Ministério da Saúde cria ação inédita para incentivar a doação de órgãos e reverter recusa de 45% das famílias
sábado, 27 de setembro de 2025
quarta-feira, 24 de setembro de 2025
Sem redução de pena para golpistas!
Sem
redução de pena para golpistas!
Por Alessandra
Leles Rocha
É reconfortante saber que um
sopro de decoro varreu o Senado da República e enterrou, de vez, a Proposta de Emenda
Constitucional (PEC) nº 3, de 2021, conhecida como PEC da Blindagem, que
buscava um escudo constitucional para proteger parlamentares de processos
criminais.
No entanto, na Câmara dos
Deputados o assunto não arrefeceu. A desfaçatez parece pujante ao ter quem
defenda a PEC da Anistia, a partir de uma redução das penas impostas aos
condenados pelo judiciário nacional. Acontece que essa sugestão, também, busca blindar
criminosos.
Depois de tudo o que o país
assistiu no 08 de janeiro de 2023 e possibilitou trazer à tona, com todos os
requintes de detalhes, sobre a trama golpista desenhada nos silêncios palacianos
de Brasília, é imoral se cogitar qualquer proposta de redução de pena.
Ora, foi estruturada uma organização
criminosa armada no país, que se dedicou, inclusive, a planejar a morte dos
recém-eleitos Presidente e Vice-Presidente da República e do presidente do
Tribunal Superior Eleitoral (TSE), em mais uma tentativa, dentre tantas
planejadas, de abolição violenta do Estado Democrático de Direito. Que trabalhou, real e virtualmente, a sua
massa popular de apoio, a fim de realizar dano qualificado contra o
Patrimônio da União, agravado pela selvageria flagrante que resultou em uma
profunda deterioração de patrimônio tombado.
Então, é assim? A Câmara dos
Deputados pretende abrir esse tipo de precedente jurídico? Sim, porque uma
decisão judicial anterior sobre um caso específico, servirá como exemplo ou
diretriz para casos futuros semelhantes, influenciando o julgamento de outros
processos. Um precedente com esse viés tem poder de estabelecer um
entendimento, seja de efeito vinculante (obrigatório) ou persuasivo
(orientador).
Se os nobre deputados (as) não se
deram conta, ainda, é exatamente isso que irá acontecer. Antes do que possam
imaginar, qualquer criminoso, nesse país, vai querer ser anistiado ou, quem sabe,
ter a sua pena reduzida, independentemente de qual crime tenha sido considerado
culpado.
Sim, porque eles não irão se ater
ao fato da decisão se referir a esse ou a aquele tipo de crime. Se alguém abriu
um precedente jurisprudencial, agora, poderá abrir outro se for o caso.
Ora, se um crime gravíssimo
cometido contra a Democracia e o Estado de Direito, ou seja, o próprio país, é
tratado com tanta condescendência, tanta tolerância, tanta flexibilidade, tanta
benevolência, então, qualquer crime pode ser analisado da mesma forma. Será uma
festa nos presídios superlotados do país!
Além disso, fosse esse precedente
desconsiderado para o estabelecimento de entendimento em outras situações, logo,
se transformaria em um pandemônio, pela observância de alguém que se lembrasse
do que fala a Constituição Federal, de 1988, em seu artigo 5º, “Todos são
iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza”, estabelecendo o
princípio da igualdade para os brasileiros e estrangeiros residentes no país.
Veja, quando um réu é julgado e
condenado, com base nas leis em vigência, no Brasil, a dosimetria da pena define
a punição exata a ser aplicada, levando em conta as circunstâncias do crime e
do réu, as agravantes e atenuantes, e as causas de aumento e diminuição.
Daí o juiz fundamentar sua
decisão por meio desse sistema trifásico descrito no Código Penal, o qual busca
garantir a proporcionalidade da sanção e o equilíbrio entre a reprovabilidade
da conduta e a individualização da pena.
Por isso, a justiça brasileira segue
esse sistema de cálculo, para chegar a uma pena justa e proporcional, sempre
contando com a observância do (s) advogado(s) do (s) réu (s) para garantir que
as etapas da dosimetria sejam corretamente seguidas.
O que em caso de discordância do
advogado é possível o ingresso de recursos, tais como o embargo de declaração ou,
em última instância, uma apelação criminal perante tribunais superiores,
buscando a reforma da sentença se o cálculo for considerado erro técnico ou
ilegal.
Portanto, qual é a razão para que
o relator do projeto que trata de anistia ou de redução de penas dos condenados
por tentativa de golpe de Estado, na Câmara dos Deputados, permaneça empenhado
em aprovar essa pauta, o mais rápido possível?
Se a própria Constituição afirma
que crimes inafiançáveis e imprescritíveis não podem ser perdoados e que a ação
de grupos armados contra o Estado é inafiançável e imprescritível, o projeto
de anistia é inconstitucional.
Assim, considerando a gravidade da
ação de grupos armados contra a ordem constitucional e o Estado Democrático, não
é razoável, sequer, cogitar a possibilidade de aprovar uma Proposta de Emenda à
Constituição (PEC) que permita reduzir as penas dos condenados. Não nos
esqueçamos de que o povo brasileiro foi às ruas, no último domingo, e disse NÃO
PARA A IMPUNIDADE.
terça-feira, 23 de setembro de 2025
Aos que ainda não entenderam ou se recusam entender ...
Aos que
ainda não entenderam ou se recusam entender ...
Por Alessandra
Leles Rocha
Sei que há muita gente, por aí,
que ainda não compreendeu as razões de o Brasil reafirmar a importância da
soberania, da democracia, do Estado de Direito, da independência. Bem, ocorre
que ele, enquanto uma ex-colônia de exploração, durante o período entre 1530 e
1822, construiu uma autoridade e um embasamento para falar sobre esses
assuntos, porque experenciou direta e profundamente as consequências da sua invisibilização
identitária.
As consequências sociais da
colonização de exploração incluíram a desigualdade social e racial, a perda de
identidade cultural, a imposição de costumes estrangeiros, a violência física, o
extermínio de populações nativas por doenças e conflitos, a destruição de
economias e culturas locais, e a formação de uma sociedade com estruturas de
poder desiguais.
E mesmo após a Proclamação da
República, em 1889, o Brasil permaneceu padecendo de um estereótipo de
subalternização, diante do mundo, relegado a uma marginalização e a um silenciamento,
resultando na sua exclusão e na negação da sua voz e protagonismo, dentro e
fora de suas fronteiras.
Afinal, as antigas metrópoles
coloniais transformaram-se, em grande parte, nas potências mundiais atuais,
utilizando a riqueza gerada pela exploração colonial para desenvolver as suas
economias e infraestruturas, e, após a descolonização, mantiveram relações de
influência econômica e política com as antigas colônias.
