terça-feira, 25 de outubro de 2022

Na teoria, mínimo. Na prática, insuficiente.


Na teoria, mínimo. Na prática, insuficiente.

 

Por Alessandra Leles Rocha

 

É uma pena que no Brasil as boas ideias sejam corroídas pelo passar do tempo. Criado na década de 30, o salário mínimo, por exemplo, veio constituir um parâmetro para remunerar os cidadãos segundo o número de horas trabalhadas, a fim de satisfazer suas necessidades básicas, incluindo alimentação, habitação, vestuário, higiene, transporte etc. Era para ser um freio de arrumação diante de desigualdades historicamente cronificadas, as quais insistiam em criar obstáculos para o desenvolvimento e o progresso nacional.

Afinal de contas, muito além de constituir um instrumento de dignidade social, o salário mínimo faz a roda do consumo girar. Ciente de um limite mensal disponível para atender as suas demandas cotidianas, o cidadão passa a dispor da possibilidade de aquisição de bens, produtos e serviços de caráter extraordinário ao trivial. Ao se abrir para um consumo mais diversificado e amiúde, o cidadão colabora com a ascensão dos meios de produção e, por consequência, os bons resultados da economia.

Acontece que políticas públicas são atravessadas diretamente pela política em si, de modo que o correr do tempo criou um descompasso real entre a teoria e a prática, na medida em que os caminhos político-econômicos do país foram deteriorando o poder do salário mínimo, lançando-o a uma crônica insuficiência. Razão pela qual se tornou necessário vinculá-lo, por exemplo, ao índice de inflação, para corrigi-lo. O propósito dessa prática foi mitigar os impactos que as perdas, decorrentes da dinâmica econômica nacional, causariam ao cotidiano do trabalhador.

Vejam que, hoje, o salário mínimo bruto pago ao trabalhador é de R$1.212,00; mas, dele é descontado, de acordo com a lei, 7,5% de INSS e 8% de FGTS (Fundo de garantia por tempo de Serviço), desconsiderando outros tributos e benefícios que podem ser aplicados. Nem precisa ser nenhum gênio para perceber, diante da realidade nacional vigente, o quão defasado o salário mínimo está em relação a sua capacidade de atender as necessidades do cidadão. Mas, de acordo com o DIEESE (Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos) a situação não deixa dúvidas quanto à sua gravidade.

Bem, a Constituição Federal de 1988 estabelece em seu artigo 7º, inciso IV, como direito dos trabalhadores urbanos e rurais, o “salário mínimo, fixado em lei, nacionalmente unificado, capaz de atender às suas necessidades básicas e ás de sua família com moradia, alimentação, educação, saúde, lazer, vestuário, higiene, transporte e previdência sócia, com reajustes periódicos que lhe preservem o poder aquisitivo, sendo vedada a sua vinculação para qualquer fim”. O que, segundo os cálculos do DIEESE, para o mês de setembro, deveria ter sido R$6.306,97. Ou seja, aproximadamente 5,2 vezes o valor estabelecido para 2022.

Esse cenário explica, então, o desconforto e a indignação de diversos segmentos nacionais diante da recente notícia de que o atual governo estuda desindexar o salário mínimo. Isso significa que ao “desvincular o Orçamento, o governo fica desobrigado a enviar recursos a áreas que hoje possuem destinações carimbadas. Da mesma forma, a desindexação acabaria com a exigência de correção de gastos por índices predeterminados como ocorre hoje com o reajuste do salário mínimo pela inflação” 1. Pois, trata-se de uma medida que pode lançar a remuneração do trabalhador, especialmente aquele das camadas mais vulneráveis da população, a um abismo de insuficiência ainda maior.

É preciso entender que movimentos dessa natureza tendem a conduzir o país, mais rapidamente, ao empobrecimento e a uma franca desaceleração da economia. O contingente populacional representado por pessoas que têm a sua remuneração referenciada pelo mínimo é bastante expressivo para ser desconsiderado no âmbito do funcionamento das engrenagens econômicas; sobretudo, no que diz respeito a relação produção/consumo. A perda do poder aquisitivo é, portanto, fatal para o desenvolvimento, para o progresso, para a competividade produtiva. Ainda que esse processo se reflita prioritariamente sobre demandas essenciais, as quais refletem de algum modo uma baixa diversidade de bens, produtos e serviços, a quantidade e a regularidade de aquisição compensa a dinâmica.

Daí a necessidade que certos países têm, como é o caso do Brasil, onde as desigualdades socioeconômicas são tão flagrantes, de não caírem na tentação de criar mais obstáculos à sua Economia do que aqueles que já existem. Pois, como dizia Eça de Queiroz, “Logo que na ordem econômica não haja um balanço exato de forças, de produção, de salários, de trabalhos, de benefícios, de impostos, haverá uma aristocracia financeira, que cresce, reluz, engorda, incha, e ao mesmo tempo uma democracia de produtores que emagrece, definha e dissipa-se nos proletariados”.