quarta-feira, 24 de setembro de 2025

Sem redução de pena para golpistas!


Sem redução de pena para golpistas!

 

Por Alessandra Leles Rocha

 

É reconfortante saber que um sopro de decoro varreu o Senado da República e enterrou, de vez, a Proposta de Emenda Constitucional (PEC) nº 3, de 2021, conhecida como PEC da Blindagem, que buscava um escudo constitucional para proteger parlamentares de processos criminais.

No entanto, na Câmara dos Deputados o assunto não arrefeceu. A desfaçatez parece pujante ao ter quem defenda a PEC da Anistia, a partir de uma redução das penas impostas aos condenados pelo judiciário nacional. Acontece que essa sugestão, também, busca blindar criminosos.

Depois de tudo o que o país assistiu no 08 de janeiro de 2023 e possibilitou trazer à tona, com todos os requintes de detalhes, sobre a trama golpista desenhada nos silêncios palacianos de Brasília, é imoral se cogitar qualquer proposta de redução de pena.

Ora, foi estruturada uma organização criminosa armada no país, que se dedicou, inclusive, a planejar a morte dos recém-eleitos Presidente e Vice-Presidente da República e do presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), em mais uma tentativa, dentre tantas planejadas, de abolição violenta do Estado Democrático de Direito.  Que trabalhou, real e virtualmente, a sua massa popular de apoio, a fim de realizar dano qualificado contra o Patrimônio da União, agravado pela selvageria flagrante que resultou em uma profunda deterioração de patrimônio tombado.  

Então, é assim? A Câmara dos Deputados pretende abrir esse tipo de precedente jurídico? Sim, porque uma decisão judicial anterior sobre um caso específico, servirá como exemplo ou diretriz para casos futuros semelhantes, influenciando o julgamento de outros processos. Um precedente com esse viés tem poder de estabelecer um entendimento, seja de efeito vinculante (obrigatório) ou persuasivo (orientador).

Se os nobre deputados (as) não se deram conta, ainda, é exatamente isso que irá acontecer. Antes do que possam imaginar, qualquer criminoso, nesse país, vai querer ser anistiado ou, quem sabe, ter a sua pena reduzida, independentemente de qual crime tenha sido considerado culpado.

Sim, porque eles não irão se ater ao fato da decisão se referir a esse ou a aquele tipo de crime. Se alguém abriu um precedente jurisprudencial, agora, poderá abrir outro se for o caso.

Ora, se um crime gravíssimo cometido contra a Democracia e o Estado de Direito, ou seja, o próprio país, é tratado com tanta condescendência, tanta tolerância, tanta flexibilidade, tanta benevolência, então, qualquer crime pode ser analisado da mesma forma. Será uma festa nos presídios superlotados do país!   

Além disso, fosse esse precedente desconsiderado para o estabelecimento de entendimento em outras situações, logo, se transformaria em um pandemônio, pela observância de alguém que se lembrasse do que fala a Constituição Federal, de 1988, em seu artigo 5º, “Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza”, estabelecendo o princípio da igualdade para os brasileiros e estrangeiros residentes no país.

Veja, quando um réu é julgado e condenado, com base nas leis em vigência, no Brasil, a dosimetria da pena define a punição exata a ser aplicada, levando em conta as circunstâncias do crime e do réu, as agravantes e atenuantes, e as causas de aumento e diminuição.

Daí o juiz fundamentar sua decisão por meio desse sistema trifásico descrito no Código Penal, o qual busca garantir a proporcionalidade da sanção e o equilíbrio entre a reprovabilidade da conduta e a individualização da pena.

Por isso, a justiça brasileira segue esse sistema de cálculo, para chegar a uma pena justa e proporcional, sempre contando com a observância do (s) advogado(s) do (s) réu (s) para garantir que as etapas da dosimetria sejam corretamente seguidas.

O que em caso de discordância do advogado é possível o ingresso de recursos, tais como o embargo de declaração ou, em última instância, uma apelação criminal perante tribunais superiores, buscando a reforma da sentença se o cálculo for considerado erro técnico ou ilegal.

Portanto, qual é a razão para que o relator do projeto que trata de anistia ou de redução de penas dos condenados por tentativa de golpe de Estado, na Câmara dos Deputados, permaneça empenhado em aprovar essa pauta, o mais rápido possível?

Se a própria Constituição afirma que crimes inafiançáveis e imprescritíveis não podem ser perdoados e que a ação de grupos armados contra o Estado é inafiançável e imprescritível, o projeto de anistia é inconstitucional.

Assim, considerando a gravidade da ação de grupos armados contra a ordem constitucional e o Estado Democrático, não é razoável, sequer, cogitar a possibilidade de aprovar uma Proposta de Emenda à Constituição (PEC) que permita reduzir as penas dos condenados. Não nos esqueçamos de que o povo brasileiro foi às ruas, no último domingo, e disse NÃO PARA A IMPUNIDADE.


terça-feira, 23 de setembro de 2025

Aos que ainda não entenderam ou se recusam entender ...


Aos que ainda não entenderam ou se recusam entender ...

 

Por Alessandra Leles Rocha

 

Sei que há muita gente, por aí, que ainda não compreendeu as razões de o Brasil reafirmar a importância da soberania, da democracia, do Estado de Direito, da independência. Bem, ocorre que ele, enquanto uma ex-colônia de exploração, durante o período entre 1530 e 1822, construiu uma autoridade e um embasamento para falar sobre esses assuntos, porque experenciou direta e profundamente as consequências da sua invisibilização identitária.

As consequências sociais da colonização de exploração incluíram a desigualdade social e racial, a perda de identidade cultural, a imposição de costumes estrangeiros, a violência física, o extermínio de populações nativas por doenças e conflitos, a destruição de economias e culturas locais, e a formação de uma sociedade com estruturas de poder desiguais.

E mesmo após a Proclamação da República, em 1889, o Brasil permaneceu padecendo de um estereótipo de subalternização, diante do mundo, relegado a uma marginalização e a um silenciamento, resultando na sua exclusão e na negação da sua voz e protagonismo, dentro e fora de suas fronteiras.

Afinal, as antigas metrópoles coloniais transformaram-se, em grande parte, nas potências mundiais atuais, utilizando a riqueza gerada pela exploração colonial para desenvolver as suas economias e infraestruturas, e, após a descolonização, mantiveram relações de influência econômica e política com as antigas colônias.  