No entanto, já era de se esperar
que, dadas as voltas e rodopios da história, em algum momento, esse cenário
sofreria uma transformação. A força das conjunturas é sempre implacável! De
modo que à revelia do Imperialismo, que deu continuidade à política de expansão
territorial, econômica e cultural das ex-Metrópoles sobre as ex-Colônias,
buscando ampliar seu poder e influência sobre povos e territórios, houve uma
apropriação e uma valorização das experiências sociais, legitimando uma consciência
sobre os altos e baixos da sua própria historicidade.
Ainda que a duras penas,
expoentes da identidade nacional passaram a exercer um importante papel na valorização
e no orgulho da cultura e da capacidade nacional. O que incluiu, também, indivíduos do campo
político-partidário progressista. Ora, sem essa base ideológica empenhada em
acelerar as transformações que pudessem corrigir as injustiças históricas nacionais,
adaptando o país às novas realidades, nada disso seria possível.
Pois, se dependesse da ala
conservadora nacional, representada por membros, simpatizantes e apoiadores do
espectro político de Direita, tudo teria permanecido dentro de um protocolo padrão
de preservação das instituições, da religião cristã, dos direitos de
propriedade, e da hierarquia social, a fim de garantir a estabilidade e a
continuidade do status quo inicial.
Por sorte, o Brasil tem feito
prosperar esse novo viés ideológico, o qual consegue reconhecer e promover as suas
habilidades, os seus recursos e as suas potencialidades, seja no âmbito
econômico, social, cultural ou tecnológico. O que significa um salto gigantesco
para o fortalecimento da autonomia e do desenvolvimento, tanto nacional quanto internacionalmente,
o que garante um espaço, cada vez maior e significativo, para a discussão e o
fortalecimento do conceito de soberania e de identidade coletiva.
É possível, então, afirmar que a sociedade
global contemporânea tem tido a oportunidade de assistir à evolução dessa
jornada brasileira, mesmo diante de sucessivas tormentas. O que oferece,
inclusive, maior credibilidade aos resultados conquistados. Razão pela qual, se
pode entender como essa apropriação de protagonismo tem conseguido alçá-lo ao patamar
de potência emergente, de ator com crescente importância no cenário
internacional, devido a sua "identidade híbrida"; pois, navega por
múltiplas identidades culturais, sociais e/ou étnicas simultaneamente, moldando
um senso de si que mescla elementos de diferentes origens, tornando-o mediador
entre países desenvolvidos e em desenvolvimento.
Em suma, o que o Brasil está
vivenciando; sobretudo, nos últimos três anos, é uma humanização social. Uma busca
cada vez mais intensa e obstinada, que envolve o desenvolvimento ético, o
respeito à dignidade humana, a valorização das relações interpessoais, a
tecitura dialógica, a defesa inabalável da identidade nacional e a construção
de um ambiente mais empático e colaborativo, seja dentro ou fora de suas
fronteiras. É assim, que o Brasil vem promovendo a sua autonomia e o seu protagonismo,
reconhecendo, diariamente, a inegociabilidade dos seus princípios mais
essenciais.
segunda-feira, 22 de setembro de 2025
Anistia dosimétrica???
Anistia
dosimétrica???
Por Alessandra
Leles Rocha
Vamos imaginar uma situação
hipotética do cotidiano. A criança pega escondido o cartão de crédito da mãe e
gasta milhares de reais em joguinhos. A fatura do cartão chega em casa e a mãe
se descontrola diante do valor elevadíssimo. Em razão da gravidade da situação,
ela decide impor um castigo ao filho.
Ele não poderia sair de casa,
para brincar com os amigos da escola, por seis meses, que seria, segundo ela, o
tempo necessário para a família reequilibrar as finanças. Além disso, o garoto teria
o celular bloqueado e a mesada cortada, pelo mesmo período.
Acontece que o pai, ao saber do
fato, considerou que a mãe foi severa demais. Que o ocorrido era parte das
costumeiras travessuras do garoto e, portanto, a punição poderia ser reavaliada
e reduzida. Para o pai, bastava que o garoto não pudesse sair de casa, por um
mês.
Portanto, ele aplicou uma anistia
dosimétrica, ou seja, um perdão com base no cálculo feito mediante as
circunstâncias da travessura; bem como, considerando agravantes e atenuantes do
comportamento do garoto.
Sem aprofundar em todas as camadas
de análise existentes nesse exemplo, ainda assim, é possível perceber que a
atitude do pai abre uma possibilidade, um precedente, para que o garoto reincida
no seu comportamento travesso, na medida em que ela foi atenuada e flexibilizada.
Ora, como explica a própria
física, através da 3ª Lei de Newton, para toda ação existe uma reação de igual
intensidade e no sentido oposto. De modo que a aplicação de uma punição deve
acontecer pautada pelos mesmos princípios, ou seja, ela deve ser entendida como
um mecanismo social que visa regular de maneira proporcional o comportamento e
a culpabilidade.
Afinal de contas, a punição molda
a conduta social e os significados dentro de um coletivo humano. Punições
desalinhadas ao perfil da má conduta cometida acabam por criar,
inevitavelmente, uma ideia de permissividade, que não só tolera ou permite
comportamentos tradicionalmente antiéticos e imorais, como apontam para uma
total não aderência às regras sociais convencionais.
Infelizmente, é exatamente uma
anistia dosimétrica que um grupo de parlamentares brasileiros tenta emplacar em
relação aos condenados pela tentativa recente de Golpe de Estado, no país. Como
se os crimes apontados, os quais incluem a construção de organização criminosa
armada, tentativa de abolição violenta do Estado Democrático de Direito, golpe
de Estado, dano qualificado contra o patrimônio da União, e/ou deterioração de patrimônio
tombado, pudessem ser minimizados, contemporizados, e/ou abrandados.
Essa tal anistia dosimétrica
parece se esquecer, também, o vultoso montante de dinheiro público que esteve
envolvido nessa trama golpista. O próprio conjunto probatório da ação penal
demonstra esse aspecto, com bastante clareza. Sem contar que o Brasil já teve a
prova cabal dos efeitos negativos que suas anistias anteriores trouxeram ao
país.
Bem, essa ideia de perdão
concedido pelo Estado às pessoas que cometeram determinados crimes, extinguindo
a punibilidade, é totalmente fracassada. É preciso compreender que por trás dos crime
políticos existe uma motivação, um fator interno, uma razão, que move alguém,
individualmente ou coletivamente, a agir.
De modo que, tais crenças,
convicções, princípios, não desaparecem em um piscar de olhos, ainda que diante
de uma proposta de anistia. Trata-se de algo muito profundo, de certa forma,
arraigado no inconsciente coletivo, ao longo do tempo.
