Nem Gregos nem Troianos... a culpa é
do Fisiologismo.
Todo mundo chocado, perplexo, incrédulo diante da TV. Enquanto
falam mal e blasfemam contra esse ou aquele ídolo de papel, chama atenção o
silêncio em torno daquilo que deveríamos ter posto sobre a mesa de discussões há
muito tempo: o Fisiologismo. É essa prática nociva e altamente corrosiva ao
país, o cerne de tudo o que está acontecendo.
Pois é, vem de lá, da época das caravelas, o bom e velho “toma
lá dá cá” na construção das relações políticas e sociais na Terra Brasilis. Cada um no seu canto, visando à
satisfação de interesses e/ou vantagens pessoais ou partidárias, em detrimento do
bem comum. Portanto, foi lá, no século XVI, que o tal Fisiologismo começou e,
como acharam “interessante” a ideia, ele se reafirmou ao longo dos séculos.
Infelizmente, o brasileiro acha graça no discurso do “jeitinho”
e, por essa razão ele se dissemina por todos os espaços da sociedade. Tem sempre
alguém se achando muito esperto, querendo tirar vantagem, subir na vida sem esforço
etc.etc.etc., como se nada disso fosse repercutir em amplo espectro social.
Mesmo agora, com as vísceras do país expostas em praça pública,
não encontramos ninguém para fazer mea
culpa e admitir sua displicência voluntária na função de cidadão. Quase que
reafirmando a ideia de que por aqui é “cada um por si e Deus por todos”.
Ora, mas se não entendermos, de uma vez por todas, que mudar
apenas as peças do jogo é inútil, continuaremos a retirar água da canoa com
dedal. O problema do país está na cronificação de uma ideologia fisiologista. São
constantemente reafirmados os discursos de que sem o Fisiologismo a política
brasileira não acontece. Êpa, como assim?! Já dizia Kant que “O sábio pode
mudar de opinião. O idiota nunca”.
Essa reafirmação é, na verdade, a comprovação cabal de que
manter-se nessa “zona de conforto” é bastante proveitoso. Só não é, para
aqueles que continuam abaixo da linha de visão dos que detêm o poder e a
riqueza. Aqueles que vivem de migalhas, de promessas, da rudeza da desassistência
em todos os níveis; mas, ainda sim, movem as engrenagens do progresso e do
desenvolvimento nacional.
A manutenção do Fisiologismo é a materialização do nosso
fundo do poço, enquanto nação. É a sangria desenfreada de recursos que jamais
se converterão em benefício do cidadão comum. É a nivelação dos nossos direitos
fundamentais a partir dos patamares mais insignificantes, representando a mais
plena contradição ao que diz a Carta Magna de 1988, curiosamente conhecida como
“Constituição Cidadã”. Curioso porque o Fisiologismo é o oposto da cidadania;
ele não pensa no povo, além de mero provedor do seu benefício particular.
Então, enquanto ele esfacela as relações políticas,
paralelamente, deteriora a economia. A não compreensão dessa prática nos custou
à realidade de recessão econômica vivida nesses últimos anos; bem como, uma
taxa de desemprego que alcançou 13,7% (ou 14,2 milhões de pessoas) no primeiro
trimestre desse ano. As conquistas que o país comemorava na economia se
perderam de tal forma, que as estimativas de uma eventual recuperação beiram o
prazo mínimo de duas décadas adiante, caso se enfrente definitivamente os
desafios impostos pelo comportamento fisiológico, ainda vigente.
Lembremo-nos das palavras da filósofa Ayn Rand, “Quando você perceber que, para produzir, precisa
obter a autorização de quem não produz nada; quando comprovar que o dinheiro
flui para quem negocia não com bens, mas com favores; quando perceber que
muitos ficam ricos pelo suborno e por influência, mais que pelo trabalho, e que
as leis não nos protegem deles, mas, pelo contrário, são eles que estão
protegidos de você; quando perceber que a corrupção é recompensada, e a
honestidade se converte em auto sacrifício; então poderá afirmar, sem temor de
errar, que sua sociedade está condenada”.
Essa lembrança é importante, porque só a reflexão e a consciência
podem nos conduzir em tempos de crise, como agora. Atitudes intempestivas, além de não adiantar, só fomentam o agravamento dos desequilíbrios. Infelizmente, ainda
nos apegamos em imagens, em ídolos, em discursos inflamados,... para nos
abstermos de pensar por conta própria. O voto, por si só, não representa
democracia e nem tampouco a ruptura com aquilo que nos desagrada; pois, ele vem
sendo exercido sem a devida reflexão. A prova
está aí, para quem quiser ver.
Assim, diante do momento atual, nada me é mais oportuno do
que o livro Ensaio sobre a Cegueira,
do escritor português, José Saramago; na medida em que entendo essa obra como
um chamamento a nossa mais profunda reflexão em relação ao ato de enxergar a
vida. E dentre tantas falas, escolho uma em especial para finalizar: “Se antes de cada ato
nosso nos puséssemos a prever todas as consequências dele, a pensar nelas a
sério, primeiro as imediatas, depois as prováveis, depois as possíveis, depois
as imagináveis, não chegaríamos sequer a mover-nos de onde o primeiro pensamento
nos tivesse feito parar”.