No entanto, já era de se esperar que, dadas as voltas e rodopios da história, em algum momento, esse cenário sofreria uma transformação. A força das conjunturas é sempre implacável! De modo que à revelia do Imperialismo, que deu continuidade à política de expansão territorial, econômica e cultural das ex-Metrópoles sobre as ex-Colônias, buscando ampliar seu poder e influência sobre povos e territórios, houve uma apropriação e uma valorização das experiências sociais, legitimando uma consciência sobre os altos e baixos da sua própria historicidade.

Ainda que a duras penas, expoentes da identidade nacional passaram a exercer um importante papel na valorização e no orgulho da cultura e da capacidade nacional.  O que incluiu, também, indivíduos do campo político-partidário progressista. Ora, sem essa base ideológica empenhada em acelerar as transformações que pudessem corrigir as injustiças históricas nacionais, adaptando o país às novas realidades, nada disso seria possível.

Pois, se dependesse da ala conservadora nacional, representada por membros, simpatizantes e apoiadores do espectro político de Direita, tudo teria permanecido dentro de um protocolo padrão de preservação das instituições, da religião cristã, dos direitos de propriedade, e da hierarquia social, a fim de garantir a estabilidade e a continuidade do status quo inicial.  

Por sorte, o Brasil tem feito prosperar esse novo viés ideológico, o qual consegue reconhecer e promover as suas habilidades, os seus recursos e as suas potencialidades, seja no âmbito econômico, social, cultural ou tecnológico. O que significa um salto gigantesco para o fortalecimento da autonomia e do desenvolvimento, tanto nacional quanto internacionalmente, o que garante um espaço, cada vez maior e significativo, para a discussão e o fortalecimento do conceito de soberania e de identidade coletiva.

É possível, então, afirmar que a sociedade global contemporânea tem tido a oportunidade de assistir à evolução dessa jornada brasileira, mesmo diante de sucessivas tormentas. O que oferece, inclusive, maior credibilidade aos resultados conquistados. Razão pela qual, se pode entender como essa apropriação de protagonismo tem conseguido alçá-lo ao patamar de potência emergente, de ator com crescente importância no cenário internacional, devido a sua "identidade híbrida"; pois, navega por múltiplas identidades culturais, sociais e/ou étnicas simultaneamente, moldando um senso de si que mescla elementos de diferentes origens, tornando-o mediador entre países desenvolvidos e em desenvolvimento.

Em suma, o que o Brasil está vivenciando; sobretudo, nos últimos três anos, é uma humanização social. Uma busca cada vez mais intensa e obstinada, que envolve o desenvolvimento ético, o respeito à dignidade humana, a valorização das relações interpessoais, a tecitura dialógica, a defesa inabalável da identidade nacional e a construção de um ambiente mais empático e colaborativo, seja dentro ou fora de suas fronteiras. É assim, que o Brasil vem promovendo a sua autonomia e o seu protagonismo, reconhecendo, diariamente, a inegociabilidade dos seus princípios mais essenciais.


segunda-feira, 22 de setembro de 2025

Anistia dosimétrica???


Anistia dosimétrica???

 

Por Alessandra Leles Rocha

 

Vamos imaginar uma situação hipotética do cotidiano. A criança pega escondido o cartão de crédito da mãe e gasta milhares de reais em joguinhos. A fatura do cartão chega em casa e a mãe se descontrola diante do valor elevadíssimo. Em razão da gravidade da situação, ela decide impor um castigo ao filho.

Ele não poderia sair de casa, para brincar com os amigos da escola, por seis meses, que seria, segundo ela, o tempo necessário para a família reequilibrar as finanças. Além disso, o garoto teria o celular bloqueado e a mesada cortada, pelo mesmo período.

Acontece que o pai, ao saber do fato, considerou que a mãe foi severa demais. Que o ocorrido era parte das costumeiras travessuras do garoto e, portanto, a punição poderia ser reavaliada e reduzida. Para o pai, bastava que o garoto não pudesse sair de casa, por um mês.

Portanto, ele aplicou uma anistia dosimétrica, ou seja, um perdão com base no cálculo feito mediante as circunstâncias da travessura; bem como, considerando agravantes e atenuantes do comportamento do garoto.

Sem aprofundar em todas as camadas de análise existentes nesse exemplo, ainda assim, é possível perceber que a atitude do pai abre uma possibilidade, um precedente, para que o garoto reincida no seu comportamento travesso, na medida em que ela foi atenuada e flexibilizada.

Ora, como explica a própria física, através da 3ª Lei de Newton, para toda ação existe uma reação de igual intensidade e no sentido oposto. De modo que a aplicação de uma punição deve acontecer pautada pelos mesmos princípios, ou seja, ela deve ser entendida como um mecanismo social que visa regular de maneira proporcional o comportamento e a culpabilidade.

Afinal de contas, a punição molda a conduta social e os significados dentro de um coletivo humano. Punições desalinhadas ao perfil da má conduta cometida acabam por criar, inevitavelmente, uma ideia de permissividade, que não só tolera ou permite comportamentos tradicionalmente antiéticos e imorais, como apontam para uma total não aderência às regras sociais convencionais.

Infelizmente, é exatamente uma anistia dosimétrica que um grupo de parlamentares brasileiros tenta emplacar em relação aos condenados pela tentativa recente de Golpe de Estado, no país. Como se os crimes apontados, os quais incluem a construção de organização criminosa armada, tentativa de abolição violenta do Estado Democrático de Direito, golpe de Estado, dano qualificado contra o patrimônio da União, e/ou deterioração de patrimônio tombado, pudessem ser minimizados, contemporizados, e/ou abrandados.

Essa tal anistia dosimétrica parece se esquecer, também, o vultoso montante de dinheiro público que esteve envolvido nessa trama golpista. O próprio conjunto probatório da ação penal demonstra esse aspecto, com bastante clareza. Sem contar que o Brasil já teve a prova cabal dos efeitos negativos que suas anistias anteriores trouxeram ao país.

Bem, essa ideia de perdão concedido pelo Estado às pessoas que cometeram determinados crimes, extinguindo a punibilidade, é totalmente fracassada.  É preciso compreender que por trás dos crime políticos existe uma motivação, um fator interno, uma razão, que move alguém, individualmente ou coletivamente, a agir.

De modo que, tais crenças, convicções, princípios, não desaparecem em um piscar de olhos, ainda que diante de uma proposta de anistia. Trata-se de algo muito profundo, de certa forma, arraigado no inconsciente coletivo, ao longo do tempo.

