Antes que
seja tarde demais!
Por Alessandra
Leles Rocha
Os céus do Brasil cobertos por
uma espessa fumaça que sobe das queimadas. Sim, biomas importantes estão
ardendo em chamas. Não bastasse as mudanças climáticas que vêm afetando o planeta,
como um todo, esse já seria um período de baixos volumes pluviométricos e de
umidade relativa do ar preocupante, para o país. Razão pela qual deveríamos estar
atentos aos desdobramentos desse cenário.
Acontece que as chamas e a fumaça
são apenas o ponto de partida de uma história bem antiga. Ao contrário de um
problema do século XXI, as queimadas no Brasil remontam das práxis empregadas
durante o período colonial. Aos que não se recordam, esse país foi uma colônia de
exploração, e os latifúndios fazem parte dessa herança.
Já no século XVI, após a chegada
dos representantes da metrópole portuguesa na Terra Brasilis, o processo
de uso e ocupação do solo, através das chamadas Capitanias Hereditárias, abriu
os caminhos para os grandes latifúndios, cujo propósito era produzir gêneros alimentícios
com fins de exportação.
Assim, começou a sina de
degradação sumária dos biomas nacionais, utilizando do desmatamento e do fogo, para
que grandes extensões de terra passassem a ser ocupadas para produção agrícola
e para a pecuária. No entanto, esse panorama não se modificou com o passar do
tempo. Ao contrário, ele foi intensificado, de modo que certas áreas, como o
bioma Amazônico, passaram a ser alvo desse processo exploratório.
Um dos aspectos que chama muita
atenção nessa dinâmica, não é necessariamente o fato de o Brasil se manter tão
obcecado e atrelado aos interesses exportadores do agronegócio; mas, de persistir
nas retrógradas práxis do período colonial, como no caso dos desmatamentos e das
queimadas. Processo amplamente condenado, não somente pelos riscos que impõe à
população, sob diferentes formas; bem como, pelo impacto degradador do solo e de
outros recursos naturais envolvidos.
Ora, em pleno século XXI, em que
o mundo repete exaustivamente o mantra da Sustentabilidade Socioambiental por
meio de uma Economia Verde, a qual se sustenta na lógica da produção, da
distribuição e do consumo aliados efetivamente às preocupações de inclusão
social, consumo consciente e preservação ambiental, o Brasil persegue o seu
passado como o modelo a ser seguido.
Diante disso, temos muito a
refletir com vistas à transformação. Primeiro, porque os latifúndios brasileiros
nos dão a exata dimensão da desimportância da segurança alimentar, no país,
quando o que se produz é escolhido a dedo para atender aos interesses do comércio
exterior. Nossas commodities agrícolas não passam de produtos primários
comercializados “in natura” ou com baixo teor de industrialização,
figurando como principais exemplos a soja, a laranja, o milho, o café, o trigo,
o açúcar e o algodão.
A grande massa da população
brasileira permanece, portanto, à margem da atenção de seus governos, quando o
assunto é atendê-la nas suas demandas de alimentação. Seja em suficiência, em
valor de aquisição, em diversidade e em qualidade. Simplesmente, porque o país aceita
permanecer subserviente além-mar, como nos velhos tempos coloniais.
Segundo, porque toda a
repercussão, em termos de impactos ambientais negativos, advindos desse modelo exploratório,
é sustentado pela própria população. Seja por um ar irrespirável e contaminado
pela poluição oriunda das queimadas, que gera problemas respiratórios severos e
acentua a exposição humana aos ataques de microorganismos patogênicos. Seja pela
destruição deliberada dos recursos naturais, a qual repercute no agravamento da
crise climática global; sobretudo, quanto aos regimes pluviométricos. Seja pela
utilização de agrotóxicos e outros agentes químicos, no intuito de tentar
recuperar solos demasiadamente castigados pelo fogo, escassez hídrica e
pastagem indiscriminada.
Afinal, não se pode negar como
essa dinâmica vem contribuindo para o agravamento do adoecimento populacional. O
acirramento desses cenários tem comprometido o equilíbrio e o bem-estar social,
nas diferentes regiões do país, porque os ecossistemas foram afetados
diretamente na sua lógica funcional. Estamos sob um regime de extremos em
relação ao meio ambiente.
Por fim, e não menos importante,
porque o Estado brasileiro legitima essa série de absurdos na medida em que se
permite fomentar esse modelo, através de diferentes formas de incentivo à
produção e à isenção de impostos. O Brasil que se gaba dos números do PIB
(Produto Interno Bruto) para o agronegócio, como se tudo fosse perfeito e as
mil maravilhas, infelizmente, não exige um alinhamento do setor produtivo à
realidade sustentável contemporânea. Nossos produtos trazem em si as marcas do
desmatamento, das queimadas, da grilagem, enfim.
Acontece que o fiador dessa
relação equivocada é a população. No fim das contas, a grande massa que ocupa a
base da pirâmide social brasileira é quem custeia os prejuízos desse sistema de
produção. Pagamos caro por uma alimentação nem sempre adequada e satisfatória aos
parâmetros de segurança alimentar. Enfrentamos o desabastecimento de certos
produtos, pela ausência de um mercado regulador interno, operando satisfatoriamente.
Arcamos com o desperdício de alimentos ao longo dos processos de distribuição e
comercialização. ...
Portanto, quando vemos os céus do Brasil cobertos por uma espessa fumaça que sobe das queimadas, precisamos ver além, sentir além, pensar além. Não basta que os incêndios sejam combatidos e exterminados. Não basta que os promotores desse caos sejam responsabilizados. Toda vez que o cheiro de queimado invadir o nosso nariz, irritar os nossos olhos, prejudicar a nossa respiração, que ele cumpra o seu papel de nos lembrar da necessidade urgente de exigirmos uma ruptura com nossos históricos paradigmas exploratórios. Porque a demora pode representar a legitimação do fim, ou seja, de uma impossibilidade real de sobrevivência para nós e para o país.