O mundo e
suas (in)certezas
Por Alessandra
Leles Rocha
Enquanto uma gigantesca parcela
da população refuta admitir o peso da existência do Efeito Borboleta sobre a dinâmica
cotidiana do mundo, se deixando levar por uma frenética corrida de ambições e
um poder desmedido, as certezas se esvaem como fumaça. Por mais que as grandes decisões
sejam tomadas a partir de uma análise mais ampla, foge ao controle de qualquer
pessoa alguns detalhes e imprevisibilidades que cruzam o caminho de maneira
decisiva.
Nesse contexto, um ponto merece
total atenção. Não há questão social que não seja atravessada pela Economia. Pode
até parecer clichê; mas, o dinheiro é sim, a mola do mundo. E por essa razão,
talvez, seja o momento de enfrentar a dura realidade de que o sistema
capitalista, formulado a partir da esteira da Revolução Industrial, na segunda
metade do século XVIII, esgotou frente ao próprio curso evolutivo da
humanidade.
Mais do que nunca, a concentração
de renda nas mãos de uma ínfima minoria tornou-se uma ameaça ao próprio
planeta, na medida em que repercute as piores consequências e desdobramentos no
espectro das desigualdades sociais 1. A base
da pirâmide é o que sustenta o topo e se ela entra em colapso, por conta da
insatisfação de demandas básicas e fundamentais, a estrutura rui.
Acontece que, por mais óbvio que
isso seja, parece difícil que as elites dominantes abdiquem das velhas práxis,
porque isso significa admitir que os tempos são outros. Algo que faz soar como
um panorama de fragilidade e de vulnerabilização do poder que sempre ostentaram
e sinaliza uma ameaça ao equilíbrio das suas zonas de conforto. Ainda que, a princípio,
não se signifique necessariamente uma inversão de posição entre dominantes e
dominados, ela aponta para uma desestabilização dessa dominância.
Sim, quanto mais a base da pirâmide
se amplia, menos dominadores permanecem no jogo. Sem contar que essa maioria
passa a exercer uma pressão descomunal sobre os interesses do topo, porque
passa por ela o sucesso ou o fracasso do desenvolvimento e do progresso. Pois é,
para quem acredita que as desigualdades não sejam um problema, aí está a prova
de que são sim. O massacre social imposto pelo modelo capitalista vigente
acabou prejudicando a si mesmo.
Pensar que o peso de todo o ônus do
sistema poderia ser carregado pela parcela dominada foi um grande erro. As engrenagens
da produção e do consumo precisam estar equilibradamente alinhadas para
garantir o seu fluxo natural. Quando a grande massa da população é soterrada
por impostos, tributos, baixos salários, condições indignas de trabalho e sobrevivência,
os reflexos sobre as atividades produtivas e a vazão do consumo são nefastos. Mas,
por incrível que pareça, ainda há, em pleno século XXI, quem aceite e permita,
por exemplo, a existência de mão de obra análoga à escravidão.
Entretanto, a reflexão em torno
dessa situação vai bem mais além. Praticamente 300 anos depois da 1ª Revolução
Industrial, o mundo contemporâneo vive um divisor de águas nas relações de
trabalho, a partir do ápice da inovação científica e tecnológica, representada,
principalmente, pela inteligência artificial. Observe que “A previsão é de
que, até 2025, 85 milhões de empregos no mundo desaparecerão por conta da
tecnologia, indica o estudo do Fórum Econômico Mundial (WEF, sigla em inglês)”
2, enquanto a expectativa de criação de
novas oportunidades gira em torno de 69 milhões.
Fato é que a defasagem numérica apresentada,
por si só, aponta para um recrudescimento do empobrecimento global já existente,
ao mesmo tempo em que implicará na desaceleração do enriquecimento das elites e
no acirramento das desigualdades, de modo que, a produção ficará comprometida
pela inexistência de mercado consumidor suficiente.
Algo compartilhado pela
Organização das Nações Unidas (ONU) quando “alerta para o aumento da pobreza
e das desigualdades dentro e entre os países, aliado às crises econômicas e
sociais dos últimos anos”, o que significa que “A nova realidade global
inclui perturbações econômicas ligadas à globalização e à tecnologia,
transformações demográficas expressivas, fluxos migratórios crescentes e
situações de fragilidade que levam mais tempo” 3.
Bem, diante do exposto só posso recordar as seguintes palavras de Paulo Freire: “E uma das condições necessárias a pensar certo é não estarmos demasiado certos de nossas certezas”. Afinal, ter certeza é mesmo uma convicção tola. Certeza de que, quando a própria condição humana é mutável! Somos, por excelência, seres inacabados, em franca transformação. E, talvez, seja essa força invisível que faz mover as asas de todas as borboletas mundo afora, nesse balé caótico que reafirma cada vez mais a inexistência de um “para sempre” idealizado, como querem tantos acreditar.