Daí essa motivação poder ser silenciada momentaneamente; mas, ela não deixa de existir e ao menor sinal de oportunidade, ela pode sim, emergir com todo o seu ímpeto. Por isso, é tão rasa e ingênua a ideia de que uma proposta de anistia, seja ela qual for, é suficiente para construir uma prevenção ou, quem sabe, uma reabilitação, do ponto de vista ideológico- comportamental.

Não se pode negar que nos bastidores dos crimes contra a Democracia, o Estado de Direito, às instituições, à cidadania, existem interesses e poderes considerados, por uns e outros, inegociáveis e inflexíveis. Ora, está nesses interesses e poderes a chama vital que nutre o ideário golpista!

De modo que ele pode arrefecer; mas, ele não desaparece, ele não se extingue. O que significa que a possibilidade de anistia, seja ela qual for, é um impulso motivacional para fortalecer o golpismo. Razão pela qual, o cidadão não pode considerar normal anistiar pessoas que cometeram crimes gravosos contra o país, nem tampouco, apoiar esse tipo de proposta de atenuação de pena.

Assim, não se esqueça de que o Brasil vive um momento crucial para compreender que “Se você não desenvolver uma cultura democrática constante e viva, capaz de cobrar os candidatos, eles não farão as coisas pelas quais você votou. Apertar um botão e logo ir embora para sua casa não vai mudar as coisas” (Avram Noam Chomsky - linguista, filósofo, sociólogo, cientista cognitivo e ativista político estadunidense).


sexta-feira, 19 de setembro de 2025

A traição não escolhe identidade


A traição não escolhe identidade

 

Por Alessandra Leles Rocha

 

Diante de uma realidade que vem permitindo, a cada dia mais, a separação entre o joio e o trigo da política nacional, é preciso refletir sobre o significado da traição.

Ver a Direita e seus matizes, liderando o motim congressista em favor de uma anistia, aos condenados pela recente tentativa de Golpe de Estado, e à Proposta de Emenda Constitucional (PEC) da “Blindagem”, de certa forma, não surpreende.

Mas, descobrir que dentro do próprio partido do Presidente da República há simpatizantes dessas pautas, a tal ponto de votarem a favor delas, é vexatório, para dizer o mínimo.

A grande verdade é que essa atitude pode ser resumida em uma única palavra: TRAIÇÃO. Primeiro, esses indivíduos romperam um contrato ou acordo social, com as crenças, princípios, valores e convicções, que os levaram a representar uma dada parcela do eleitorado brasileiro. Depois, com a sua sigla partidária. E, por último, com o Presidente da República.

De modo que essa traição não só é complexa, como envolve sentimentos de perplexidade, de indignação, de desconfiança, e porque não dizer, de um certo luto social.

Sim, a confiança, que era o pilar de sustentação de um acordo político, foi quebrada e fez emergir uma importante desestabilização nas relações em torno do poder.  

As máscaras foram ao chão. O comportamento fundamentado pela desonestidade e pela falta de ética criou um abismo irreversível. Algo que traz à lembrança a literatura Shakespeariana.

William Shakespeare, poeta, dramaturgo e ator inglês, explorou em suas obras a traição política, como poucos. Ele refletiu sobre as dinâmicas de poder, a corrupção e a fragilidade da moralidade, mostrando como a busca pelo poder absoluto pode levar à usurpação e ao caos social.

A ânsia de poder foi mostrada como um motor fundamental das tramas, levando personagens a trair seus pares e seus compromissos, considerando que as alianças políticas tendem a ser frágeis e transitórias, de modo que a lealdade pode ser rapidamente quebrada quando o interesse pessoal se sobrepõe.

Sendo assim, a traição, na perspectiva político-partidária representativa, em qualquer tempo, não se resume a um ato individual.

Pelo contrário, ela se expande enquanto um fenômeno social que perturba a ordem, a confiança e a coesão social, gerando consequências importantes para os envolvidos e para a própria dinâmica das relações humanas.

Pois, a aura de incerteza que passa a pesar sobre aquele coletivo social é tecida pelo medo, pela insegurança, pela desconfiança, como se a traição pudesse se repetir e se perpetuar como um modus operandi padrão.

Isso acontece porque, segundo Nicolau Maquiavel, escritor, político, diplomata, historiador e pensador italiano, “Não se pode chamar de valor assassinar seus cidadãos, trair seus amigos, faltar à palavra dada, ser desapiedado, não ter religião. Essas atitudes podem levar à conquista de um império, mas não à glória”.

Assim, do mesmo modo que o Presidente da República cobrou, recentemente, dos partidos aliados um posicionamento em relação ao compromisso assumido, enquanto frente ampla, durante a campanha eleitoral; agora, é a vez de cobrar engajamento, lealdade e comprometimento dos filiados ao seu próprio partido. Nada de dois pesos e duas medidas!

Dizia Eleanor Roosevelt, esposa do ex-presidente dos EUA, Franklin Roosevelt, “Se alguém trai você uma vez, a culpa é dele. Se trai duas vezes, a culpa é sua”. Por isso, diante de tempos tão conturbados, tensos, aflitivos, torna-se imperioso saber qual o posicionamento desses indivíduos dentro do governo.

Afinal, eles ocupam um lugar, um status específico, nessa ordem social, o qual lhes confere direitos e poderes que precisam e devem ser respeitados.

 


Sobre os céus brasileiros voam aves de rapina


Sobre os céus brasileiros voam aves de rapina

 

Por Alessandra Leles Rocha

 

É certo que os ventos da mudança sopram, nesse exato momento, sobre o mundo. Contudo, velhas práxis insistem em permanecer vigorando. Vamos e convenhamos, nesse sentido, a história brasileira tem mais motivos para chorar do que para rir.

Um deles diz respeito, exatamente, a política feita na surdina, de forma dissimulada, secreta, furtiva ou sem alarde, sem que o público, a grande massa da população, saiba o que está acontecendo ou possa dar a sua opinião.

Não se engane, caro (a) leitor (a)! Os absurdos, os vexames, a desfaçatez, não se concentram apenas nas figuras de certas alas político-partidárias que compõem o Congresso Nacional. Dentro e fora de Brasília, a capital federal, há milhares de apoiadores, de simpatizantes, de financiadores e de mentores, do ideário direitista brasileiro, remanescente daquele nutrido pelas elites dominantes, nos tempos coloniais.

Portanto, historicamente, o predomínio de oligarquias, ou seja, estruturas sociais cuja elite dirigente emana das classes dominantes tradicionais, representada pelos grandes comerciantes e grandes proprietários de terras, e cujo monopólio do poder político serve exclusivamente para o enriquecimento dos membros de sua própria classe.