Daí essa motivação poder ser silenciada
momentaneamente; mas, ela não deixa de existir e ao menor sinal de
oportunidade, ela pode sim, emergir com todo o seu ímpeto. Por isso, é tão rasa
e ingênua a ideia de que uma proposta de anistia, seja ela qual for, é suficiente
para construir uma prevenção ou, quem sabe, uma reabilitação, do ponto de vista
ideológico- comportamental.
Não se pode negar que nos
bastidores dos crimes contra a Democracia, o Estado de Direito, às
instituições, à cidadania, existem interesses e poderes considerados, por uns e
outros, inegociáveis e inflexíveis. Ora, está nesses interesses e poderes a
chama vital que nutre o ideário golpista!
De modo que ele pode arrefecer;
mas, ele não desaparece, ele não se extingue. O que significa que a
possibilidade de anistia, seja ela qual for, é um impulso motivacional para
fortalecer o golpismo. Razão pela qual, o cidadão não pode considerar normal anistiar
pessoas que cometeram crimes gravosos contra o país, nem tampouco, apoiar esse
tipo de proposta de atenuação de pena.
Assim, não se esqueça de que o
Brasil vive um momento crucial para compreender que “Se você não desenvolver
uma cultura democrática constante e viva, capaz de cobrar os candidatos, eles
não farão as coisas pelas quais você votou. Apertar um botão e logo ir embora
para sua casa não vai mudar as coisas” (Avram Noam Chomsky - linguista,
filósofo, sociólogo, cientista cognitivo e ativista político estadunidense).
sexta-feira, 19 de setembro de 2025
A traição não escolhe identidade
A traição
não escolhe identidade
Por Alessandra
Leles Rocha
Diante de uma realidade que vem
permitindo, a cada dia mais, a separação entre o joio e o trigo da política
nacional, é preciso refletir sobre o significado da traição.
Ver a Direita e seus matizes,
liderando o motim congressista em favor de uma anistia, aos condenados pela recente
tentativa de Golpe de Estado, e à Proposta de Emenda Constitucional (PEC) da “Blindagem”,
de certa forma, não surpreende.
Mas, descobrir que dentro do próprio
partido do Presidente da República há simpatizantes dessas pautas, a tal ponto
de votarem a favor delas, é vexatório, para dizer o mínimo.
A grande verdade é que essa
atitude pode ser resumida em uma única palavra: TRAIÇÃO. Primeiro, esses
indivíduos romperam um contrato ou acordo social, com as crenças, princípios,
valores e convicções, que os levaram a representar uma dada parcela do
eleitorado brasileiro. Depois, com a sua sigla partidária. E, por último, com o
Presidente da República.
De modo que essa traição não só é
complexa, como envolve sentimentos de perplexidade, de indignação, de desconfiança,
e porque não dizer, de um certo luto social.
Sim, a confiança, que era o pilar
de sustentação de um acordo político, foi quebrada e fez emergir uma importante
desestabilização nas relações em torno do poder.
As máscaras foram ao chão. O comportamento
fundamentado pela desonestidade e pela falta de ética criou um abismo
irreversível. Algo que traz à lembrança a literatura Shakespeariana.
William Shakespeare, poeta,
dramaturgo e ator inglês, explorou em suas obras a traição política, como
poucos. Ele refletiu sobre as dinâmicas de poder, a corrupção e a fragilidade
da moralidade, mostrando como a busca pelo poder absoluto pode levar à
usurpação e ao caos social.
A ânsia de poder foi mostrada
como um motor fundamental das tramas, levando personagens a trair seus pares e
seus compromissos, considerando que as alianças políticas tendem a ser frágeis
e transitórias, de modo que a lealdade pode ser rapidamente quebrada quando o
interesse pessoal se sobrepõe.
Sendo assim, a traição, na
perspectiva político-partidária representativa, em qualquer tempo, não se
resume a um ato individual.
Pelo contrário, ela se expande enquanto
um fenômeno social que perturba a ordem, a confiança e a coesão social, gerando
consequências importantes para os envolvidos e para a própria dinâmica das
relações humanas.
Pois, a aura de incerteza que
passa a pesar sobre aquele coletivo social é tecida pelo medo, pela insegurança,
pela desconfiança, como se a traição pudesse se repetir e se perpetuar como um
modus operandi padrão.
Isso acontece porque, segundo
Nicolau Maquiavel, escritor, político, diplomata, historiador e pensador
italiano, “Não se pode chamar de valor assassinar seus cidadãos, trair
seus amigos, faltar à palavra dada, ser desapiedado, não ter
religião. Essas atitudes podem levar à conquista de um império, mas não à
glória”.
Assim, do mesmo modo que o
Presidente da República cobrou, recentemente, dos partidos aliados um posicionamento
em relação ao compromisso assumido, enquanto frente ampla, durante a campanha
eleitoral; agora, é a vez de cobrar engajamento, lealdade e comprometimento dos
filiados ao seu próprio partido. Nada de dois pesos e duas medidas!
Dizia Eleanor Roosevelt, esposa
do ex-presidente dos EUA, Franklin Roosevelt, “Se alguém trai você uma vez,
a culpa é dele. Se trai duas vezes, a culpa é sua”. Por isso, diante de
tempos tão conturbados, tensos, aflitivos, torna-se imperioso saber qual o posicionamento
desses indivíduos dentro do governo.
Afinal, eles ocupam um lugar, um
status específico, nessa ordem social, o qual lhes confere direitos e poderes
que precisam e devem ser respeitados.
Sobre os céus brasileiros voam aves de rapina
Sobre os
céus brasileiros voam aves de rapina
Por Alessandra
Leles Rocha
É certo que os ventos da mudança
sopram, nesse exato momento, sobre o mundo. Contudo, velhas práxis insistem em
permanecer vigorando. Vamos e convenhamos, nesse sentido, a história brasileira
tem mais motivos para chorar do que para rir.
Um deles diz respeito, exatamente,
a política feita na surdina, de forma dissimulada, secreta, furtiva ou sem
alarde, sem que o público, a grande massa da população, saiba o que está
acontecendo ou possa dar a sua opinião.
Não se engane, caro (a) leitor
(a)! Os absurdos, os vexames, a desfaçatez, não se concentram apenas nas
figuras de certas alas político-partidárias que compõem o Congresso Nacional. Dentro
e fora de Brasília, a capital federal, há milhares de apoiadores, de
simpatizantes, de financiadores e de mentores, do ideário direitista
brasileiro, remanescente daquele nutrido pelas elites dominantes, nos tempos coloniais.
Portanto, historicamente, o
predomínio de oligarquias, ou seja, estruturas sociais cuja elite dirigente
emana das classes dominantes tradicionais, representada pelos grandes
comerciantes e grandes proprietários de terras, e cujo monopólio do poder
político serve exclusivamente para o enriquecimento dos membros de sua própria
classe.
