terça-feira, 22 de agosto de 2017

"Estamos condenados à civilização. Ou progredimos ou desaparecemos". Euclides da Cunha

Os novos bárbaros, os primitivos da pós-modernidade




Por Alessandra Leles Rocha




Nunca fomos tão bárbaros quanto agora. A humanidade perdeu o senso do altruísmo, do respeito, da fraternidade e decidiu sair por aí destilando veneno, ódio, perversidade, violência de todo tipo. Simplesmente não raciocina mais. Não reflete mais. Não pesa prós e contras. Apenas age, com a frieza de uma besta irracional.
Honestamente, para ser assim nem precisa de liderança, de quem assine embaixo e referende tantos absurdos, tanta covardia. De fato é isso. Os novos bárbaros, os primitivos da pós-modernidade, não precisam mais do que de si mesmos, do seu rompante animal. Não há hesitação. Não há remorso. Nem sei se posso realmente afirmar que há neles alguma satisfação, porque seus ares de indiferença transformam tudo em banalidade.
Os novos bárbaros resgataram a desvalorização da vida. Por pequenas bobagens, intransigências, destemperos o ser humano vai às vias de fato e nem muda de camisa. Enche-se de razão, de opinião, de valentia, de profunda autossuficiência para fazer prevalecer na base da força bruta, da violência, as suas ideologias e valores, enquanto aos demais resta manterem-se silenciosos, quietos e distantes se não quiserem atear mais fogo a situação.   
Os novos bárbaros resgataram, também, o desequilíbrio social. Não somos mais iguais do ponto de vista de direitos e deveres; há sempre alguém determinando uma escala de importância, de significância social. Não somos mais livres na medida em que nos tornamos cada vez mais reféns dos sistemas, dos controles, das imposições, das arbitrariedades. Não somos mais fraternos, exceto na distribuição das parcas migalhas de afeto que distribuímos entre os nossos adoradores e subservientes pares, que jamais nos contestam e contra argumentam.
Os novos bárbaros, os primitivos da pós-modernidade, restauraram a fúria de uma inquisição que condena e executa sem o menor indício de dolo ou culpa. Basta estar no lugar errado e na hora errada. Basta cruzar o caminho da pessoa errada. Basta ser diferente. Basta pensar diferente. Basta se comportar diferente. Basta se vestir diferente. Basta... De repente, estamos bem mais próximos do fio da navalha (do mundo) do que poderíamos supor; por isso, todos nos tornamos a “bola da vez”.
Por mais que não se queira admitir, essa é a verdade que insiste em nos acompanhar. Distantes da normalidade natural do cotidiano, em uma pequena fração de segundos somos abruptamente interrompidos, nossa vida é interrompida pela ação fulminante da barbárie. Não há mais fortes, ou mais aptos, ou mais resistentes; há sobre a raça humana uma aleatoriedade circulante, uma imprevisibilidade em relação ao segundo adiante. Como diz a canção dos Paralamas do Sucesso, “Eu vivo sem saber até quando ainda estou vivo / Sem saber o calibre do perigo / Eu não sei d’aonde vem o tiro / Eu vivo sem saber até quando ainda estou vivo / Sem saber o calibre do perigo [...]” 1.
Lamento, se alguém ainda acha graça ou é indiferente à realidade.  Ou você está de um lado ou do outro nessa história; não dá para ficar em cima do muro. Seja no mundo real, ou no mundo virtual, a verdade é que ninguém está a salvo dos primitivos da pós-modernidade. Nesses longos anos de civilização a barbárie não usa mais clava, nem escudo, nem lança; refinou-se como haveria de ser, mas nem por isso perdeu a força da sua letalidade. No fim das contas, é como se a humanidade estivesse sendo marcada a ferro na própria alma; pois, o que temos assistido ao mesmo tempo em que é inimaginável é, também, inesquecível.
Talvez, seja esse o preço a pagar por nos deixarmos manipular felizes pelos encantos da pós-modernidade 2. Em passos largos caminhamos rumo a nossa desumanização, a qual nos faz mais e mais dependentes das máquinas para sobreviver, enquanto perdemos a nossa empatia. Quem diria, não somos mais o “Admirável gado novo” 3cantado por Zé Ramalho; agora, somos apenas o “Admirável chip novo” 4, tão bem descrito pela cantora Pitty. É; isso cabe uma boa e longa reflexão.

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