E esse entendimento é fundamental diante das profundas tensões em que vive o Brasil. Apesar de muitos acontecimentos estarem ocorrendo diante dos olhos do país, tais como os julgamentos relativos à tentativa de golpe de Estado de 2023, pelo supremo Tribunal Federal (STF); a ocupação do Congresso Nacional pela Direita e seus matizes, na retomada dos trabalhos em agosto desse ano; a aprovação da Proposta de Emenda Constitucional (PEC) 3/21, que amplia o foro privilegiado, restringe processos criminais contra parlamentares e acrescenta voto secreto às decisões, pela Câmara dos Deputados; a aprovação da urgência para votação de anistia, que busca beneficiar os envolvidos na tentativa de golpe de 8 de janeiro de 2023, quando extremistas invadiram as sedes dos Três Poderes, em Brasília.

Contudo, há muita coisa transitando na surdina. Aliás, todas as vezes em que a Direita nacional e seus matizes, se veem em situação de ameaça ou desconforto, o nome escolhido para encontrar uma “solução” tem sido sempre o do ex-presidente do Brasil, entre 2016 e 2019.

Pois é, apesar de estar agindo com o mínimo de ruído ou visibilidade possível, já consta na imprensa nacional a sua ladainha condescendente. Mais uma vez, ele vem minimizando a tentativa de golpe, que está sendo julgada pelo STF, além de defender uma ideia de anistia, em que sejam reduzidas as penas dos condenados a fim de “pacificar o país”.  

Só para recapitular, o Brasil já teve 48 anistias aprovadas desde a Independência, em 7 de setembro de 1822. A mais recente ocorreu em 1979, quando o país aprovou uma anistia ampla, geral e irrestrita, em relação aos envolvidos, vítimas e algozes, nos chamados Anos de Chumbo, entre 1964 e 1985.

De modo que é preciso perguntar: houve pacificação? Após os conflitos, a anistia conseguiu, de fato, restaurar a harmonia e a ordem social, trazendo à tona uma sociedade mais justa e pacífica, através do diálogo, da justiça social e da cultura de paz, como também uma realidade unificada sem a dominação de um grupo sobre outro?

Não. Tanto que o Brasil está diante de flagrantes e profundas tensões políticas, em pleno século XXI, por conta de uma nova tentativa golpista.

O que uns e outros ousam chamar de pacificação pela anistia, na verdade, não passou de um processo de atenuação, no sentido de reduzir, suavizar ou diminuir a intensidade, a força ou o impacto de algo que afetou a sociedade, de maneira perversa, cruel e brutal, nas diferentes camadas das suas relações sociais.

Portanto, tudo não passou de um remendo diplomático para tornar a proposta mais aceitável, mais palatável; sobretudo, às linhas dissidentes que se mantinham ligadas e alinhadas ao regime militar e ao ideário político-partidário da Direita nacional. Tanto que a tentativa de golpe de Estado de 2023 não deixa dúvidas a respeito!

Daí a necessidade da vigilância, da atenção. Sobre os céus brasileiros voam aves de rapina, personificadas por figuras que não medem esforços para atingir seus objetivos. Que são ambiciosas e, por vezes, implacáveis para conseguir o que querem, o que desejam.

E elas, definitivamente, não querem um país livre, justo e solidário. Não querem Democracia. Não querem Estado de Direito. Querem que tudo permaneça na mesma, sem alteração, segundo suas vontades. Querem suas regalias, seus privilégios, seus poderes.

Então, para garantir que esse momento de total ineditismo histórico, quando o Brasil começa a reparar os absurdos, as traições, as vergonhas, seja de fato consolidado, que cada cidadão consciente da sua identidade nacional proclame bem alto o seu NÃO.  

NÃO À ANISTIA. NÃO À PEC DA BLINDAGEM. NÃO AOS DESMANDOS DO CONGRESSO NACIONAL. NÃO AO RETROCESSO DA DIREITA E SEUS MATIZES; SOBRETUDO, OS MAIS RADICAIS E EXTREMISTAS.


quarta-feira, 17 de setembro de 2025

Vida. Arte. História. ...


Vida. Arte. História. ...

 

Por Alessandra Leles Rocha

 

Segundo Oscar Wilde, escritor e poeta irlandês, “A vida imita a arte muito mais do que a arte imita a vida...”. De qualquer modo, diante da aprovação da PEC da Blindagem, pela Câmara dos Deputados, não pude deixar de lembrar a cena final do filme Tropa de Elite 2: O Inimigo Agora é Outro, de 2010 1 e a frase que ficou famosa: “O sistema é f***a”, porque “O sistema dá a mão pra salvar o braço”.

Depois de todo o vira-latismo manifesto por diversos representantes da ala político-partidária de Direita, agora, é a vez de se absterem do decoro, de maneira absoluta. Os pseudotiranos da Câmara dos Deputados bradam em alto e bom tom seus pseudopoderes ilimitados e a sua indisposição em se submeter às leis ou à constituição.

Bem, mas isso é só espuma! A gota d’água, que ainda está submersa nesse pântano de vergonha, diz respeito ao fato de que eles (as) não pretendem votar o Projeto da isenção do Imposto de Renda, a PEC que acaba com a escala de trabalho 6x1 e quaisquer outros assuntos que sejam de real interesse da população brasileira.  Estão entrincheirados para lutar, com todas as suas forças, apoios e simpatias, contra as demandas históricas do país.

Dentro de cada um desses deputados pulsa o ranço dos tempos em que tudo o que representava riqueza e prestígio alicerçava o poder de uma elite dominante. Haja vista o sistema político-social, vigente durante a República Velha, o coronelismo.  

Grandes proprietários de terras, os "coronéis", que controlavam a política local por meio da troca de favores (clientelismo) e da coerção violenta (como o "voto de cabresto"). O coronel atuava como um intermediário de poder, negociando com as elites políticas e garantindo votos de seus pseudoeleitores em troca de benefícios, como trabalho e proteção.

Portanto, as décadas se sucedem; mas, as velhas práxis parecem persistir na sua resistência tóxica e deletéria, em relação ao progresso e ao desenvolvimento nacional.  Isso acontece, porque esse secular arranjo social silenciou a expressão do exercício da cidadania.

De modo que esse exercício foi basicamente reduzido ao voto, quando, na verdade, ele demanda uma participação ativa dos indivíduos na sociedade, exercendo seus direitos e cumprindo seus deveres cívicos, políticos e sociais, a fim de se alcançar o desenvolvimento coletivo e a garantia de bem-estar para todos os cidadãos.