E esse entendimento é fundamental
diante das profundas tensões em que vive o Brasil. Apesar de muitos
acontecimentos estarem ocorrendo diante dos olhos do país, tais como os
julgamentos relativos à tentativa de golpe de Estado de 2023, pelo supremo
Tribunal Federal (STF); a ocupação do Congresso Nacional pela Direita e seus
matizes, na retomada dos trabalhos em agosto desse ano; a aprovação da Proposta
de Emenda Constitucional (PEC) 3/21, que amplia o foro privilegiado, restringe
processos criminais contra parlamentares e acrescenta voto secreto às decisões,
pela Câmara dos Deputados; a aprovação da urgência para votação de anistia, que
busca beneficiar os envolvidos na tentativa de golpe de 8 de janeiro de 2023,
quando extremistas invadiram as sedes dos Três Poderes, em Brasília.
Contudo, há muita coisa transitando
na surdina. Aliás, todas as vezes em que a Direita nacional e seus matizes, se
veem em situação de ameaça ou desconforto, o nome escolhido para encontrar uma “solução”
tem sido sempre o do ex-presidente do Brasil, entre 2016 e 2019.
Pois é, apesar de estar agindo
com o mínimo de ruído ou visibilidade possível, já consta na imprensa nacional a
sua ladainha condescendente. Mais uma vez, ele vem minimizando a tentativa de
golpe, que está sendo julgada pelo STF, além de defender uma ideia de anistia,
em que sejam reduzidas as penas dos condenados a fim de “pacificar o país”.
Só para recapitular, o Brasil já teve
48 anistias aprovadas desde a Independência, em 7 de setembro de 1822. A mais
recente ocorreu em 1979, quando o país aprovou uma anistia ampla, geral e
irrestrita, em relação aos envolvidos, vítimas e algozes, nos chamados Anos de
Chumbo, entre 1964 e 1985.
De modo que é preciso perguntar: houve
pacificação? Após os conflitos, a anistia conseguiu, de fato, restaurar a
harmonia e a ordem social, trazendo à tona uma sociedade mais justa e pacífica,
através do diálogo, da justiça social e da cultura de paz, como também uma
realidade unificada sem a dominação de um grupo sobre outro?
Não. Tanto que o Brasil está
diante de flagrantes e profundas tensões políticas, em pleno século XXI, por
conta de uma nova tentativa golpista.
O que uns e outros ousam chamar
de pacificação pela anistia, na verdade, não passou de um processo de atenuação,
no sentido de reduzir, suavizar ou diminuir a intensidade, a força ou o impacto
de algo que afetou a sociedade, de maneira perversa, cruel e brutal, nas
diferentes camadas das suas relações sociais.
Portanto, tudo não passou de um
remendo diplomático para tornar a proposta mais aceitável, mais palatável;
sobretudo, às linhas dissidentes que se mantinham ligadas e alinhadas ao regime
militar e ao ideário político-partidário da Direita nacional. Tanto que a
tentativa de golpe de Estado de 2023 não deixa dúvidas a respeito!
Daí a necessidade da vigilância,
da atenção. Sobre os céus brasileiros voam aves de rapina, personificadas
por figuras que não medem esforços para atingir seus objetivos. Que são
ambiciosas e, por vezes, implacáveis para conseguir o que querem, o que
desejam.
E elas, definitivamente, não
querem um país livre, justo e solidário. Não querem Democracia. Não querem
Estado de Direito. Querem que tudo permaneça na mesma, sem alteração, segundo suas
vontades. Querem suas regalias, seus privilégios, seus poderes.
Então, para garantir que esse
momento de total ineditismo histórico, quando o Brasil começa a reparar os
absurdos, as traições, as vergonhas, seja de fato consolidado, que cada cidadão
consciente da sua identidade nacional proclame bem alto o seu NÃO.
NÃO À ANISTIA. NÃO À PEC DA
BLINDAGEM. NÃO AOS DESMANDOS DO CONGRESSO NACIONAL. NÃO AO RETROCESSO DA
DIREITA E SEUS MATIZES; SOBRETUDO, OS MAIS RADICAIS E EXTREMISTAS.
quarta-feira, 17 de setembro de 2025
Vida. Arte. História. ...
Vida. Arte.
História. ...
Por Alessandra
Leles Rocha
Segundo Oscar Wilde, escritor e
poeta irlandês, “A vida imita a arte muito mais do que a arte imita a
vida...”. De qualquer modo, diante da aprovação da PEC da Blindagem, pela Câmara
dos Deputados, não pude deixar de lembrar a cena final do filme Tropa de Elite
2: O Inimigo Agora é Outro, de 2010 1
e a frase que ficou famosa: “O sistema é f***a”, porque “O sistema dá
a mão pra salvar o braço”.
Depois de todo o vira-latismo
manifesto por diversos representantes da ala político-partidária de Direita,
agora, é a vez de se absterem do decoro, de maneira absoluta. Os pseudotiranos
da Câmara dos Deputados bradam em alto e bom tom seus pseudopoderes ilimitados
e a sua indisposição em se submeter às leis ou à constituição.
Bem, mas isso é só espuma! A gota
d’água, que ainda está submersa nesse pântano de vergonha, diz respeito ao fato
de que eles (as) não pretendem votar o Projeto da isenção do Imposto de Renda,
a PEC que acaba com a escala de trabalho 6x1 e quaisquer outros assuntos que
sejam de real interesse da população brasileira. Estão entrincheirados para lutar, com todas as
suas forças, apoios e simpatias, contra as demandas históricas do país.
Dentro de cada um desses
deputados pulsa o ranço dos tempos em que tudo o que representava riqueza e
prestígio alicerçava o poder de uma elite dominante. Haja vista o sistema
político-social, vigente durante a República Velha, o coronelismo.
Grandes proprietários de terras,
os "coronéis", que controlavam a política local por meio da troca de
favores (clientelismo) e da coerção violenta (como o "voto de
cabresto"). O coronel atuava como um intermediário de poder, negociando
com as elites políticas e garantindo votos de seus pseudoeleitores em troca de
benefícios, como trabalho e proteção.
Portanto, as décadas se sucedem;
mas, as velhas práxis parecem persistir na sua resistência tóxica e deletéria,
em relação ao progresso e ao desenvolvimento nacional. Isso acontece, porque esse secular arranjo
social silenciou a expressão do exercício da cidadania.
De modo que esse exercício foi basicamente
reduzido ao voto, quando, na verdade, ele demanda uma participação ativa dos
indivíduos na sociedade, exercendo seus direitos e cumprindo seus deveres
cívicos, políticos e sociais, a fim de se alcançar o desenvolvimento coletivo e
a garantia de bem-estar para todos os cidadãos.
