domingo, 25 de agosto de 2024

Antes que seja tarde demais!

Antes que seja tarde demais!

 

Por Alessandra Leles Rocha

 

Os céus do Brasil cobertos por uma espessa fumaça que sobe das queimadas. Sim, biomas importantes estão ardendo em chamas. Não bastasse as mudanças climáticas que vêm afetando o planeta, como um todo, esse já seria um período de baixos volumes pluviométricos e de umidade relativa do ar preocupante, para o país. Razão pela qual deveríamos estar atentos aos desdobramentos desse cenário.

Acontece que as chamas e a fumaça são apenas o ponto de partida de uma história bem antiga. Ao contrário de um problema do século XXI, as queimadas no Brasil remontam das práxis empregadas durante o período colonial. Aos que não se recordam, esse país foi uma colônia de exploração, e os latifúndios fazem parte dessa herança.

Já no século XVI, após a chegada dos representantes da metrópole portuguesa na Terra Brasilis, o processo de uso e ocupação do solo, através das chamadas Capitanias Hereditárias, abriu os caminhos para os grandes latifúndios, cujo propósito era produzir gêneros alimentícios com fins de exportação.

Assim, começou a sina de degradação sumária dos biomas nacionais, utilizando do desmatamento e do fogo, para que grandes extensões de terra passassem a ser ocupadas para produção agrícola e para a pecuária. No entanto, esse panorama não se modificou com o passar do tempo. Ao contrário, ele foi intensificado, de modo que certas áreas, como o bioma Amazônico, passaram a ser alvo desse processo exploratório.

Um dos aspectos que chama muita atenção nessa dinâmica, não é necessariamente o fato de o Brasil se manter tão obcecado e atrelado aos interesses exportadores do agronegócio; mas, de persistir nas retrógradas práxis do período colonial, como no caso dos desmatamentos e das queimadas. Processo amplamente condenado, não somente pelos riscos que impõe à população, sob diferentes formas; bem como, pelo impacto degradador do solo e de outros recursos naturais envolvidos.

Ora, em pleno século XXI, em que o mundo repete exaustivamente o mantra da Sustentabilidade Socioambiental por meio de uma Economia Verde, a qual se sustenta na lógica da produção, da distribuição e do consumo aliados efetivamente às preocupações de inclusão social, consumo consciente e preservação ambiental, o Brasil persegue o seu passado como o modelo a ser seguido.   

Diante disso, temos muito a refletir com vistas à transformação. Primeiro, porque os latifúndios brasileiros nos dão a exata dimensão da desimportância da segurança alimentar, no país, quando o que se produz é escolhido a dedo para atender aos interesses do comércio exterior. Nossas commodities agrícolas não passam de produtos primários comercializados “in natura” ou com baixo teor de industrialização, figurando como principais exemplos a soja, a laranja, o milho, o café, o trigo, o açúcar e o algodão.

A grande massa da população brasileira permanece, portanto, à margem da atenção de seus governos, quando o assunto é atendê-la nas suas demandas de alimentação. Seja em suficiência, em valor de aquisição, em diversidade e em qualidade. Simplesmente, porque o país aceita permanecer subserviente além-mar, como nos velhos tempos coloniais.

Segundo, porque toda a repercussão, em termos de impactos ambientais negativos, advindos desse modelo exploratório, é sustentado pela própria população. Seja por um ar irrespirável e contaminado pela poluição oriunda das queimadas, que gera problemas respiratórios severos e acentua a exposição humana aos ataques de microorganismos patogênicos. Seja pela destruição deliberada dos recursos naturais, a qual repercute no agravamento da crise climática global; sobretudo, quanto aos regimes pluviométricos. Seja pela utilização de agrotóxicos e outros agentes químicos, no intuito de tentar recuperar solos demasiadamente castigados pelo fogo, escassez hídrica e pastagem indiscriminada.  

Afinal, não se pode negar como essa dinâmica vem contribuindo para o agravamento do adoecimento populacional. O acirramento desses cenários tem comprometido o equilíbrio e o bem-estar social, nas diferentes regiões do país, porque os ecossistemas foram afetados diretamente na sua lógica funcional. Estamos sob um regime de extremos em relação ao meio ambiente.

Por fim, e não menos importante, porque o Estado brasileiro legitima essa série de absurdos na medida em que se permite fomentar esse modelo, através de diferentes formas de incentivo à produção e à isenção de impostos. O Brasil que se gaba dos números do PIB (Produto Interno Bruto) para o agronegócio, como se tudo fosse perfeito e as mil maravilhas, infelizmente, não exige um alinhamento do setor produtivo à realidade sustentável contemporânea. Nossos produtos trazem em si as marcas do desmatamento, das queimadas, da grilagem, enfim.

Acontece que o fiador dessa relação equivocada é a população. No fim das contas, a grande massa que ocupa a base da pirâmide social brasileira é quem custeia os prejuízos desse sistema de produção. Pagamos caro por uma alimentação nem sempre adequada e satisfatória aos parâmetros de segurança alimentar. Enfrentamos o desabastecimento de certos produtos, pela ausência de um mercado regulador interno, operando satisfatoriamente. Arcamos com o desperdício de alimentos ao longo dos processos de distribuição e comercialização. ...

Portanto, quando vemos os céus do Brasil cobertos por uma espessa fumaça que sobe das queimadas, precisamos ver além, sentir além, pensar além. Não basta que os incêndios sejam combatidos e exterminados. Não basta que os promotores desse caos sejam responsabilizados. Toda vez que o cheiro de queimado invadir o nosso nariz, irritar os nossos olhos, prejudicar a nossa respiração, que ele cumpra o seu papel de nos lembrar da necessidade urgente de exigirmos uma ruptura com nossos históricos paradigmas exploratórios. Porque a demora pode representar a legitimação do fim, ou seja, de uma impossibilidade real de sobrevivência para nós e para o país.