Acontece que essa visão limitada e centrada na escolha representativa, legitima a construção de uma representatividade político-partidária equivocada e distorcida. Composta por indivíduos, em sua maioria, pertencentes ao ideário político alinhado historicamente à Direita e seus matizes; sobretudo, os mais radicais e extremistas.

Os quais, como se vê, estão dispostos a subverter o próprio processo que os levou ao poder, para continuar garantindo seu quinhão de regalias, de privilégios e de poderes.

Como tão bem explicou Mario Sergio Cortella, filósofo, escritor e professor brasileiro, “Ética é o conjunto de valores e princípios que nós usamos para decidir as três grandes questões da vida: ‘Quero?’, ‘Devo?’, ‘Posso?’. Tem coisa que eu quero mas não devo, tem coisa que eu devo mas não posso e tem coisa que eu posso mas não quero”. E isso é importante, porque “Agir conforme aquilo que se fala, alinhar discurso e prática, além de ser uma postura ética, é um sinal de autenticidade”; mas, principalmente, de confiabilidade, de credibilidade.

Assim, temos que admitir, o grande problema da sociedade brasileira foram os excessivos precedentes abertos ao longo da sua historicidade, mesmo diante de claras evidências de corrosão ética. Tivesse o país tomado as medidas cabíveis a cada problema emergido, os absurdos, os vexames, os desvios psicocomportamentais não teriam prosperado.

É por conta dessa normalização, dessa trivialização, expressa pela condescendência abjeta, a transigência despudorada, a fraqueza humilhante, que uns e outros passaram a se considerar acima do Bem e do Mal. Nesse sentido, como dizia José Saramago, dramaturgo, poeta, escritor português e Prêmio Nobel da Literatura, em 1988, “A única maneira de liquidar o dragão é cortar-lhe a cabeça, aparar-lhe as unhas não serve de nada”.

terça-feira, 16 de setembro de 2025

PEC da Blindagem, a PEC da Anistia e muito mais da antidemocracia nacional


PEC da Blindagem, a PEC da Anistia e muito mais da antidemocracia nacional

 

Por Alessandra Leles Rocha

 

A pergunta a se fazer nesse momento, no Brasil, é: por que a Democracia nacional vive “arrastando correntes”? Bem, a democracia é mais do que uma forma de governo; é um processo social contínuo de participação popular, igualdade e exercício da soberania, onde os cidadãos, empoderados, exercem poder político e social tanto através de representação quanto através da participação direta em suas comunidades e na vida pública.

Algo que se traduz extremamente desconfortável e desagradável para as elites dominantes no país, porque se veem ameaçadas pela construção de espaços onde a vontade popular pode ser exercida; bem como, a escuta de diferentes opiniões e o respeito aos direitos de todos sejam garantidos.

E isso é muito, considerando-se uma historicidade marcada pelas vontades e quereres dessa ínfima parcela, que sempre ostentou seu protagonismo nos poderes, nas influências e sobre o controle social.

Por isso, a Câmara dos Deputados se coloca a todo vapor para votar a chamada PEC da Blindagem, buscando que eventuais ações judiciais, mandados de busca e apreensão e investigações contra parlamentares só podem ser realizadas mediante aprovação da Mesa Diretora da Câmara ou do Senado, à exceção de casos de flagrante delito. Além disso, Mesa teria um prazo de dez dias para aprovar ou rejeitar o pedido.

O que fazem os nobres deputados e senadores, diante dessa manifestação de escárnio e abuso de poder, é contrariar, de maneira explícita, o artigo 5º, da Constituição Federal de 1988, que diz Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade”.  

Aliás, sob certa ótica, é bom que não sejamos iguais! Afinal, essa Proposta de Emenda Constitucional demonstra a susceptibilidade e a vulnerabilidade ética e moral, de certos representantes político-partidários.

Cientes da sua intenção em praticar a antidemocracia, ou seja, executando ações e comportamentos que visam minar, deslegitimar ou impedir o funcionamento do sistema democrático, tais como a tentativa de desacreditar instituições, contestar resultados eleitorais legítimos, ameaçar o Estado de Direito ou deslegitimar os poderes constitucionais, eles se colocam em posição de importância resguardada por lei, para não sofrerem nenhum tipo de sanção e/ou punição.  

Veja, não havendo a intenção de cometer alguma ação delituosa não há necessidade de nenhum instrumento de salvaguarda, concorda?  Assim, o que se tem bem diante do nariz é um sinal claro de que esses indivíduos não querem abdicar das velhas práxis nacionais.

O que significa, por exemplo, o desvio de verbas públicas, a apropriação de bens públicos, a prática de suborno, a ineficiência, o desperdício, a troca de favores por apoio político, o favorecimento de amigos e parentes na ocupação de cargos públicos, o uso de verbas para interesses privados conhecido como Clientelismo, a disseminação de notícias falsas para influenciar a opinião pública, a censura e o cerceamento da liberdade de imprensa, a  manipulação do debate público, a tentativa de limitar a ação de outros poderes, a desqualificação de instituições, e a adoção de políticas que perpetuam a desigualdade social.

E, agora, depois de a 1ª Turma do Supremo Tribunal Federal (STF) condenar os oito réus do Núcleo 1 da ação por tentativa de golpe de Estado, o desagrado, o desconforto e, até mesmo, uma pontinha de indignação, emergiram com todo ímpeto e fúria, por parte do Congresso Nacional, como resposta do seu desdém democrático.

Daí a PEC da Blindagem, a PEC da Anistia e tudo mais que possa traduzir a alma antidemocrática desses elementos que representam o espectro político-partidário de Direita, no Brasil.

Inclusive, porque eles acreditam que é preciso fragilizar a teoria dos pesos e contrapesos, o qual postula a separação de poderes entre o Executivo, o Legislativo e o Judiciário, a fim de evitar que questões de grande repercussão política ou social sejam levadas para resolução do Poder Judiciário, em vez de serem resolvidas por meio de processos legislativos ou políticos.

Acontece que a chamada "judicialização" tem ocorrido, com certa frequência, no Brasil, em razão de que as outras esferas do governo não resolveram os problemas em tempo hábil ou devido à falta de consenso.  

Então, o Poder Judiciário quando instado a agir, ele assegura a supremacia da Constituição, se colocando como instância de decisão final em muitos conflitos.

Se assim não o fizesse, poderia incorrer em crime de prevaricação, ou seja, quando um funcionário público que, por interesse pessoal ou sentimento, deixa de praticar um ato de ofício, o retarda ou o pratica de forma contrária à lei.

