segunda-feira, 4 de dezembro de 2023

Vida. Arte. Realidade. Ficção.


Vida. Arte. Realidade. Ficção.

 

Por Alessandra Leles Rocha

 

Dizia Oscar Wilde, “A vida imita a arte muito mais do que a arte imita a vida...”. Acompanhando as notícias sobre a situação socioambiental dramática, em Maceió, não pude deixar de me lembrar dessas palavras, tendo em vista a sua mais absoluta assertividade.

Bem como, de dois filmes extraordinários, baseados em fatos reais, que discutem a questão ambiental da mesma perspectiva do caso de Maceió, ou seja, o poder capital se sobrepondo à sustentabilidade socioambiental.

Erin Brockovich – Uma mulher de talento (2000) traz a história de uma das maiores indenizações já judicializadas, nos EUA, contra uma grande corporação, por contaminação de água com cromo hexavalente, cujos efeitos tóxicos sobre o organismo humano incluem elevado potencial cancerígeno 1.  

Minamata (2020) traz a história de como o mundo soube da realidade dos moradores de Minamata, uma cidade japonesa costeira, que haviam sido contaminados pelo mercúrio despejado no mar, por uma poderosa fabricante de produtos químicos 2.

Pois é, as afrontas à sustentabilidade socioambiental não são um privilégio exclusivo do Brasil; mas, uma realidade globalmente comum, imposta pela industrialização. Em nome do ter, do progresso, do capital, da ganância, ... as sociedades se renderam aos apelos e pressões advindas dessa complexa teia industrial.

Queiram ou não admitir; mas, a industrialização, desde o seu início, ainda na segunda metade do século XVIII, já escrevia através das suas diferentes expressões, a sua titularidade como arautos de um flagelo premeditado 3 , que arrastam o peso do “invisível” sobre a vida 4.

Mas, em termos de análise socioambiental, é fundamental separar o joio do trigo, quando das responsabilidades a serem apontadas.  Indústrias, as grandes corporações e conglomerados, por mais conscientes do seu papel impactante e degradador, apenas cumprem a tarefa de oferecer o seu “serviço”. De modo que cabe às autoridades responsáveis, aos governos, decidir se aceitam ou não.

Assim, por mais que, em pleno século XXI, depois de inúmeras tragédias ocorridas ao redor do planeta, não seja possível fugir da lógica de que, apesar de todo o arcabouço de leis, códigos, doutrinas, estudos científicos, que sustentam e amparam as políticas socioambientais, o que permite a ocorrência e a reincidência dos episódios de destruição é a força brutal do capitalismo industrial.

Infelizmente, grandes poluidores e destruidores do meio ambiente se valem dos volumosos montantes de dinheiro, oriundos das suas atividades, para investir em estratégias maciças de marketing ambiental. A fim de encobrir as suas gravíssimas e nefastas agressões ao meio ambiente e, especialmente, à população. Tornando o discurso da sustentabilidade socioambiental, uma fala enviesada, distorcida, desconectada da realidade.

Vejam, no caso brasileiro, por exemplo, que a legislação ambiental é robusta e bastante ampla. Então, não é por falta de leis, o problema. O desafio decorre da fragilidade de fiscalização, da carência de responsabilização dos infratores, dos arranjos político-partidários, de velhas práxis que remontam dos tempos em que o país era só uma colônia de exploração, a serviço de uma metrópole europeia.

Bom, até o momento, tudo parecia fluir dentro desse roteiro. No entanto, o mundo dá voltas! E como dá! Pouco mais de 500 anos depois, a realidade socioambiental brasileira é outra e ganhou um, algo mais, para tensioná-la. Diante da emergência climática que vive o planeta, as condições naturais tendem a não responder, como de costume, à imprevisibilidade e à violência dos episódios.

Estamos diante da reverberação exacerbada dos efeitos antrópicos. As ações antrópicas produzidas afetaram o equilíbrio socioambiental, o que significa efeito estufa, aquecimento global, elevação das águas oceânicas, alterações pluviométricas, ... Então, agora, esse desequilíbrio responde intempestivamente sobre as ações antrópicas, ou seja, urbanização, industrialização, uso e ocupação irregular do solo, ...

De modo que, tomando o próprio caso de Maceió, como exemplo, basta uma chuva torrencial sobre a área em iminência de desabamento, para que o mesmo chegue a termo, dada a total instabilidade que a ação antrópica de mineração criou naquele local. Tudo pode se tornar o estopim para o caos, considerando que não há meios para reverter a situação.

O dinheiro que fez a alegria de uns e outros, agora, não é capaz de resolver o problema que ajudou a criar! E esse tende a ser um retrato a se repetir muitas e muitas vezes, porque o ônus da imprudência, da imprevisibilidade, da irresponsabilidade, da ganância, da corrupção, ... vai começar a mostrar a sua cara, cada vez mais amiúde.

Afinal de contas, até aqui, nenhum evento socioambientalmente desolador foi capaz de parar a cobiça do mundo industrial. Com os recursos obtidos eles abafam as repercussões negativas, criam campanhas publicitárias enganosas, arrastam processos na justiça; mas, não resolvem o problema em si. Como mostra o caso de Maceió.

Portanto, é fundamental entender e discutir esse assunto, porque ele vai além dos impactos socioambientais em si. Esses abusos de poder, essas negligências, essas arbitrariedades, estão desenhando um quadro gravíssimo de refugiados internos, ou seja, dentro do próprio país. Gente forçosamente deslocada de seu território natural, em razão de conjunturas antrópicas nefastas.

Sim, porque uma vez estabelecida a impossibilidade de viver naquele lugar, por conta da mais absoluta ruptura do equilíbrio ambiental, essas pessoas terão que recomeçar um processo de readaptação para sobreviver em uma nova realidade socioespacial.  O que implica em desafios como, por exemplo, xenofobia.

Assim, mais uma vez, vou citar José Saramago. Dessa vez, ele chega como a mais perfeita síntese para a minha breve reflexão, ou seja, “Estamos a destruir o planeta e o egoísmo de cada geração não se preocupa em perguntar como é que vão viver os que virão depois. A única coisa que importa é o triunfo do agora. É a isto que eu chamo a cegueira da razão”; pois, “a pior cegueira é a mental, que faz com que não reconheçamos o que temos pela frente” (Ensaio sobre a Cegueira, 1995).