Acontece que essa visão limitada
e centrada na escolha representativa, legitima a construção de uma
representatividade político-partidária equivocada e distorcida. Composta por indivíduos,
em sua maioria, pertencentes ao ideário político alinhado historicamente à
Direita e seus matizes; sobretudo, os mais radicais e extremistas.
Os quais, como se vê, estão dispostos
a subverter o próprio processo que os levou ao poder, para continuar garantindo
seu quinhão de regalias, de privilégios e de poderes.
Como tão bem explicou Mario
Sergio Cortella, filósofo, escritor e professor brasileiro, “Ética é o
conjunto de valores e princípios que nós usamos para decidir as três grandes
questões da vida: ‘Quero?’, ‘Devo?’, ‘Posso?’. Tem coisa que eu quero mas não
devo, tem coisa que eu devo mas não posso e tem coisa que eu posso mas não
quero”. E isso é importante, porque “Agir conforme aquilo que se fala,
alinhar discurso e prática, além de ser uma postura ética, é um sinal de
autenticidade”; mas, principalmente, de confiabilidade, de credibilidade.
Assim, temos que admitir, o
grande problema da sociedade brasileira foram os excessivos precedentes abertos
ao longo da sua historicidade, mesmo diante de claras evidências de corrosão
ética. Tivesse o país tomado as medidas cabíveis a cada problema emergido, os
absurdos, os vexames, os desvios psicocomportamentais não teriam prosperado.
É por conta dessa normalização,
dessa trivialização, expressa pela condescendência abjeta, a transigência
despudorada, a fraqueza humilhante, que uns e outros passaram a se considerar
acima do Bem e do Mal. Nesse sentido, como dizia José Saramago, dramaturgo,
poeta, escritor português e Prêmio Nobel da Literatura, em 1988, “A única
maneira de liquidar o dragão é cortar-lhe a cabeça, aparar-lhe as unhas não
serve de nada”.
terça-feira, 16 de setembro de 2025
PEC da Blindagem, a PEC da Anistia e muito mais da antidemocracia nacional
PEC da
Blindagem, a PEC da Anistia e muito mais da antidemocracia nacional
Por Alessandra
Leles Rocha
A pergunta a se fazer nesse
momento, no Brasil, é: por que a Democracia nacional vive “arrastando
correntes”? Bem, a democracia é mais do que uma forma de governo; é um
processo social contínuo de participação popular, igualdade e exercício da
soberania, onde os cidadãos, empoderados, exercem poder político e social tanto
através de representação quanto através da participação direta em suas
comunidades e na vida pública.
Algo que se traduz extremamente
desconfortável e desagradável para as elites dominantes no país, porque se veem
ameaçadas pela construção de espaços onde a vontade popular pode ser exercida;
bem como, a escuta de diferentes opiniões e o respeito aos direitos de todos
sejam garantidos.
E isso é muito, considerando-se
uma historicidade marcada pelas vontades e quereres dessa ínfima parcela, que
sempre ostentou seu protagonismo nos poderes, nas influências e sobre o
controle social.
Por isso, a Câmara dos Deputados se
coloca a todo vapor para votar a chamada PEC da Blindagem, buscando que eventuais
ações judiciais, mandados de busca e apreensão e investigações contra
parlamentares só podem ser realizadas mediante aprovação da Mesa Diretora da
Câmara ou do Senado, à exceção de casos de flagrante delito. Além disso, Mesa
teria um prazo de dez dias para aprovar ou rejeitar o pedido.
O que fazem os nobres deputados e
senadores, diante dessa manifestação de escárnio e abuso de poder, é contrariar,
de maneira explícita, o artigo 5º, da Constituição Federal de 1988, que diz “Todos
são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se
aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do
direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade”.
Aliás, sob certa ótica, é bom que
não sejamos iguais! Afinal, essa Proposta de Emenda Constitucional demonstra a
susceptibilidade e a vulnerabilidade ética e moral, de certos representantes
político-partidários.
Cientes da sua intenção em
praticar a antidemocracia, ou seja, executando ações e comportamentos que visam
minar, deslegitimar ou impedir o funcionamento do sistema democrático, tais como
a tentativa de desacreditar instituições, contestar resultados eleitorais
legítimos, ameaçar o Estado de Direito ou deslegitimar os poderes
constitucionais, eles se colocam em posição de importância resguardada por lei,
para não sofrerem nenhum tipo de sanção e/ou punição.
Veja, não havendo a intenção
de cometer alguma ação delituosa não há necessidade de nenhum instrumento de
salvaguarda, concorda? Assim, o que
se tem bem diante do nariz é um sinal claro de que esses indivíduos não querem
abdicar das velhas práxis nacionais.
O que significa, por exemplo, o desvio
de verbas públicas, a apropriação de bens públicos, a prática de suborno, a ineficiência,
o desperdício, a troca de favores por apoio político, o favorecimento de amigos
e parentes na ocupação de cargos públicos, o uso de verbas para interesses
privados conhecido como Clientelismo, a disseminação de notícias falsas para
influenciar a opinião pública, a censura e o cerceamento da liberdade de
imprensa, a manipulação do debate
público, a tentativa de limitar a ação de outros poderes, a desqualificação de
instituições, e a adoção de políticas que perpetuam a desigualdade social.
E, agora, depois de a 1ª Turma do
Supremo Tribunal Federal (STF) condenar os oito réus do Núcleo 1 da ação por
tentativa de golpe de Estado, o desagrado, o desconforto e, até mesmo, uma
pontinha de indignação, emergiram com todo ímpeto e fúria, por parte do
Congresso Nacional, como resposta do seu desdém democrático.
Daí a PEC da Blindagem, a PEC da
Anistia e tudo mais que possa traduzir a alma antidemocrática desses elementos que
representam o espectro político-partidário de Direita, no Brasil.
Inclusive, porque eles acreditam
que é preciso fragilizar a teoria dos pesos e contrapesos, o qual postula a separação
de poderes entre o Executivo, o Legislativo e o Judiciário, a fim de evitar que
questões de grande repercussão política ou social sejam levadas para resolução
do Poder Judiciário, em vez de serem resolvidas por meio de processos
legislativos ou políticos.
Acontece que a chamada "judicialização"
tem ocorrido, com certa frequência, no Brasil, em razão de que as outras
esferas do governo não resolveram os problemas em tempo hábil ou devido à falta
de consenso.
Então, o Poder Judiciário quando
instado a agir, ele assegura a supremacia da Constituição, se colocando como
instância de decisão final em muitos conflitos.
Se assim não o fizesse, poderia
incorrer em crime de prevaricação, ou seja, quando um funcionário público que,
por interesse pessoal ou sentimento, deixa de praticar um ato de ofício, o
retarda ou o pratica de forma contrária à lei.