Diante desse breve exposto, pode-se dizer que o momento pede atenção. MUITA ATENÇÃO! A Democracia está, flagrantemente, sendo atacada pela antidemocracia nacional personificada pelas figuras de certos membros do Congresso Nacional, pertencentes ao seu espectro político-partidário de Direita. Sim, esses indivíduos estão indóceis com a repercussão democrática do Brasil, mundo afora.

Acontece que a cada passo dado na sua trajetória de desatino raivoso, mais essa gente possibilita separar o joio do trigo da cidadania nacional. Fazendo do momento atual uma possibilidade de desconstruir velhos paradigmas, com base na materialização de valores e comportamentos sociais desejáveis ou indesejáveis, com o propósito de edificar um novo contexto capaz de refletir e influenciar o mundo real.


sexta-feira, 12 de setembro de 2025

Não. Não acabou ...


Não. Não acabou ...

 

Por Alessandra Leles Rocha

 

Ainda que o julgamento da Ação Penal 2668, referente ao Núcleo 1 da ação por tentativa de golpe de Estado, seja um marco importante para história nacional, ele não encerra definitivamente com as intenções e as pretensões antidemocráticas, que pairam sobre o Brasil.

Como esquecer a presença de uma gigantesca bandeira estadunidense, em pleno dia de comemoração da Independência brasileira? Ou todo o farto acervo de episódios antidemocráticos, anticidadãos, ocorridos no país, nos últimos anos? A cada momento surge uma nova “cereja do bolo”.

Brincadeiras à parte, esse comportamento social brasileiro tem muito a dizer. Talvez, agora, muitos consigam perceber o efeito nefasto da historicidade nacional, em relação à sua herança colonial.

Afinal, a estrutura e organização social brasileira tem raízes profundas no período colonial, caracterizado pela exploração de mão de obra escrava, racismo, latifúndio, monocultura e um sistema patriarcal e elitista, baseado em um poder concentrado nas mãos de poucos e na exclusão de grande parte da população.

Acontece que, chegado o tempo republicano, no país, essa base não só permaneceu como se perpetuou, ainda que através de novas roupagens.  Além disso, questões como o mandonismo, coronelismo e o clientelismo, demonstraram a sua força e importância.

Vejam, por exemplo, o mandonismo, uma prática social e política onde um indivíduo local, o mandon, exercia controle autoritário sobre a população, limitando sua autonomia e poder de decisão, geralmente através do controle de recursos econômicos e sociais, como a posse de terras.

De seus vieses, emergiu o coronelismo. Uma complexa estrutura de poder característica do Brasil, entre 1889 e 1930, quando os chamados “coronéis", grandes fazendeiros e políticos locais, exerciam poder sobre suas populações através de trocas de favores e violência, controlando votos por meio do voto de cabresto.

Quanto ao clientelismo, trata-se de uma prática política de troca direta de benefícios materiais ou serviços por apoio eleitoral, violando assim os critérios públicos e a transparência na distribuição de recursos estatais, que manteve as oligarquias no poder e a desigualdade social, com a elite econômica garantindo seus privilégios e aprofundando a exclusão.

Portanto, apesar de estarmos em pleno século XXI, parece difícil que essa herança seja extirpada do (in)consciente coletivo nacional. Algo que faz lembrar a “fábula do elefante acorrentado", que trata das crenças limitantes, a partir da história de um elefante grande e poderoso que não se liberta de uma corda fina e uma estaca pequena, porque, na infância, não teve força para fazê-lo e, com o tempo, internalizou a crença de que era incapaz de se libertar. De modo que ele nunca mais tentou testar sua força, aceitando sua impotência e vivendo preso por uma memória de seu passado, por uma crença antiga, sem questioná-la.

Ocorre que a falta de protagonismo social, por parte dos 99,9% da população brasileira, ao longo desses pouco mais de 500 anos de história, resultou na perda do potencial transformador, tanto individual quanto coletivamente, perpetuando não só as desigualdades; bem como, limitando a autonomia e o desenvolvimento de habilidades essenciais, tais como o pensamento crítico, a resiliência e a resolução de problemas.

Se estabeleceu, nesse país, uma inevitável crença de baixa autoestima, de insegurança e de dependência, a qual impediu aos cidadãos moldarem suas próprias vidas e o mundo ao seu redor, segundo sua própria consciência.  

Nesse sentido, pode-se dizer sim, que a identidade nacional foi corrompida e/ou fragilizada por fatores que foram desde o ciclo de exploração histórica ao patrimonialismo (apropriação do que é público para uso privado), os quais contribuíram para a falta de participação popular nos debates públicos e a imposição de interesses particulares.

O que inevitavelmente acentuou não somente a ausência de autoestima e a hipervalorização do que vem de fora; mas, a construção do chamado “jeitinho brasileiro" e a aceitação da corrupção como um traço da identidade. Questões que acabaram resultando em uma identidade nacional que reflete uma realidade insatisfatória, a qual se permite, então, manifestar publicamente o desejo projeção em outra imagem.

Bem, foi reconhecendo tais vulnerabilidades e fragilidades brasileiras, que a "Internacional de Direita" vem se articulando e se conectando por meio de partidos políticos, movimentos ideológicos, especialmente de ultradireita, em um contexto transnacional, que abrange diversos países, incluindo o Brasil.

Ora, o Brasil reluz como importante expoente, no que se refere à ultradireita global, por conta da sua articulação de valores conservadores e de discurso antiglobalista, com forte interconexão e influência entre grupos da direita radical e neofascista nos EUA e na Europa.

Como escreveram Gilberto Gil e Caetano Veloso, em 1969, “É preciso estar atento e forte...” 1! O Brasil não pode se abster, então, da compreensão de que as estratégias, comumente usadas por eles, tais como o evento CPAC (Conferência Política da Ação Conservadora), tem por propósito reafirmar, cada vez mais, o país no centro da ultradireita internacional, promovendo a formação de alianças transnacionais e o intercâmbio de estratégias para combater o avanço do progressismo, no Brasil e no mundo.

Eles estão convictos na empreitada de impedir que todo o conjunto de ideias, filosofias e movimentos sociais e políticos que defendam a evolução e o aperfeiçoamento da condição humana através da reforma social, do avanço científico e tecnológico, e de mudanças políticas e econômicas, tenha espaço para se consolidar no território brasileiro.

