Depois
da “tempestade”... o “arrependimento”.
Por
Alessandra Leles Rocha
Em tempos de tamanha efervescência social, creio
que está na hora de “baixar a bola” e tentar entender, de maneira didática, o que
de fato aconteceu ao redor, nos últimos dias. Hora, portanto, de começar pelo começo, o que
significa voltar uns quinhentos anos na história e ir seguindo o fio da meada
como se deve.
Entre o século XV e início do século XVII
vigoravam na Europa as chamadas práticas Mercantilistas,
cujo propósito de suas ideias econômicas era garantir a prosperidade dos
Estados-Nação a partir do capital que pudessem acumular. Nesse ponto é que o Colonialismo entrou em ação, sob a forma
de duas vertentes, povoamento e exploração.
No caso das Américas do Sul e Central, o Colonialismo foi de exploração baseado no interesse em extrair o máximo de
recursos potencialmente econômicos para a Metrópole. Exatamente o que aconteceu
no Brasil. Pau-Brasil, cana-de-açúcar, ouro, pedras preciosas e tudo o mais que
pudesse ser capitalizado nesse processo exploratório, sempre foi bem vindo pela
Metrópole Portuguesa.
Então, era de se esperar que com a independência
de Portugal em 1822, o Brasil passasse a repensar a sua relação com as riquezas
e diversidades naturais em prol do seu desenvolvimento e autonomia; mas, não
foi bem assim. As práticas não foram revistas, nem reformuladas; manteve-se
tudo numa zona de conforto que só fazia bem para outra prática já instituída, a
corrupção.
Verdade seja dita, foram décadas e décadas e
décadas vendendo as riquezas naturais do país a preço de banana e comprando
bens manufaturados a preço de ouro, ou seja, o Brasil continuava a fazer a
alegria e a riqueza dos outros em detrimento do seu povo. Aliás, se acaso as
expectativas não se cumprissem, o papel de pagar a conta, os prejuízos, os
absurdos... era sempre da população.
Eis que no final do século XIX, descobriu-se o
primeiro vestígio de Petróleo na Terra Brasilis.
Petróleo, o ouro negro, e a ideia de uma riqueza que jamais se esgotaria. Mas,
de forma economicamente viável a primeira jazida só foi descoberta em 1939, no Recôncavo
Baiano, impulsionando o governo de Getúlio Vargas a intensificar os estudos
para a concessão e exploração do petróleo nacional. Até que, em 1953, é criada a Petrobras (Petróleo Brasileiro S.A.), uma empresa de capital aberto, cujo acionista majoritário é o governo brasileiro, sendo, portanto, uma empresa estatal de economia mista. Pela lei n.º 2004/1953, ficou estabelecido o monopólio da União na exploração, produção, refino e transporte do
petróleo no Brasil 1.
E tudo ia relativamente bem, até que, na década de
1970, o mundo diante da franca industrialização e consequente utilização de combustíveis
fósseis (gasolina,
óleo diesel, gás natural e carvão mineral), tem o assunto trazido à pauta
da Conferência
de Estocolmo (Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente Humano) ocorrida
em junho de 1972, em Estocolmo, na Suécia.
A descoberta de que os recursos naturais,
incluindo o petróleo, necessitavam de gestão adequada para não serem esgotados,
caiu “como uma bomba” sobre os mercados consumidores e produtores desse produto.
Os países do Oriente Médio que, até 1970, detinham
mais de 90% da produção petrolífera controlada por sete companhias, as chamadas
“Sete Irmãs”, decidiram unir
suas forças, rompendo com esse cartel e criando a Organização dos Países Exportadores
de Petróleo, a OPEP 2.
É certo que além da questão da
finitude petrolífera e das questões econômicas, o petróleo também representava
uma moeda de negociação geopolítica. Assim, para pressionar os Estados Unidos e
a Europa, a apoiarem Israel nos conflitos, os árabes uniram-se, reduzindo a
produção do petróleo, forçando o aumento drástico no preço do barril,
originando a maior crise do petróleo, que afetou toda a economia mundial.
No caso do Brasil, que na época não era autossuficiente,
o encarecimento desta
fonte de energia gerou um desequilíbrio nas suas frágeis economias. Recorreu-se ao racionamento de combustível, entrando em um
dos períodos mais difíceis.
Pena que o país não aprendeu
com essas lições, no sentido de se tornar menos dependente desse recurso e
valorizar efetivamente outras matrizes energéticas renováveis, tais como a
solar, a bioenergia e a eólica, nem tampouco, outras soluções de transporte,
tais como as ferrovias e hidrovias, especialmente para o escoamento da
produção.
Ao contrário dessa independência,
além de romper com o monopólio estatal do petróleo (Lei n.º 2004/1953) pela
promulgação da Lei n.º 9.478, de 6 de Agosto de 1997, que permitiu as
atividades de exploração, refino, transporte, importação e exportação de
petróleo e derivados serem realizadas por empresas constituídas sob as leis
brasileiras, sob a regulação e fiscalização da União; a partir de 2007, o país alcançou a sua autossuficiência petrolífera, com
uma produção de aproximadamente 2,3
milhões de barris/dia e consumo de 2,2 barris/dia.
Assim, a Petrobras se
tornou um cenário perfeito para a conduta ou prática de certos
representantes e servidores públicos que visavam à satisfação de interesses ou
vantagens pessoais ou partidários, em detrimento do bem comum (o chamado Fisiologismo), que culminou no maior escândalo
de corrupção
nacional, quase falindo a instituição.
De uma empresa reconhecida internacionalmente por efetuar a maior capitalização em capital aberto da história (127,4 bilhões de reais,
em 2010), ela perdeu entre 2004 e 2012 6,194 bilhões de reais,
registrando um prejuízo de 34,8 bilhões de reais, em decorrência de fatores
relacionados a baixas nos campos de petróleo, o preço internacional do barril, e
as consequentes investigações da Operação lava Jato, que encontrou membros administrativos da empresa, políticos
dos maiores partidos nacionais, e empresários de grandes empresas brasileiras envolvidos em crimes de corrupção ativa e passiva, gestão fraudulenta, lavagem de dinheiro, organização criminosa, obstrução de justiça, operação fraudulenta de câmbio e recebimento de vantagem indevida 3.
Então, diante desse
breve exposto, ficam algumas perguntas pairando no ar. O que de fato impactou
mais para a elevação dos combustíveis em nosso país, em pleno século XXI: manter-se
a serviço dos interesses e políticas econômicas internacionais ou da corrupção
que dilapidou a Petrobras? Será que é justo que uma riqueza natural nossa, a
qual somos autossuficientes na sua produção tenha que ser mais uma razão a
corroer os parcos salários de milhares de cidadãos? Por que só diante desse
momento de crise é que a Lei de Responsabilidade Fiscal (Lei
Complementar nº 101, de 4 de maio de 2000, que estabelece normas de finanças públicas voltadas
para a responsabilidade na gestão fiscal e dá outras providências)
foi lembrada, hein?
É. A tormenta
nos trouxe a compreensão prática de que não são apenas os veículos que dependem
do Petróleo, somos nós, o nosso cotidiano. Seu preço impacta no deslocamento
diário (público e privado), no transporte e na produção dos alimentos, na
geração de energia, na produção de bens e serviços, enfim... Então, pensemos sobre essas palavras de José
Saramago, “Para que serve o
arrependimento, se isso não muda nada do que se passou? O melhor arrependimento
é, simplesmente, mudar”.