Da barbárie das
cavernas até hoje em dia
Por Alessandra Leles
Rocha
Podemos pensar que a barbárie é resultado da deterioração
humana? Por incrível que possa parecer, não.
O ser humano é um bárbaro por excelência e viveu nessa condição por
milhares de anos até que o advento da organização social e do surgimento das
leis, códigos e doutrinas viesse atuar como mecanismo de freio e contrapeso na boa
convivência entre os indivíduos.
Então, o que temos assistido nessa primeira semana de 2017 é
a deterioração social, no que diz respeito aos conceitos de cidadania e de
coexistência coletiva. Na medida em que o indivíduo se abstém da consciência e
do bom senso, que compreendem a importância do cumprimento das normas que
asseguram os direitos e os deveres de cada um, fica evidente o esfacelamento do
seu compromisso natural consigo e com os demais.
Quando a sociedade não se dispõe a refletir e discutir sobre as
razões que levam as pessoas a agir à revelia da boa e saudável convivência
estabelecida pelo vasto ordenamento jurídico de cada Estado nação, ela não faz
senão fomentar silenciosamente o resgate da prática da barbárie. Algo parece
sinalizar favoravelmente que agir na contramão das determinações das leis,
códigos e doutrinas não encontra sanções e/ou punições, as quais mereçam
crédito ou respeito.
Desse modo, o indivíduo passa a seguir suas próprias
orientações e ditames sem maiores preocupações e constrangimentos. Aliás, esse
é o comportamento humano desde a mais tenra infância, observar a aprovação ou
desaprovação do meio em que está inserido, para ver se pode ou não continuar
procedendo de uma determinada forma. Daí, a nossa total incompreensão diante
dos acontecimentos, os quais lamentavelmente tendem a persistir na sua
repetição.
Não é de hoje, que o Brasil ostenta uma vasta legislação
imbuída em tentar atender ao mais amplo espectro das necessidades e conflitos sociais. No entanto, no que diz respeito à sua
aplicação, fiscalização e modernização (de acordo com a evolução da própria
sociedade), o Estado brasileiro demonstra claramente a sua dificuldade e
inoperância, favorecendo espaços profícuos para o engessamento e o
descumprimento da mesma. Como dizem por aí, “uns fingem que fazem; outros
fingem que cumprem”.
Como se vê pouco se considera a questão da segurança pública
como um processo cíclico em que cada elo precisa manifestar a consciência na
ação da sua responsabilidade, com vistas ao resultado satisfatório esperado.
Basta que um dos elementos se descuide do exercício correto do seu papel para
colocar em xeque todo o processo; e isso, minha gente, inclui cada cidadão
brasileiro.
Então, sobre o nosso papel cidadão e para que não haja mais
nenhum tipo de dúvida, ser cidadão é ter:
O exercício dos direitos e deveres
civis, políticos e sociais estabelecidos na Constituição de um país. [...] Uma boa cidadania implica que os direitos e deveres estão
interligados, e o respeito e cumprimento de ambos contribuem para uma sociedade
mais equilibrada e justa. Exercer a cidadania é ter consciência de seus
direitos e obrigações, garantindo que estes sejam colocados em prática. Exercer
a cidadania é estar em pleno gozo das disposições constitucionais. Preparar o cidadão para o exercício da
cidadania é um dos objetivos da educação de um país.*
Desse modo, na displicência arrogante com que negligenciamos
a relevância da nossa cidadania e saímos, por aí, estratificando as mazelas
sociais entre maiores ou menores, graves ou não graves, deixamos de reconhecer
que problemas são problemas e quando não solucionados a contento transformam-se
em gigantescas bolas de neve.
Distante dessa consciência, a sociedade fomenta a ilusão de
que só temos direitos e, por isso, abrem-se precedentes para tantos absurdos,
para tantas manifestações da barbárie. Quem paga o preço no final é a própria
sociedade através de mais impostos e cada vez menos recursos investidos em
favor do bem comum.
Portanto, trabalhar apenas na “apartação humana”, entre os
que sabem e os que “não sabem” conviver em sociedade, é só uma forma simplista
de encarar tamanha deterioração. O país precisa muito mais do que isso e uma
mudança de comportamento e de atitude passa por uma reavaliação profunda das
leis, códigos e doutrinas, no que tange à sua aplicação, fiscalização e
modernização, devolvendo à população a percepção do seu princípio igualitário e
social.
Além disso, é fundamental que esse processo renovador alcance
a reformulação dos valores e princípios sociais, através das práticas presentes
na educação nacional. A escola precisa saber que cidadãos ela quer ajudar a
formar para o seu país. E um trabalho bem feito, nesse sentido, repercute
diretamente nas bases da educação familiar; pois, um aluno consciente da sua
cidadania possui efeito multiplicador e transformador na sociedade em que vive.
Caso contrário, a sociedade brasileira permanecerá no seu
franco declínio de deterioração, gastando recursos escassos em práxis
ineficazes enquanto chora novas barbáries anunciadas. Pensemos nisso com a
seriedade e a responsabilidade que nossa cidadania nos outorga.