Daí a bandeira estadunidense, as sanções tarifárias, a ingerência arbitrária em relação às decisões do Supremo Tribunal Federal (STF) e a estigmatização de alguns de seus ministros. É, não se pode acreditar que está tudo resolvido! Não. Não acabou! Segundo Mário de Andrade, poeta, romancista e ensaísta brasileiro, “O passado é lição para refletir, não para repetir”.

Assim, apesar das mudanças profundas na historicidade não serem tarefas simples, fáceis e rápidas, ainda que extremamente necessárias, como nesse caso, deve-se continuar empenhando todos os esforços no sentido de realizá-las.  Sobretudo, tomando como base o alerta de José Saramago, em seu Ensaio sobre a Cegueira (1995), quando escreveu que “A pior cegueira é a mental, que faz com que não reconheçamos o que temos pela frente”.

Caso contrário, a repetição de erros, mentiras e/ou dissimulações, sem análise, reflexão e criticidade, permanecerá conduzindo as pessoas à estagnação, à confusão e ao sofrimento, na medida em que passa a existir uma "ilusão da verdade".

E não se pode negar o fato de que, infelizmente, para muitos (as) brasileiros (as), esse comportamento tem se mostrado ativo na sua aversão ao desconhecido, mantendo-os (as) na sua velha zona de conforto e status quo.

Talvez, por isso, é que “Nascer sabendo é uma limitação porque obriga a apenas repetir e, nunca, a criar, inovar, refazer, modificar. Quanto mais se nasce pronto, mais refém do que já se sabe e, portanto, do passado; aprender sempre é o que mais impede que nos tornemos prisioneiros de situações que, por serem inéditas, não saberíamos enfrentar” (Mario Sergio Cortella - filósofo, escritor e professor brasileiro).



1 Divino, maravilhoso (1969) / Compositores: Gilberto Gil / Caetano Veloso - https://www.youtube.com/watch?v=Emu4JrrfpM0


quinta-feira, 11 de setembro de 2025

Dois pesos e duas medidas à luz de uma retumbante vergonha


Dois pesos e duas medidas à luz de uma retumbante vergonha

 

Por Alessandra Leles Rocha

 

Se engana quem acredita que as linguagens estão sob o domínio absoluto da razão. Por mais que elas expressem uma função cognitiva essencial para o pensamento, a expressão de emoções ou a comunicação social, pelo fato de serem meio através do qual o inconsciente se expressa, elas permitem a análise e o acesso aos conteúdos ocultos que afetam a psique e o comportamento humano.

Desse modo, a ideia de “dois pesos e duas medidas” para explicar a prática da aplicação de critérios de julgamento diferentes para situações ou pessoas semelhantes, resultando em injustiça, desonestidade e inconsistência, na verdade, não acaba em si mesma. Afinal, a linguagem atua como uma ponte entre o consciente e o inconsciente, trazendo à tona, através da fala, aquilo que pode ser compreendido e transformado, permitindo que conteúdos ocultos se tornem acessíveis para análise e resolução.

Bem, colocando reparo na vida, como sugeriu José Saramago 1, nos deparamos com a maneira com a qual o cotidiano se mostra atravessado, de diferentes formas, pela hipocrisia, pela contradição, pela falsidade, pela dissimulação, para tentar se ajustar e caber nos protocolos de pertencimento e sobrevivência social. Nesse sentido, a historicidade brasileira tem muito a nos dizer e ensinar.

Sim, porque nesses pouco mais de 500 anos, certas práxis comportamentais não mudaram, por aqui. O Brasil permanece sim, marcado por uma sociedade hierarquizada, patriarcal, simpatizante do trabalho análogo à escravidão e ao racismo, extremamente desigual, com a concentração de poder e recursos nas mãos das classes dominantes; bem como, sob forte influência das religiões cristãs.

Dentro desse contexto, a hipocrisia existente nas elites coloniais brasileiras continuou existindo através da discrepância entre os valores professados; sobretudo, o conservadorismo, e as práticas reais, pelo uso da corrupção para o lucro, a exploração de mão de obra, o abuso de poder e a manutenção de privilégios sociais e econômicos.

Algo que consolidou a manutenção de um sistema de dominação que explora, oprime e marginaliza grande parte da população, enquanto as elites buscam o enriquecimento a qualquer custo e a perpetuação de seus interesses.

Entretanto, é importante destacar, também, o fato de que a lei brasileira sempre demonstrou um tratamento desigual, punindo mais severamente os pequenos contraventores do que os criminosos de "colarinho branco", segundo farto registro na sua historicidade. O que não é difícil entender!

Ora, para manter esse quadro social, ao longo dos séculos, as classes dominantes vêm trabalhando de forma corporativista a fim de promover a manutenção de suas regalias, privilégios, interesses e poderes. Além disso, a formação do judiciário brasileiro remonta à época colonial, o que significa que seus representantes sempre estiveram ligados às elites, inclusive, as metropolitanas. 

Portanto, até o início do século XIX, quando foram criadas as primeiras faculdades de Direito, no país, os futuros bacharéis, juízes e promotores eram formados no exterior, principalmente, em Portugal. Portanto, somente os filhos de famílias abastadas tinham acesso ao ensino superior.

Em pleno século XXI, embora essa realidade tenha mudado e a acessibilidade ao ensino universitário, nos mais diversos campos do conhecimento, esteja em curso, quem permanece ocupando os principais espaços da Justiça nacional são, na maioria, indivíduos oriundos das classes dominantes.

O que explica porque não causa estranhamento, quando a justiça é operada de maneira flagrantemente assimétrica, por conta do status quo do cidadão. Trata-se de uma reafirmação do tal corporativismo social, o que o torna eticamente questionável.

Assim, traduzindo em miúdos, o judiciário brasileiro quando se permite dar voz ao seu ranço colonial, ou seja, às suas crenças, valores, princípios e convicções absolutamente retrógradas, ele admite publicamente à sua total disposição em ratificar a sua satisfação em garantir todos os privilégios, regalias, interesses e poderes das classes dominantes.

Bem como, demonstra a sua total incapacidade de conhecer a fundo as demandas que recortam a diversidade e a pluralidade social brasileira, por se manter ensimesmado na sua bolha pessoal. O que não só o descreve como membro de um sistema social que privilegia as elites em detrimento do restante da população, como faz questão de manifestar uma atitude de quem se considera superior por pertencer a esse grupo.

