Vai
doer no bolso...
Por
Alessandra Leles Rocha
Essa estranha mania de entender a
vida a partir de fragmentos desconectados, no fim das contas é inútil porque
não satisfaz as vontades e, nem tampouco, reescreve o curso pré-definido da
história.
Há décadas que se ouve falar a
respeito das mudanças climáticas, dos seus desdobramentos e impactos, inclusive
no campo dos deslocamentos humanos sobre a Terra; mas, a resistência em admitir
toma conta das mentes e das decisões de maneira implacável.
Felizmente, à revelia dos seres
humanos as conjunturas se organizam de maneira independente e colocam “os pingos nos is” como deve ser. Eis
que estamos, então, à beira de um xeque-mate bem dado pela Natureza.
Entre os extremos do clima, no
que diz respeito à severidade da estiagem sobre algumas regiões e as inundações
devastadoras em outras, nossa sobrevivência está sendo bombardeada por inúmeras
consequências nefastas, dentre elas, os resultados assoladores sobre a produção
de alimentos.
Aliás, a recente aprovação pela
Câmara dos Deputados, em Brasília, do projeto que altera a legislação sobre os
agrotóxicos deveria constrangê-los pelo ridículo que ele representa,
considerando-se o cenário caótico que a agricultura no país tende a enfrentar pelos
próximos anos e décadas.
Afinal de contas, a relevância
desses produtos químicos frente à gravidade das intempéries desparece como
fumaça, na medida em que as próprias lavouras são consumidas tanto pela aridez
das secas prolongadas quanto pelas enchentes torrenciais. Em suma, o agrotóxico
não resolve nada, não protege nada, não evita nada; mas, o prejuízo fica para o
agricultor e o lucro para o fabricante, o vendedor, de insumos agrícolas.
Portanto, deveriam os nobres
legisladores estarem mais atentos e preocupados com os rumos da produção
agropecuária no país. A continuarem fazendo vista grossa para a expansão
indiscriminada das fronteiras agrícolas, através de desmatamentos e queimadas
ostensivas, eles estão impulsionando a disparada da inflação, especialmente,
sobre os alimentos. O que não é difícil nem perceber e nem entender.
Ora, a intervenção antrópica nos
principais biomas nacionais, com vistas ao aumento da produção pelo agronegócio
brasileiro, constitui uma rede de desmonte do equilíbrio ecossistêmico e,
também, climático. De modo que a sua reincidência recrudesce a consolidação dos
efeitos negativos provocados, inviabilizando as tentativas de reconstituição
promovidas pelo próprio Meio Ambiente. O que significa dizer que vão se
tornando perenes as novas configurações morfoclimáticas, as quais são incapazes
de atender as demandas vitais e mercantis da população, expondo-a a
insuficiência ou a inexistência dos recursos naturais.
A questão é que frente a esse
processo, eventuais investimentos agrocientíficos e tecnológicos, não conseguem
responder com êxito, porque a base sobre a qual pretendem atuar está sob
influência da imprevisibilidade climática.
Portanto, não há como proteger as
produções de eventos extremos do clima, tais como tornados, inundações,
deslizamentos, vendavais, chuvas de granizo, geadas, estiagem prolongada,
incêndios florestais decorrentes de altas temperaturas sobre áreas secas.
Afinal, como todo mundo sabe, as
grandes lavouras não são constituídas dentro de estufas. Nunca vi estufa de
soja, café, milho,... no máximo, algumas de hortaliças, e olhe lá!
Assim, as perdas são muito
significativas. Aliás, é importante ressaltar que, embora tenham buscado
oferecer a sua contribuição no campo da produção de alimentos, em todo o mundo,
as Agrociências e Agrotecnologias se mostraram incapazes de resolver todos os desafios
naturais envolvidos no processo, especialmente, no tocante às grandes áreas de
produção.
O clima ainda é o senhor que
comanda o sucesso do agronegócio, independentemente, dos recursos disponíveis e
investidos na produção. De modo que ele nivela o pequeno e o grande produtor
rural ao mesmo patamar da incerteza. A produção vive na constante expectativa
dos humores do clima. Pode-se ganhar; mas, também, pode-se perder. É tudo ou
nada.
E pensando em uma população
global que deve atingir a cifra de quase 8 bilhões de seres humanos, uma baixa
produção de alimentos, por parte, principalmente, dos países já consolidados
como grandes exportadores, como é o caso brasileiro, tudo isso pode representar
um acirramento da insegurança alimentar no planeta.
Pois é, não é só o prejuízo para
o produtor o que está em jogo. Isso significa uma ameaça real ao direito humano
de ter acesso regular e permanente a alimentos de qualidade e em quantidade
suficiente, para atender às suas necessidades biológicas fundamentais.
Desse modo, a situação pode ser
analisada primeiramente pela perspectiva da Lei da Oferta e Demanda, na medida
em que a quantidade regula o preço, ou seja, quanto menos produto, mais caro e
inacessível ele se torna para a grande massa da população.
Depois, pelo fato de que cada vez
que a produção se faz insuficiente aqui, somos obrigados a importar. Pagamos
caro, pagamos em dólar pelo o que nos falta. E isso, também, é um agregador
para a inflação de alimentos.
Por fim, os impactos que o
desequilíbrio alimentar e nutricional pode repercutir sobre o desenvolvimento e
a saúde das populações; sobretudo, aquelas já naturalmente vulneráveis e
desassistidas.
Pensando, rapidamente, no
contexto da pandemia ainda em curso, a insegurança alimentar nesses casos pode
representar desdobramentos inimagináveis para a manifestação da doença, na
medida em que encontra organismos fracos, debilitados, incapazes de ter uma
resposta imune satisfatória.
Olhemos, então, para a vida como
ela é, um grande quebra-cabeças. Para ter lógica, para fazer sentido, é preciso
que as peças sejam reunidas adequadamente, e conectando umas com as outras a
fim de elucidar as imagens, as informações.
Por que esperar doer no bolso,
para tomar as atitudes corretas? A reflexão exposta não diz respeito à A, B ou
C. Não, ela diz respeito a todos nós. Há três elementos básicos que sustentam a
sobrevivência de qualquer ser vivo: água, alimento e abrigo.
Portanto, nós fazemos parte
disso. Precisamos de alimentos para sobreviver; mas, para alcançarmos essa meta
temos que rever as nossas práticas e condutas quanto ao uso, a ocupação e a sustentabilidade
ambiental. Isso implica em não se esquecer de que a escolha errada não vai
fazer doer só o estômago, vai fazer doer no bolso.