ponto de partida desse fenômeno se deu pela própria hierarquização das diferenças sociais que propiciaram o surgimento de um clima de violência e desconfiança, acentuado pela ineficiência e a corrupção das instituições públicas, intensificando o problema.

De modo que a exposição constante a notícias sobre violência e crimes, mesmo que não diretamente vivenciados, construiu um imaginário sobre a violência, que, somada à insegurança, promove entre as parcelas mais favorecidas da sociedade uma expansão dos mecanismos de segurança privada, em detrimento da segurança pública.

Enquanto o medo e a insegurança entre as parcelas menos favorecidas, não só não encontra meios de defesa, como diminui a participação popular nos espaços públicos e afeta a construção democrática.

Assim, ao contrário de combater o crime de forma estrutural, o Estado e as instituições se permitem beneficiar da cultura do medo, na medida em que ela tende a enfraquecer a cidadania e legitimar políticas de segurança imediatistas e punitivas que, na verdade, são ineficazes a longo prazo.

Infelizmente, esse foco no punitivismo, secularmente presente no país, apesar de resultar no encarceramento em massa não conseguiu, até aqui, reduzir as causas fundamentais do crime.

Na verdade, o que se vê é uma franca contribuição para a estigmatização de determinados grupos sociais e da segregação urbana, o que aprofunda as desigualdades e pode, paradoxalmente, alimentar a criminalidade em áreas marginalizadas.

Por isso, a exposição contínua a notícias violentas e um clima de terror pode levar os cidadãos a sentir que a situação não tem solução, gerando apatia ou reações emocionais em vez de engajamento em discussões sobre prevenção e justiça restaurativa, como deixam claras as pesquisas.  

O Brasil carece, há décadas, de ações de curto e longo prazo, que incluam o fortalecimento da legislação e das instituições de segurança, a cooperação entre os entes da federação, o combate à lavagem de dinheiro e a repressão às atividades ilícitas; bem como, uma nova perspectiva para o desenvolvimento socioeconômico.

Aliás, esse último ponto é de suma importância. Infelizmente, no Brasil, a aporofobia, ou seja, a aversão e o preconceito contra pessoas pobres, como definido pela filósofa espanhola Adela Cortina, não se resume a perversidade e a crueldade nas relações sociais.

Nas suas entrelinhas existe a consciência de que as camadas mais vulneráveis e desfavorecidas contribuem para uma vasta disponibilidade de mão de obra para as classes dominantes. Então, é daí que emerge a legitimação da exclusão social, da precarização do trabalho e da negação de direitos a essa população.

Entretanto, esse cenário se tornou também importante para o crime organizado. Diante de uma diversidade de atividades que envolvem desde os crimes tradicionais como tráfico de drogas e pessoas, até a infiltração em mercados lícitos como o de combustíveis, ouro, cigarros e bebidas, e atividades financeiras como lavagem de dinheiro e corrupção, eles demandam de farta mão de obra para mover suas engrenagens, a partir da divisão de tarefas.

Assim, ambas as estruturas, a estatal e a criminosa, enfraquecem as instituições democráticas e aumentam a violência e a insegurança, porque se beneficiam da exclusão social, da precarização do trabalho e da negação de direitos às camadas mais frágeis e vulneráveis da população. De modo que esse é o ponto que merece total atenção da sociedade brasileira, nesse momento.