Diante desse breve exposto,
pode-se dizer que o momento pede atenção. MUITA ATENÇÃO! A Democracia está,
flagrantemente, sendo atacada pela antidemocracia nacional personificada pelas
figuras de certos membros do Congresso Nacional, pertencentes ao seu espectro
político-partidário de Direita. Sim, esses indivíduos estão indóceis com a
repercussão democrática do Brasil, mundo afora.
Acontece que a cada passo dado na
sua trajetória de desatino raivoso, mais essa gente possibilita separar o joio
do trigo da cidadania nacional. Fazendo do momento atual uma possibilidade de
desconstruir velhos paradigmas, com base na materialização de valores e
comportamentos sociais desejáveis ou indesejáveis, com o propósito de edificar um
novo contexto capaz de refletir e influenciar o mundo real.
sexta-feira, 12 de setembro de 2025
Não. Não acabou ...
Não. Não acabou
...
Por
Alessandra Leles Rocha
Ainda que o julgamento da Ação Penal
2668, referente ao Núcleo 1 da ação por tentativa de golpe de Estado, seja um
marco importante para história nacional, ele não encerra definitivamente com as
intenções e as pretensões antidemocráticas, que pairam sobre o Brasil.
Como esquecer a presença de uma gigantesca
bandeira estadunidense, em pleno dia de comemoração da Independência brasileira?
Ou todo o farto acervo de episódios antidemocráticos, anticidadãos, ocorridos
no país, nos últimos anos? A cada momento surge uma nova “cereja do bolo”.
Brincadeiras à parte, esse comportamento
social brasileiro tem muito a dizer. Talvez, agora, muitos consigam perceber o
efeito nefasto da historicidade nacional, em relação à sua herança colonial.
Afinal, a estrutura e organização
social brasileira tem raízes profundas no período colonial, caracterizado pela
exploração de mão de obra escrava, racismo, latifúndio, monocultura e um
sistema patriarcal e elitista, baseado em um poder concentrado nas mãos de
poucos e na exclusão de grande parte da população.
Acontece que, chegado o tempo republicano,
no país, essa base não só permaneceu como se perpetuou, ainda que através de
novas roupagens. Além disso, questões
como o mandonismo, coronelismo e o clientelismo, demonstraram a sua força e importância.
Vejam, por exemplo, o mandonismo,
uma prática social e política onde um indivíduo local, o mandon, exercia
controle autoritário sobre a população, limitando sua autonomia e poder de
decisão, geralmente através do controle de recursos econômicos e sociais, como
a posse de terras.
De seus vieses, emergiu o
coronelismo. Uma complexa estrutura de poder característica do Brasil, entre 1889
e 1930, quando os chamados “coronéis", grandes fazendeiros e políticos
locais, exerciam poder sobre suas populações através de trocas de favores e
violência, controlando votos por meio do voto de cabresto.
Quanto ao clientelismo, trata-se
de uma prática política de troca direta de benefícios materiais ou serviços por
apoio eleitoral, violando assim os critérios públicos e a transparência na
distribuição de recursos estatais, que manteve as oligarquias no poder e a
desigualdade social, com a elite econômica garantindo seus privilégios e
aprofundando a exclusão.
Portanto, apesar de estarmos em pleno
século XXI, parece difícil que essa herança seja extirpada do (in)consciente
coletivo nacional. Algo que faz lembrar a “fábula do elefante
acorrentado", que trata das crenças limitantes, a partir da história de
um elefante grande e poderoso que não se liberta de uma corda fina e uma estaca
pequena, porque, na infância, não teve força para fazê-lo e, com o tempo,
internalizou a crença de que era incapaz de se libertar. De modo que ele nunca
mais tentou testar sua força, aceitando sua impotência e vivendo preso por uma
memória de seu passado, por uma crença antiga, sem questioná-la.
Ocorre que a falta de
protagonismo social, por parte dos 99,9% da população brasileira, ao longo
desses pouco mais de 500 anos de história, resultou na perda do potencial
transformador, tanto individual quanto coletivamente, perpetuando não só as desigualdades;
bem como, limitando a autonomia e o desenvolvimento de habilidades essenciais,
tais como o pensamento crítico, a resiliência e a resolução de problemas.
Se estabeleceu, nesse país, uma
inevitável crença de baixa autoestima, de insegurança e de dependência, a qual
impediu aos cidadãos moldarem suas próprias vidas e o mundo ao seu redor,
segundo sua própria consciência.
Nesse sentido, pode-se dizer sim,
que a identidade nacional foi corrompida e/ou fragilizada por fatores que foram
desde o ciclo de exploração histórica ao patrimonialismo (apropriação do que é
público para uso privado), os quais contribuíram para a falta de participação
popular nos debates públicos e a imposição de interesses particulares.
O que inevitavelmente acentuou não
somente a ausência de autoestima e a hipervalorização do que vem de fora; mas,
a construção do chamado “jeitinho brasileiro" e a aceitação da
corrupção como um traço da identidade. Questões que acabaram resultando em uma identidade
nacional que reflete uma realidade insatisfatória, a qual se permite, então, manifestar
publicamente o desejo projeção em outra imagem.
Bem, foi reconhecendo tais vulnerabilidades
e fragilidades brasileiras, que a "Internacional de Direita" vem
se articulando e se conectando por meio de partidos políticos, movimentos ideológicos,
especialmente de ultradireita, em um contexto transnacional, que abrange diversos
países, incluindo o Brasil.
Ora, o Brasil reluz como
importante expoente, no que se refere à ultradireita global, por conta da sua
articulação de valores conservadores e de discurso antiglobalista, com forte
interconexão e influência entre grupos da direita radical e neofascista nos EUA
e na Europa.
Como escreveram Gilberto Gil e
Caetano Veloso, em 1969, “É preciso estar atento e forte...” 1! O Brasil não pode se abster,
então, da compreensão de que as estratégias, comumente usadas por eles, tais
como o evento CPAC (Conferência Política da Ação Conservadora), tem por
propósito reafirmar, cada vez mais, o país no centro da ultradireita
internacional, promovendo a formação de alianças transnacionais e o intercâmbio
de estratégias para combater o avanço do progressismo, no Brasil e no mundo.
Eles estão convictos na
empreitada de impedir que todo o conjunto de ideias, filosofias e movimentos
sociais e políticos que defendam a evolução e o aperfeiçoamento da condição
humana através da reforma social, do avanço científico e tecnológico, e de
mudanças políticas e econômicas, tenha espaço para se consolidar no território
brasileiro.
