Entre a Vida
e a Morte
Por
Alessandra Leles Rocha
Que a vida tem valido nada, disso ninguém duvida.
Qualquer motivo tem sido motivo para abater seres humanos sem dó nem piedade.
Basta uma discussão. Um conflito. Uma suspeita. Uma dose de intolerância
religiosa. Ou de Racismo. Ou de Xenofobia. Ou de Homofobia. De Feminicídio, nem
se fala. A mídia escorre sangue todos os dias. Mas, apesar da recorrência e da
naturalização que se tem atribuído a esse contemporâneo processo de barbárie, é
preciso refletir.
Primeiro porque parece estar havendo um
esgarçamento do sentimento de proteção e preservação da própria espécie. Segundo
porque nessa carnificina explícita as evidencias em relação a uma
hierarquização da vida são facilmente perceptíveis. Algumas vidas parecem valer
mais do que outras. Serem mais importantes do que outras. Terceiro porque
diante dos acontecimentos a sociedade não parece coesa em torno de um
sentimento de constrangimento, ou de indignação, ou de repulsa.
Assim, alguns se fazem de desentendidos. Outros
invisibilizam os acontecimentos. Há os que aplaudem vigorosamente. Enfim... No
entanto, causa estranheza quando vêm à tona discussões em torno do Aborto, da
Eutanásia e da Pena de Morte, porque a manifestação popular parece muito mais
engajada e disposta a rechaçar conjuntamente tais ideias, sob a alegação de que
a vida não pode ser subtraída por ninguém.
De fato, a vida não pode mesmo ser subtraída por
ninguém. Pena que fica nisso. A análise dos prós e contras nessa balança que
equilibra temáticas tão delicadas, tão complexas, aponta que não basta enxergar
a morte apenas em relação ao viés do ato materializado da
violência. Matar vai muito além. Manter vivo sem dignidade, sem
amparo, sem assistência, sem condições humanitárias, sinaliza uma sentença de
morte adiada. Até que ponto, então, as manifestações inflamadas nesse contexto
estariam combatendo a subtração de uma vida?!
Daí a importância do conhecimento, da reflexão, da
ponderação, quando o assunto é vida. De que lado a sociedade está em relação à
existência humana, independente de cor, credo, etnia, gênero, ideologia...?!
Quando se volta os olhos para todas as violências
contemporâneas, sente-se que o que paira no ar é a sensação de um narcísico
incômodo em relação às diferenças sociais, de modo que a solução mais prática e
rápida apresentada tem sido o extermínio. Como se as pessoas estivessem
obrigadas a permanecer dentro de nichos específicos, perdendo a sua mobilidade
social, em nome da preservação da própria vida.
Basta ver o caso da moradora de rua, em Niterói,
RJ, que foi assassinada a tiros por um homem, quando pediu a ele R$1,00. As
linhas divisórias que se constroem dentro da sociedade são um estímulo nocivo
para esse processo. Elas fomentam a insegurança; mas, também, o ódio, a
hostilidade, o revanchismo entre todos os lados.
O que significa um resultado socialmente
antiproducente, porque os conflitos são geradores de custos elevados dentro dos
mais diversos aspectos, não somente econômicos. Seres humanos adoecem pela
violência. Seres humanos migram por conta da violência. Seres humanos perdem
trabalho em virtude da violência. ...
Seja por armas brancas ou por revólveres e
metralhadoras, a questão é que a vida não pode viver a mercê de um constante “faroeste”.
Os norte-americanos idolatram as armas por uma questão histórica. Sua
colonização foi marcada pela chegada a um lugar “inóspito”, cheio de perigos
naturais, e eles precisavam de armas para se defender.
Na atualidade, eles pagam um preço alto por essa
decisão, em virtude dos massacres brutais promovidos por atiradores que
escolhem locais públicos para desafiar a lei e a ordem.
A humanidade está se tornando sua pior ameaça.
Enxergando inimigos em cada esquina. Atirando antes de saber quem é. Matar está
se tornando um ato altamente irresponsável. Nem mesmo pessoas habilitadas e
qualificadas para atirar estão conseguindo manter seu equilíbrio. Confrontos
violentos estão se cronificando na sociedade e as estatísticas de balas
perdidas, por exemplo, se ampliando vertiginosamente.
Nem sempre o ataque é a melhor defesa. Também nessa
semana, uma professora, em Juiz de Fora, MG, foi atingida por uma bala perdida
enquanto ia comprar um presente de aniversário para o filho. O responsável pela
tragédia, um policial reformado que queria impedir a fuga de um assaltante.
No fim das contas, sinto que a sociedade está
transformando tudo em armas. Carros matam. Bebidas alcoólicas matam. Drogas
matam. ... Não vejo, então, razão alguma para legalizar e legitimar outras
formas.
A violência nos seus níveis atuais, quando não
extermina, incapacita e esfacela, ainda mais, a frágil estrutura das famílias.
Os desdobramentos da barbárie que vivemos são tão ou mais perversos e cruéis do
que ela própria.
Já dizia Jean-Paul Sartre, filósofo francês, “a
violência, seja qual for a maneira como ela se manifesta, é sempre uma
derrota”. E ele estava certo. Uma derrota porque enaltece a covardia,
a impotência, a tirania, a incapacidade plena de dialogar, de conviver, de
coexistir; de modo que, o ser humano deixa de ser humano para se tornar um
animal indomesticável e incapaz de pensar. Ora, e ele foi criado
para ser bem mais do que isso, não acha?!
*Crônica escrita em 22 de novembro de 2019.
*Crônica escrita em 22 de novembro de 2019.