Na
teoria, mínimo. Na prática, insuficiente.
Por
Alessandra Leles Rocha
É uma pena que no Brasil as boas
ideias sejam corroídas pelo passar do tempo. Criado na década de 30, o salário
mínimo, por exemplo, veio constituir um parâmetro para remunerar os cidadãos
segundo o número de horas trabalhadas, a fim de satisfazer suas necessidades
básicas, incluindo alimentação, habitação, vestuário, higiene, transporte etc. Era
para ser um freio de arrumação diante de desigualdades historicamente
cronificadas, as quais insistiam em criar obstáculos para o desenvolvimento e o
progresso nacional.
Afinal de contas, muito além de
constituir um instrumento de dignidade social, o salário mínimo faz a roda do
consumo girar. Ciente de um limite mensal disponível para atender as suas
demandas cotidianas, o cidadão passa a dispor da possibilidade de aquisição de
bens, produtos e serviços de caráter extraordinário ao trivial. Ao se abrir
para um consumo mais diversificado e amiúde, o cidadão colabora com a ascensão
dos meios de produção e, por consequência, os bons resultados da economia.
Acontece que políticas públicas
são atravessadas diretamente pela política em si, de modo que o correr do tempo
criou um descompasso real entre a teoria e a prática, na medida em que os
caminhos político-econômicos do país foram deteriorando o poder do salário
mínimo, lançando-o a uma crônica insuficiência. Razão pela qual se tornou
necessário vinculá-lo, por exemplo, ao índice de inflação, para corrigi-lo. O
propósito dessa prática foi mitigar os impactos que as perdas, decorrentes da dinâmica
econômica nacional, causariam ao cotidiano do trabalhador.
Vejam que, hoje, o salário mínimo
bruto pago ao trabalhador é de R$1.212,00; mas, dele é descontado, de acordo
com a lei, 7,5% de INSS e 8% de FGTS (Fundo de garantia por tempo de Serviço),
desconsiderando outros tributos e benefícios que podem ser aplicados. Nem
precisa ser nenhum gênio para perceber, diante da realidade nacional vigente, o
quão defasado o salário mínimo está em relação a sua capacidade de atender as
necessidades do cidadão. Mas, de acordo com o DIEESE (Departamento
Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos) a situação não deixa
dúvidas quanto à sua gravidade.
Bem, a Constituição Federal de
1988 estabelece em seu artigo 7º, inciso IV, como direito dos trabalhadores
urbanos e rurais, o “salário mínimo,
fixado em lei, nacionalmente unificado, capaz de atender às suas necessidades básicas
e ás de sua família com moradia, alimentação, educação, saúde, lazer,
vestuário, higiene, transporte e previdência sócia, com reajustes periódicos
que lhe preservem o poder aquisitivo, sendo vedada a sua vinculação para
qualquer fim”. O que, segundo os cálculos do DIEESE, para o mês de setembro,
deveria ter sido R$6.306,97. Ou seja, aproximadamente 5,2 vezes o valor estabelecido
para 2022.
Esse cenário explica, então, o
desconforto e a indignação de diversos segmentos nacionais diante da recente
notícia de que o atual governo estuda desindexar o salário mínimo. Isso
significa que ao “desvincular o
Orçamento, o governo fica desobrigado a enviar recursos a áreas que hoje
possuem destinações carimbadas. Da mesma forma, a desindexação acabaria com a exigência
de correção de gastos por índices predeterminados como ocorre hoje com o
reajuste do salário mínimo pela inflação” 1.
Pois, trata-se de uma medida que pode lançar a remuneração do trabalhador, especialmente
aquele das camadas mais vulneráveis da população, a um abismo de insuficiência ainda
maior.
É preciso entender que movimentos
dessa natureza tendem a conduzir o país, mais rapidamente, ao empobrecimento e
a uma franca desaceleração da economia. O contingente populacional representado
por pessoas que têm a sua remuneração referenciada pelo mínimo é bastante
expressivo para ser desconsiderado no âmbito do funcionamento das engrenagens econômicas;
sobretudo, no que diz respeito a relação produção/consumo. A perda do poder
aquisitivo é, portanto, fatal para o desenvolvimento, para o progresso, para a competividade
produtiva. Ainda que esse processo se reflita prioritariamente sobre demandas
essenciais, as quais refletem de algum modo uma baixa diversidade de bens,
produtos e serviços, a quantidade e a regularidade de aquisição compensa a dinâmica.
Daí a necessidade que certos países têm, como é o caso do Brasil, onde as desigualdades socioeconômicas são tão flagrantes, de não caírem na tentação de criar mais obstáculos à sua Economia do que aqueles que já existem. Pois, como dizia Eça de Queiroz, “Logo que na ordem econômica não haja um balanço exato de forças, de produção, de salários, de trabalhos, de benefícios, de impostos, haverá uma aristocracia financeira, que cresce, reluz, engorda, incha, e ao mesmo tempo uma democracia de produtores que emagrece, definha e dissipa-se nos proletariados”.