Daí a bandeira estadunidense, as sanções
tarifárias, a ingerência arbitrária em relação às decisões do Supremo Tribunal Federal
(STF) e a estigmatização de alguns de seus ministros. É, não se pode acreditar
que está tudo resolvido! Não. Não acabou! Segundo Mário de Andrade, poeta,
romancista e ensaísta brasileiro, “O passado é lição para refletir, não para
repetir”.
Assim, apesar das mudanças profundas
na historicidade não serem tarefas simples, fáceis e rápidas, ainda que
extremamente necessárias, como nesse caso, deve-se continuar empenhando todos
os esforços no sentido de realizá-las. Sobretudo,
tomando como base o alerta de José Saramago, em seu Ensaio sobre a Cegueira
(1995), quando escreveu que “A pior cegueira é a mental, que faz com que não
reconheçamos o que temos pela frente”.
Caso contrário, a repetição de
erros, mentiras e/ou dissimulações, sem análise, reflexão e criticidade, permanecerá
conduzindo as pessoas à estagnação, à confusão e ao sofrimento, na medida em
que passa a existir uma "ilusão da verdade".
E não se pode negar o fato de
que, infelizmente, para muitos (as) brasileiros (as), esse comportamento tem se
mostrado ativo na sua aversão ao desconhecido, mantendo-os (as) na sua velha
zona de conforto e status quo.
Talvez, por isso, é que “Nascer
sabendo é uma limitação porque obriga a apenas repetir e, nunca, a criar,
inovar, refazer, modificar. Quanto mais se nasce pronto, mais refém do que já
se sabe e, portanto, do passado; aprender sempre é o que mais impede que nos
tornemos prisioneiros de situações que, por serem inéditas, não saberíamos
enfrentar” (Mario Sergio Cortella - filósofo, escritor e professor brasileiro).
1 Divino,
maravilhoso (1969) / Compositores: Gilberto Gil / Caetano Veloso - https://www.youtube.com/watch?v=Emu4JrrfpM0
quinta-feira, 11 de setembro de 2025
Dois pesos e duas medidas à luz de uma retumbante vergonha
Dois
pesos e duas medidas à luz de uma retumbante vergonha
Por
Alessandra Leles Rocha
Se engana quem acredita que as
linguagens estão sob o domínio absoluto da razão. Por mais que elas expressem
uma função cognitiva essencial para o pensamento, a expressão de emoções ou a
comunicação social, pelo fato de serem meio através do qual o inconsciente se
expressa, elas permitem a análise e o acesso aos conteúdos ocultos que afetam a
psique e o comportamento humano.
Desse modo, a ideia de “dois
pesos e duas medidas” para explicar a prática da aplicação de critérios de
julgamento diferentes para situações ou pessoas semelhantes, resultando em
injustiça, desonestidade e inconsistência, na verdade, não acaba em si mesma. Afinal,
a linguagem atua como uma ponte entre o consciente e o inconsciente, trazendo à
tona, através da fala, aquilo que pode ser compreendido e transformado,
permitindo que conteúdos ocultos se tornem acessíveis para análise e resolução.
Bem, colocando reparo na vida,
como sugeriu José Saramago 1, nos
deparamos com a maneira com a qual o cotidiano se mostra atravessado, de
diferentes formas, pela hipocrisia, pela contradição, pela falsidade, pela dissimulação,
para tentar se ajustar e caber nos protocolos de pertencimento e sobrevivência social.
Nesse sentido, a historicidade brasileira tem muito a nos dizer e ensinar.
Sim, porque nesses pouco mais de
500 anos, certas práxis comportamentais não mudaram, por aqui. O Brasil
permanece sim, marcado por uma sociedade hierarquizada, patriarcal, simpatizante
do trabalho análogo à escravidão e ao racismo, extremamente desigual, com a concentração
de poder e recursos nas mãos das classes dominantes; bem como, sob forte influência
das religiões cristãs.
Dentro desse contexto, a
hipocrisia existente nas elites coloniais brasileiras continuou existindo
através da discrepância entre os valores professados; sobretudo, o
conservadorismo, e as práticas reais, pelo uso da corrupção para o lucro, a
exploração de mão de obra, o abuso de poder e a manutenção de privilégios
sociais e econômicos.
Algo que consolidou a manutenção
de um sistema de dominação que explora, oprime e marginaliza grande parte da
população, enquanto as elites buscam o enriquecimento a qualquer custo e a
perpetuação de seus interesses.
Entretanto, é importante
destacar, também, o fato de que a lei brasileira sempre demonstrou um
tratamento desigual, punindo mais severamente os pequenos contraventores do que
os criminosos de "colarinho branco", segundo farto registro na
sua historicidade. O que não é difícil entender!
Ora, para manter esse quadro
social, ao longo dos séculos, as classes dominantes vêm trabalhando de forma
corporativista a fim de promover a manutenção de suas regalias, privilégios,
interesses e poderes. Além disso, a formação do judiciário brasileiro remonta à
época colonial, o que significa que seus representantes sempre estiveram
ligados às elites, inclusive, as metropolitanas.
Portanto, até o início do século
XIX, quando foram criadas as primeiras faculdades de Direito, no país, os
futuros bacharéis, juízes e promotores eram formados no exterior, principalmente,
em Portugal. Portanto, somente os filhos de famílias abastadas tinham acesso ao
ensino superior.
Em pleno século XXI, embora essa
realidade tenha mudado e a acessibilidade ao ensino universitário, nos mais
diversos campos do conhecimento, esteja em curso, quem permanece ocupando os
principais espaços da Justiça nacional são, na maioria, indivíduos oriundos das
classes dominantes.
O que explica porque não causa estranhamento,
quando a justiça é operada de maneira flagrantemente assimétrica, por conta do status
quo do cidadão. Trata-se de uma reafirmação do tal corporativismo social, o
que o torna eticamente questionável.
Assim, traduzindo em miúdos, o
judiciário brasileiro quando se permite dar voz ao seu ranço colonial, ou seja,
às suas crenças, valores, princípios e convicções absolutamente retrógradas, ele
admite publicamente à sua total disposição em ratificar a sua satisfação em
garantir todos os privilégios, regalias, interesses e poderes das classes
dominantes.
Bem como, demonstra a sua total
incapacidade de conhecer a fundo as demandas que recortam a diversidade e a
pluralidade social brasileira, por se manter ensimesmado na sua bolha pessoal. O
que não só o descreve como membro de um sistema social que privilegia as elites
em detrimento do restante da população, como faz questão de manifestar uma
atitude de quem se considera superior por pertencer a esse grupo.
Então, nesses momentos, não posso
deixar de compartilhar com Rui Barbosa, político, jurista, diplomata e escritor
brasileiro, o conforto da mesma utopia: “Saudade da justiça imparcial,
exata, precisa. Que estava ao lado da direita, da esquerda, centro ou fundos.
Porque o que faz a justiça é o ‘ser justo’. Tão simples e tão banal. Tão puro.
