terça-feira, 29 de agosto de 2023

O mundo e suas (in)certezas


O mundo e suas (in)certezas

 

Por Alessandra Leles Rocha

 

Enquanto uma gigantesca parcela da população refuta admitir o peso da existência do Efeito Borboleta sobre a dinâmica cotidiana do mundo, se deixando levar por uma frenética corrida de ambições e um poder desmedido, as certezas se esvaem como fumaça. Por mais que as grandes decisões sejam tomadas a partir de uma análise mais ampla, foge ao controle de qualquer pessoa alguns detalhes e imprevisibilidades que cruzam o caminho de maneira decisiva.

Nesse contexto, um ponto merece total atenção. Não há questão social que não seja atravessada pela Economia. Pode até parecer clichê; mas, o dinheiro é sim, a mola do mundo. E por essa razão, talvez, seja o momento de enfrentar a dura realidade de que o sistema capitalista, formulado a partir da esteira da Revolução Industrial, na segunda metade do século XVIII, esgotou frente ao próprio curso evolutivo da humanidade.

Mais do que nunca, a concentração de renda nas mãos de uma ínfima minoria tornou-se uma ameaça ao próprio planeta, na medida em que repercute as piores consequências e desdobramentos no espectro das desigualdades sociais 1. A base da pirâmide é o que sustenta o topo e se ela entra em colapso, por conta da insatisfação de demandas básicas e fundamentais, a estrutura rui.

Acontece que, por mais óbvio que isso seja, parece difícil que as elites dominantes abdiquem das velhas práxis, porque isso significa admitir que os tempos são outros. Algo que faz soar como um panorama de fragilidade e de vulnerabilização do poder que sempre ostentaram e sinaliza uma ameaça ao equilíbrio das suas zonas de conforto. Ainda que, a princípio, não se signifique necessariamente uma inversão de posição entre dominantes e dominados, ela aponta para uma desestabilização dessa dominância.

Sim, quanto mais a base da pirâmide se amplia, menos dominadores permanecem no jogo. Sem contar que essa maioria passa a exercer uma pressão descomunal sobre os interesses do topo, porque passa por ela o sucesso ou o fracasso do desenvolvimento e do progresso. Pois é, para quem acredita que as desigualdades não sejam um problema, aí está a prova de que são sim. O massacre social imposto pelo modelo capitalista vigente acabou prejudicando a si mesmo.

Pensar que o peso de todo o ônus do sistema poderia ser carregado pela parcela dominada foi um grande erro. As engrenagens da produção e do consumo precisam estar equilibradamente alinhadas para garantir o seu fluxo natural. Quando a grande massa da população é soterrada por impostos, tributos, baixos salários, condições indignas de trabalho e sobrevivência, os reflexos sobre as atividades produtivas e a vazão do consumo são nefastos. Mas, por incrível que pareça, ainda há, em pleno século XXI, quem aceite e permita, por exemplo, a existência de mão de obra análoga à escravidão.

Entretanto, a reflexão em torno dessa situação vai bem mais além. Praticamente 300 anos depois da 1ª Revolução Industrial, o mundo contemporâneo vive um divisor de águas nas relações de trabalho, a partir do ápice da inovação científica e tecnológica, representada, principalmente, pela inteligência artificial. Observe que “A previsão é de que, até 2025, 85 milhões de empregos no mundo desaparecerão por conta da tecnologia, indica o estudo do Fórum Econômico Mundial (WEF, sigla em inglês)” 2, enquanto a expectativa de criação de novas oportunidades gira em torno de 69 milhões.

Fato é que a defasagem numérica apresentada, por si só, aponta para um recrudescimento do empobrecimento global já existente, ao mesmo tempo em que implicará na desaceleração do enriquecimento das elites e no acirramento das desigualdades, de modo que, a produção ficará comprometida pela inexistência de mercado consumidor suficiente.

Algo compartilhado pela Organização das Nações Unidas (ONU) quando “alerta para o aumento da pobreza e das desigualdades dentro e entre os países, aliado às crises econômicas e sociais dos últimos anos”, o que significa que “A nova realidade global inclui perturbações econômicas ligadas à globalização e à tecnologia, transformações demográficas expressivas, fluxos migratórios crescentes e situações de fragilidade que levam mais tempo” 3.

Bem, diante do exposto só posso recordar as seguintes palavras de Paulo Freire: “E uma das condições necessárias a pensar certo é não estarmos demasiado certos de nossas certezas”. Afinal, ter certeza é mesmo uma convicção tola. Certeza de que, quando a própria condição humana é mutável! Somos, por excelência, seres inacabados, em franca transformação. E, talvez, seja essa força invisível que faz mover as asas de todas as borboletas mundo afora, nesse balé caótico que reafirma cada vez mais a inexistência de um “para sempre” idealizado, como querem tantos acreditar.