Mais
que uma novidade, a Educação precisa de uma metamorfose!
Por
Alessandra Leles Rocha
Já perceberam que, no Brasil, as soluções
para os problemas mais complexos surgem repentinamente como bálsamos de
esperança? Tem sempre alguém incumbido em tirar coelhos da cartola e fazer
chover ideias revolucionárias sobre campos, muitas vezes, insolúveis. E foi em mais um desses rompantes que nos
deparamos com a proposta do novo Ensino Médio.
Sempre que alguém chega bradando
mudanças e transformações para o contexto educacional brasileiro, inevitavelmente
uma nuvem de reflexões se instala sobre a minha cabeça. Não deixo de
estabelecer uma comparação imediata com a realidade da tecnologia no país, a
qual ainda não alcança igualmente todos os rincões, deixando centenas de milhares
de pessoas distantes do acesso à energia elétrica, a televisão, ao celular, ao
computador etc. em pleno século XXI.
Minhas palavras podem assustar
alguns leitores, mas a verdade é que o país urbano industrializado de uma
grande parcela da população nacional, na verdade, não reflete a realidade da
sua totalidade. E nesse sentido, a Educação também enfrenta tais desafios.
Infelizmente, uma série de abismos
divide o modelo de Educação nacional e não se restringem apenas a ótica das
regiões mais e menos urbanizadas, industrializadas ou desenvolvidas; mas, dentro
dos próprios municípios entre a oferta do ensino público - por escolas
municipais, estaduais e federais – e do ensino privado, das escolas urbanas e
rurais. Por essa razão, a proposta do novo ensino médio parece dispersa num
contexto, cuja complexidade envolve bem mais do que apresentam os gestores da Educação.
Não é possível concordar com a
ideia de subverter a lógica do processo de ensino-aprendizagem; primeiramente, porque
há de se levar em consideração uma sequência construtiva composta pelo ensino
infantil, ensino fundamental, ensino médio, ensino superior e cursos de pós-graduação.
Todos eles vêm ao longo do tempo, em maior ou menor escala, apresentando
publicamente desafios e necessidades de reestruturação; mas, não significa que
se possam resolver os problemas de modo particularizado, como pretendem os
gestores.
Pela base, por exemplo, as séries
iniciais contempladas pelo ensino infantil apontam para a sociedade os
descaminhos da alfabetização. As crianças estão indo para a escola cada vez
mais cedo e, no entanto, a consistência da sua alfabetização é cada vez mais
frágil. O país aponta um contingente de analfabetos funcionais em franco
crescimento, ou seja, indivíduos que foram alfabetizados, mas não adquiriram o domínio
de um código (seja este a língua materna ou a matemática) e das habilidades de
utilizá-lo para ler e escrever, extraindo uma compreensão satisfatória.
Entretanto, ao invés de buscar
soluções para um problema que notoriamente se desdobrará em consequências desastrosas
nos níveis de ensino posteriores, a preocupação dos gestores concentra-se na
redução dos níveis de evasão e repetência, mantendo os alunos na escola, ainda
que, sem os resultados de aprendizagem adequados tanto ao seu letramento, que
representa o exercício efetivo e competente da tecnologia do aprendizado, o
qual implica em habilidades variadas, quanto a sua cidadania. Isso significa
que os alunos se tornam simplesmente frequentadores do espaço educacional; mas,
não usufruem das conquistas advindas do processo de aprendizagem.
Bom, se o aluno não consegue compreender
as informações que recebe, é claro que o seu desinteresse aflora. Enquanto o
sistema educacional fecha os olhos para a realidade da alfabetização e do letramento
do aluno e mantém a mesma prática docente de séculos atrás, o resultado é o
insucesso garantido ano após ano.
Então, o ensino fundamental e o ensino
médio precisam passar por sérias reformulações curriculares, as quais passam
desde o enxugamento conteudista, abolindo o excesso de informações desnecessárias
e incompatíveis ao nível escolar dos alunos, até o desenvolvimento de práticas amparadas
na realidade de novas tecnologias pedagógicas, as quais estão mais próximas do
mundo contemporâneo e sua evolução. Isso significa pensar em um modelo não somente
de Educação, mas de Letramento; sobretudo, crítico.
De certa forma, o Exame do Ensino
Médio (ENEM) buscou enaltecer esse letramento crítico; mas, se o sistema
educacional não trabalha nessa direção, a avaliação perde o sentido e os alunos
ficam confusos diante do seu modo de aprender. A heterogeneidade das propostas
de ensino nos sistemas público e privado, no fim das contas, acaba por
privilegiar os alunos que conseguiram um aprendizado mais sintonizado ao ENEM.
Sei que sob esse aspecto,
esbarramos no meu comentário inicial sobre os abismos socioespaciais existentes
no país. Sim, especialmente nas situações mais extremas, quando ainda persistem
escolas com um único professor lecionando ao mesmo tempo para séries distintas,
com carência plena de infraestrutura (incluindo água potável, banheiros,
cantina, merenda etc.), sem acesso a luz elétrica e recursos de informática, sem
laboratórios; enfim... Talvez, a pauta da transformação educacional brasileira
devesse começar por essa lição básica, a de uma educação digna a todo e
qualquer cidadão do país.
Bem, mas sem tais ajustes, a
disponibilidade de ampliação de vagas no ensino superior parece, então, cada
vez mais perversa; porque permite o ingresso de um contingente expressivo de alunos
não preparados verdadeiramente para uma formação, que nesse ponto tem caráter profissional.
As deficiências apresentadas ao longo de uma vida ficam, de repente, bastante visíveis
e podem comprometer a continuidade do aprendizado acadêmico ou o resultado
prático no mercado de trabalho.
Não são à toa, os números da evasão
no ensino superior por conta das dificuldades de aprendizagem. O aluno começa
um curso, não se sai bem; muda para outro,... E assim, por diante. A verdade é
que o país se preocupou em oferecer o telhado antes da casa estruturada.
E não bastassem todos esses
percalços nos níveis de ensino, não se pode esquecer a desvalorização dos profissionais
de Educação. Além de uma rotina que extrapola a sala de aula, a violência, a carência
logística das instituições de ensino, os pífios salários e a ausência de um
plano de carreira digno fazem da profissão uma escolha impensada pelos futuros
profissionais. Cada vez mais, trabalha-se
muito por uma dignidade que não é alcançada.
Nas redes públicas de ensino,
principalmente, o número de servidores afastados por motivos de Depressão, Síndrome
do Pânico e outras patologias psicoemocionais, não só é alarmante como é uma
das causas do agravamento da baixa qualidade do ensino; pois, a escola ou fica
sem o profissional ou passa a contar com a presença rotativa de substitutos. Professores
doentes são pessoas que não resistiram a sobreviver de idealismo e chegaram ao
limite da violência moral advinda do escárnio do descaso público.
Portanto, não nos deixemos iludir. A
justificativa de que algo precisa ser feito não, necessariamente, reflete uma
mudança positiva. É preciso saber por onde começar e isso só acontece, quando
se conhece bem os problemas. Infelizmente, a história da Educação brasileira é
repleta desse tipo de remendos; por isso, vez por outra, o pano se esgarça e os
buracos dão a dimensão da frágil tecitura.