Saudade da justiça pura, imaculada. Aquela que não olha a quem nem o rabo de
ninguém. A que não olha o bolso também. Que tanto faz quem dá mais, pode mais,
fala mais. Saudade da justiça capaz”.
1 “Se
podes olhar, vê. Se podes ver, repara”. Epígrafe do livro "Ensaio sobre a
cegueira" (1995), citando o "Livro dos Conselhos" de El-Rei D.
Duarte.
quarta-feira, 10 de setembro de 2025
Nenhum progresso acontece sem mudança
Nenhum
progresso acontece sem mudança
Por
Alessandra Leles Rocha
Já dizia Eduardo Galeano, “Somos
o que fazemos, mas somos, principalmente, o que fazemos para mudar o que somos”.
Lembrei-me dessa citação, olhando atentamente para o momento atual da sociedade
brasileira, o qual está permeado por idiotice, por idolatria, por ignorância, por
anticidadania, por antidemocracia, por radicalismo.
Bem, qualquer mudança está
fundamentada em vários aspectos. É preciso disposição, racionalidade e despojamento,
tanto do ponto de vista individual quanto coletivo e circunstancial, para se
colocar a mão na massa e mudar. Afinal de contas, mudar é um exercício e, como
tal, impõe tempo, cansaço, desgaste, trabalho, ...
Razão pela qual, muita gente, por
aí, acaba permanecendo inerte, imóvel, na mais absoluta zona de conforto, desfrutando
das conveniências que o seu imobilismo proporciona, apesar dos pesares.
Uma pena, porque o ideal seria “Desaprender
para aprender. Deletar para escrever em cima. Houve um tempo em que eu pensava
que, para isso, seria preciso nascer de novo, mas hoje sei que dá pra renascer
várias vezes nesta mesma vida. Basta desaprender o receio de mudar”
(Martha Medeiros 1).
Mas, como a realidade nem sempre
se coaduna com o ideal, as mudanças, na maioria das vezes, passam
despercebidas, negligenciadas, postergadas, esquecidas. Acontece que, apesar do
não fazer ser uma escolha, ele não deixa de ser uma decisão e, por isso, tem consequências,
desdobramentos, reverberações, os quais, nem sempre, são positivos.
Nesse contexto, a historicidade
social brasileira tem muito a contar. Basta olhar para a assimétrica estratificação
da sociedade, para compreender o papel das estruturas militares na manutenção e
na garantia dos poderes e dos interesses das elites dominantes.
Tanto que a relação entre o
militarismo e a política no Brasil é marcada por intervenções e apoio
civil-militar, em diferentes momentos da história, os quais, muitas delas culminaram
em golpes de Estado e ditaduras.
No entanto, apesar dos processos
de retirada dos militares da política, com o respaldo de setores da sociedade
civil e militar, a grande verdade é que desde a Primeira República, a
politização de militares foi incentivada, e a atuação militar na política
sempre envolveu coalizões com civis, fossem eles governistas ou de oposição.
De modo que, nas últimas décadas,
especialmente após a Lei da Anistia (lei n° 6.683, de 28 de agosto de 1979), que
deixou um rastro de insatisfação entre certos segmentos da sociedade, especialmente
entre os elementos das elites dominantes, a politização dos militares voltou a
ser alimentada por setores civis.
O resultado disso foi uma nova tentativa
de Golpe de Estado, no Brasil, que se desenrolou ao longo do governo anterior, com
participação direta de militares, dos mais diversos escalões das forças
armadas.
Embora os fatos tenham sido
apurados e estejam sendo julgados, agora, pelo Supremo Tribunal Federal (STF),
em ação de grande ineditismo na história nacional, a politização de militares
permanece uma questão de suma importância a ser resolvida.
Haja vista, o fato noticiado pela
imprensa nacional, em que o governador do Estado de São
Paulo, aliado de primeira ordem do ex-Presidente da República e réu na Ação
Penal (AP) 2.668, que trata da tentativa de golpe de Estado, esteve presente em
uma cerimônia de promoção de 16 generais, da sua turma de formação na Academia
Militar das Agulhas Negras (AMAN), em um quartel do Exército, e depois se
dirigiu para a residência do ex-Presidente 2.
Considerando que há uma clara
tensão existente, por conta da polarização político-partidária, que envolve
também o julgamento da Ação Penal (AP) 2.668, no país, a postura do governador
do Estado de São Paulo, nessa e em outras recentes situações, tem deixado claro
a sua intenção em demonstrar algum tipo de força e articulação política, entre
civis e militares.
O que significa que, apesar dos gravíssimos
acontecimentos recentes na República Federativa do Brasil, as crenças, os
valores, os princípios e as convicções, dos apoiadores e simpatizantes dos
espectros políticos de Direita, parecem refratárias às mudanças. Portanto, um
sinal de flagrante risco e ameaça à Democracia, ao Estado de Direito e ao
Brasil.
Razão pela qual, hoje, em Genebra,
o relator da Organização das Nações Unidas (ONU) sobre Memória, Verdade e
Justiça, fará um alerta sobre a necessidade de o Brasil rever a Lei da Anistia,
relativa à Ditadura Militar entre 1964 e 1985; bem como, de promover uma
reforma estrutural nas Forças Armadas brasileiras a fim de acabar com o grave déficit
democrático presente nelas 3.
Por isso, traçando-se uma linha
temporal a respeito desse assunto, o papel do Ministério da Defesa, enquanto
responsável por assegurar a soberania e os interesses nacionais, reunir as
forças militares e o componente civil sob uma visão estratégica única, torna-se
fundamental uma postura mais enfática e incisiva em prol das mudanças urgentes
e necessárias no setor.
Relembrando as palavras de Paulo Coelho,
escritor brasileiro, “As pessoas reclamam muito, mas se acovardam na hora
de tomar providências. Querem que tudo mude, mas elas mesmas se recusam a mudar”.
Por isso, quando se fala tanto em soberania, o Brasil deve enfrentar o seu passado
de ditaduras nefastas a fim de aspirar pela concretização de um futuro
verdadeiramente democrático e cidadão.
Afinal, “Não é triste mudar de
ideias, triste é não ter ideias para mudar” (Barão de Itararé - jornalista,
escritor e humorista político brasileiro). Não dá mais para continuar negando,
fingindo, esquivando de reconhecer que “O progresso é impossível sem
mudança; e aqueles que não conseguem mudar as suas mentes não conseguem mudar
nada” (George Bernard Shaw – dramaturgo, romancista irlandês, Prêmio
Nobel de Literatura em 1925).
1 Montanha-russa.
Porto Alegre: L&PM Editores, 2003. Trecho da crônica "Aprendendo a
desaprender".














