70
anos de lições; mas, ainda, temos muito que aprender.
Por
Alessandra Leles Rocha
Em 2018 celebramos os 70 anos da Declaração
Universal dos Direitos Humanos, adotada pela Organização das Nações Unidas
(ONU), em 10 de dezembro de 1948, ou seja, poucos anos depois da Segunda Guerra
Mundial. Distante da força de lei, ela é um instrumento para cada país do globo
na tomada de decisões capazes de garantir o reconhecimento e o efetivo
cumprimento dos direitos humanos.
Pensava-se que a Segunda Grande Guerra seria o
limite do horror para a humanidade e através dessas diretrizes seria possível
construir um mundo em coexistência pacífica e solidária. No entanto, esta não era
uma questão meramente geopolítica e, em se tratando de direitos humanos, tudo o
que não se pode esquecer é a complexidade que reveste o indivíduo.
A inércia do papel aceita sem considerações, reflexões
ou recusas as palavras que lhe sejam lançadas; mas, as pessoas não são tão cordatas
assim. Certo egoísmo natural, misturado ao poder e ao controle socioeconômico,
sempre desenvolvem obstáculos aos tratados de guerra e de paz; portanto, ao
estabelecimento e a defesa dos direitos humanos.
Nesse sentido é que a referida Declaração celebra dentre suas características mais importantes, o fato desses direitos serem universais, inalienáveis e indivisíveis, inter-relacionados e
interdependentes, já que é insuficiente respeitar alguns direitos e outros não.
Isso porque, quando se trata de direitos humanos,
há subliminarmente uma análise de referenciação igualitária das pessoas,
rompendo com quaisquer pseudo-hierarquias e estratificações que venham determinar
graus de importância, de significância entre elas. Ninguém é mais ou menos. Enxerga-se
apenas o indivíduo seja ele quem for. A prerrogativa dos direitos humanos é
apenas ser humano.
Por isso, Mario Vargas Llosa, em seu livro A Civilização do Espetáculo (2013),
considera que “A
civilização pós-moderna desarmou moral e politicamente a cultura de nosso
tempo, e isso explica em boa parte por que alguns dos “monstros” que
acreditávamos extintos para sempre depois da Segunda Guerra Mundial, como o
nacionalismo mais extremista e o racismo, ressuscitaram e estão de novo
rondando no próprio coração do Ocidente, ameaçando mais uma vez seus valores e
princípios democráticos” (p.77).
Sim, em cada esquina há
um novo tirano desqualificando os direitos humanos, em uma tentativa
desesperada de manter-se na primeira fila. Trata-se da negação do outro
enquanto sujeito social em todas as instâncias possíveis e imagináveis.
Então, de repente, nos
lembramos de Mohandas Karamchand Gandhi, mais
conhecido como Mahatma Gandhi, um dos maiores e mais importantes defensores dos
direitos humanos, que faleceu há 70 anos. Defensor do Satyagraha, princípio da não agressão ou
forma não violenta de protesto, ele viveu a prática do seu discurso em nome da
libertação indiana do colonialismo Inglês. Apesar de Bacharel em Direito, Gandhi fez da resistência pacífica,
uma vertente da lei e da estratégia política sem precedentes.
Por isso, seu ideal é muito significativo nos dias de hoje. Afinal, ninguém mais parece preocupado em olhar
para dentro de si, de reconhecer seus próprios sonhos e valores, de perceber o
impacto, em efeito cascata, da exasperação do seu individualismo em detrimento
do senso coletivo. O que torna fomentar a guerra muito mais fácil do que a paz.
Como explicou Zygmunt Bauman, em seu texto Identity in the Globalizing World
(Identidade do Mundo Globalizado), a sociedade atual tem seu maior problema
pautado em relação às identidades centradas no consumo de tudo e de todos,
o que gera a determinação de um padrão social por uma autodeterminação
compulsiva e obrigatória. E isso distancia a sociedade de quaisquer pretensões em
termos de direitos humanos.
De fato, é como
se jamais tivéssemos abandonado a chamada “lei de talião”, a mais antiga da
história da humanidade e que consiste na rigorosa reciprocidade do crime e da pena, ou
seja, “olho por olho, dente por dente”. Basta abrir as mídias e deparar com as
injustiças dispensadas ao seres humanos. São muitos os que padecem longe do olhar
da justiça, da paz e dos direitos humanos; gente que não tem voz, não tem vez,
que nem parece existir de tão esquecida.
Não é,
portanto, sem razão que ao longo desses 70 anos pessoas ao redor do mundo têm
se colocado na luta pelos princípios da Declaração Universal dos Direitos Humanos,
munidos da força de tratados internacionais importantes, tais como: a Convenção
Internacional sobre a Eliminação de todas as formas de Discriminação Racial, a Convenção
Internacional sobre a Eliminação de todas as formas de Discriminação contra a
Mulher, a Convenção Internacional sobre os Direitos da Criança, a Convenção
Internacional sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência, a Convenção contra
a Tortura e outros tratamentos ou penas cruéis ou degradantes; mas, de algum
modo, também, pela inspiração de palavras como essas proferidas por Mahatma
Gandhi, “Aprendi através da experiência amarga a suprema lição: controlar
minha ira e torná-la como o calor que é convertido em energia. Nossa ira
controlada pode ser convertida numa força capaz de mover o mundo” e “Só quando se vêem os próprios erros através de uma lente de
aumento, e se faz exatamente o contrário com os outros, é que se pode chegar à
justa avaliação de uns e de outros”.
São 70
anos de lições; mas, ainda, temos muito que aprender.