ÁGUA...
reflexões em tempos do COVID-19
Por
Alessandra Leles Rocha
Não é à toa que o
planeta Terra visto do espaço é chamado de planeta azul. Dois terços da sua
superfície são de água em estado líquido. São oceanos, mares, rios, lagos que
guardam não somente riquezas da fauna e da flora aquática; mas, também, da
sobrevivência humana. Pena, que não temos sido muito conscientes em relação a
esse recurso natural tão importante.
Diariamente são
despejadas toneladas de resíduos sólidos e efluentes químicos, tóxicos e/ou
orgânicos, tanto em águas doces, aquelas que apresentam uma salinidade inferior
a 1% do que se observa nos oceanos, quanto em águas salgadas (oceanos e mares).
De modo que, cada vez mais elas se
tornam inviáveis para consumo, recreação, irrigação, criação de animais e
balneabilidade, por conta da presença de inúmeros contaminantes, alguns deles
letais.
É fundamental que
fique claro, a contaminação da água segue um caminho cumulativo. Isso significa
que os efeitos nocivos, quase sempre, se manifestam em médio e em longo prazo,
após anos de exposição. A não ser quando há um contato direto com grandes
concentrações de contaminantes é que a letalidade se torna iminente.
Além disso, o grau
de vulnerabilidade biológica de cada organismo, ou seja, o nível de resistência
a esse ou aquele contaminante é diferente para cada pessoa. Por essa razão, populações
pobres ou abaixo da linha da miséria são mais susceptíveis aos efeitos nocivos de
águas contaminadas. A exposição as péssimas condições de vida, incluindo a
subnutrição, reduz a sua imunidade e sua capacidade de combater as doenças.
De modo que essa
inviabilidade de utilização dos recursos hídricos esteja se tornando tão
crítica que, em 2019, a Organização das Nações Unidas (ONU) já destacava o
fato: “O consumo mundial de água está
aumentando – mesmo em países onde a população cresce pouco – e as reservas de
água boa estão cada vez mais ameaçadas pelas atividades humanas. [...] Hoje
(2019), mais de 1 bilhão de pessoas não têm acesso a fontes confiáveis de água
no mundo. Em 2025, boa parte do planeta estará em situação de stress hídrico,
ou seja: a água disponível não será suficiente para os diferentes usos que o
homem faz do recurso, como a agricultura, que é, de longe, a atividade que mais
consome água. Até lá, 3 bilhões de pessoas sofrerão com escassez de água,
segundo a ONU” 1.
Mas, quando se
manifestou a respeito nem a ONU e nem ninguém poderia supor que uma Pandemia se
instalasse entre nós. Por incrível que pareça, o surgimento do COVID-19 vem
prestando um serviço de utilidade pública sem precedentes, na medida em que
trouxe luz sobre a relação entre a água e os cuidados de higiene no combate as
inúmeras doenças infectocontagiosas disseminadas pelo planeta.
Antes mesmo que medicações
importantes como os antibióticos fossem criados para debelar infecções, era por
meio de água e sabão que profissionais da saúde buscavam mitigar o processo de
transmissão de patógenos. As orientações de higiene descreviam que, das mãos aos utensílios e vestuários, tudo deveria
ser lavado em água corrente e sabão, posto secar ao sol e passado a ferro bem
quente a fim de evitar que as doenças saíssem do controle sanitário.
Agora, o COVID-19
nos alerta para aquilo que já deveria ser hábito incorporado. Lavar as mãos
corretamente com água e sabão ou, quando não for possível, desinfetá-las com
álcool gel a 70%. No entanto, tal prática nos impõe o elementar, ou seja, água
limpa; o que para milhões de pessoas ao redor do mundo é, na atualidade, um
privilégio de poucos. Assim como, o álcool gel.
Em janeiro desse
ano, por exemplo, a Companhia estadual de Águas e Esgoto (Cedae), do Rio de
Janeiro, se viu envolvida em uma grave crise de abastecimento na capital
fluminense, em razão de reclamações dos cidadãos quanto ao cheiro, sabor e
aspecto da água fornecida aos consumidores.
De modo que muitos
tiveram que recorrer à utilização de água mineral, para evitar riscos de
contaminação. A impossibilidade de utilização de uma água boa,
limpa, de qualidade vai além do direito básico em fazê-lo; ela esbarra direta e
indiretamente na questão financeira. Daí enquadrar-se como um privilégio, algo
não acessível a todos igualmente.
E se não é
acessível, a cronificação desse impedimento já traz prejuízos à saúde de
milhares de pessoas. Não poder lavar as mãos com água limpa e sabão na
prevenção do COVID-19 é, portanto, somente a ponta de um gigantesco iceberg da
saúde pública, o qual se arrasta por décadas na invisibilidade. Doenças que
poderiam ser prevenidas por meio de práticas de higiene satisfatórias e não são
por causa da inacessibilidade à água e esgoto devidamente tratado.
De maus em maus
hábitos a complexa estrutura que envolve a utilização da água pelo ser humano vai
sendo erguida. Ninguém para de poluir. Ninguém para de destruir as matas
ciliares responsáveis pela manutenção das nascentes. Ninguém para de aceitar a
emissão de esgotos e efluentes nos rios e mares. Ninguém cobra o saneamento
básico junto às autoridades responsáveis. Enfim... ninguém se lembra da água
até que seja necessário.
Só que a necessidade
é todo dia, toda hora, todo minuto. Água para beber. Água para cozinhar. Água
para tomar banho. Água para escovar os dentes. Água para limpar as feridas.
Água para lavar a roupa. Água para fazer gelo. Água para lavar as mãos contra
doenças. Água para... viver ou, pelo menos, sobreviver. Então, deveriam estar
mais atentas, mais colaborativas, mais integradas a sua parcela de
responsabilidade em relação à água.
Entenda de uma vez
por todas que "o Meio Ambiente tem você no meio". Não adianta tentar se esquivar
dessa responsabilidade porque ela irá te atingir de alguma forma. Se com mais
ou menos intensidade só depende de você; a escolha é sua. Então, sempre que
pensar na água imagine como seria se não pudesse ter acesso a ela. Isso
certamente vai mudar seus conceitos e suas atitudes de algum modo.
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