Então, nesses momentos, não posso deixar de compartilhar com Rui Barbosa, político, jurista, diplomata e escritor brasileiro, o conforto da mesma utopia: “Saudade da justiça imparcial, exata, precisa. Que estava ao lado da direita, da esquerda, centro ou fundos. Porque o que faz a justiça é o ‘ser justo’. Tão simples e tão banal. Tão puro. Saudade da justiça pura, imaculada. Aquela que não olha a quem nem o rabo de ninguém. A que não olha o bolso também. Que tanto faz quem dá mais, pode mais, fala mais. Saudade da justiça capaz”.



1 “Se podes olhar, vê. Se podes ver, repara”. Epígrafe do livro "Ensaio sobre a cegueira" (1995), citando o "Livro dos Conselhos" de El-Rei D. Duarte.


quarta-feira, 10 de setembro de 2025

Nenhum progresso acontece sem mudança


Nenhum progresso acontece sem mudança

 

Por Alessandra Leles Rocha

 

Já dizia Eduardo Galeano, “Somos o que fazemos, mas somos, principalmente, o que fazemos para mudar o que somos”. Lembrei-me dessa citação, olhando atentamente para o momento atual da sociedade brasileira, o qual está permeado por idiotice, por idolatria, por ignorância, por anticidadania, por antidemocracia, por radicalismo.

Bem, qualquer mudança está fundamentada em vários aspectos. É preciso disposição, racionalidade e despojamento, tanto do ponto de vista individual quanto coletivo e circunstancial, para se colocar a mão na massa e mudar. Afinal de contas, mudar é um exercício e, como tal, impõe tempo, cansaço, desgaste, trabalho, ...

Razão pela qual, muita gente, por aí, acaba permanecendo inerte, imóvel, na mais absoluta zona de conforto, desfrutando das conveniências que o seu imobilismo proporciona, apesar dos pesares.

Uma pena, porque o ideal seria “Desaprender para aprender. Deletar para escrever em cima. Houve um tempo em que eu pensava que, para isso, seria preciso nascer de novo, mas hoje sei que dá pra renascer várias vezes nesta mesma vida. Basta desaprender o receio de mudar” (Martha Medeiros 1).

Mas, como a realidade nem sempre se coaduna com o ideal, as mudanças, na maioria das vezes, passam despercebidas, negligenciadas, postergadas, esquecidas. Acontece que, apesar do não fazer ser uma escolha, ele não deixa de ser uma decisão e, por isso, tem consequências, desdobramentos, reverberações, os quais, nem sempre, são positivos.  

Nesse contexto, a historicidade social brasileira tem muito a contar. Basta olhar para a assimétrica estratificação da sociedade, para compreender o papel das estruturas militares na manutenção e na garantia dos poderes e dos interesses das elites dominantes.

Tanto que a relação entre o militarismo e a política no Brasil é marcada por intervenções e apoio civil-militar, em diferentes momentos da história, os quais, muitas delas culminaram em golpes de Estado e ditaduras.  

No entanto, apesar dos processos de retirada dos militares da política, com o respaldo de setores da sociedade civil e militar, a grande verdade é que desde a Primeira República, a politização de militares foi incentivada, e a atuação militar na política sempre envolveu coalizões com civis, fossem eles governistas ou de oposição.

De modo que, nas últimas décadas, especialmente após a Lei da Anistia (lei n° 6.683, de 28 de agosto de 1979), que deixou um rastro de insatisfação entre certos segmentos da sociedade, especialmente entre os elementos das elites dominantes, a politização dos militares voltou a ser alimentada por setores civis.

O resultado disso foi uma nova tentativa de Golpe de Estado, no Brasil, que se desenrolou ao longo do governo anterior, com participação direta de militares, dos mais diversos escalões das forças armadas.  

Embora os fatos tenham sido apurados e estejam sendo julgados, agora, pelo Supremo Tribunal Federal (STF), em ação de grande ineditismo na história nacional, a politização de militares permanece uma questão de suma importância a ser resolvida.

Haja vista, o fato noticiado pela imprensa nacional, em que o governador do Estado de São Paulo, aliado de primeira ordem do ex-Presidente da República e réu na Ação Penal (AP) 2.668, que trata da tentativa de golpe de Estado, esteve presente em uma cerimônia de promoção de 16 generais, da sua turma de formação na Academia Militar das Agulhas Negras (AMAN), em um quartel do Exército, e depois se dirigiu para a residência do ex-Presidente 2.

Considerando que há uma clara tensão existente, por conta da polarização político-partidária, que envolve também o julgamento da Ação Penal (AP) 2.668, no país, a postura do governador do Estado de São Paulo, nessa e em outras recentes situações, tem deixado claro a sua intenção em demonstrar algum tipo de força e articulação política, entre civis e militares.

O que significa que, apesar dos gravíssimos acontecimentos recentes na República Federativa do Brasil, as crenças, os valores, os princípios e as convicções, dos apoiadores e simpatizantes dos espectros políticos de Direita, parecem refratárias às mudanças. Portanto, um sinal de flagrante risco e ameaça à Democracia, ao Estado de Direito e ao Brasil.

Razão pela qual, hoje, em Genebra, o relator da Organização das Nações Unidas (ONU) sobre Memória, Verdade e Justiça, fará um alerta sobre a necessidade de o Brasil rever a Lei da Anistia, relativa à Ditadura Militar entre 1964 e 1985; bem como, de promover uma reforma estrutural nas Forças Armadas brasileiras a fim de acabar com o grave déficit democrático presente nelas 3.

Por isso, traçando-se uma linha temporal a respeito desse assunto, o papel do Ministério da Defesa, enquanto responsável por assegurar a soberania e os interesses nacionais, reunir as forças militares e o componente civil sob uma visão estratégica única, torna-se fundamental uma postura mais enfática e incisiva em prol das mudanças urgentes e necessárias no setor.   

Relembrando as palavras de Paulo Coelho, escritor brasileiro, “As pessoas reclamam muito, mas se acovardam na hora de tomar providências. Querem que tudo mude, mas elas mesmas se recusam a mudar”. Por isso, quando se fala tanto em soberania, o Brasil deve enfrentar o seu passado de ditaduras nefastas a fim de aspirar pela concretização de um futuro verdadeiramente democrático e cidadão.

Afinal, “Não é triste mudar de ideias, triste é não ter ideias para mudar” (Barão de Itararé - jornalista, escritor e humorista político brasileiro). Não dá mais para continuar negando, fingindo, esquivando de reconhecer que “O progresso é impossível sem mudança; e aqueles que não conseguem mudar as suas mentes não conseguem mudar nada” (George Bernard Shaw – dramaturgo, romancista irlandês, Prêmio Nobel de Literatura em 1925).