Dezembros...
Por
Alessandra Leles Rocha
São tantos apelos, promessas, esperanças
que surgem em nossos Dezembros. E por mais forte que possam nos arrebatar, no
fim das contas, eles se esvaem naturalmente e nos deixam uma sensação estranha,
como se fundo, o ser humano não fosse tão humano como gostaríamos.
No entanto, dessa vez, algo terrível
nos impactou em cheio, antes mesmo que Dezembro chegasse. Um terrível acidente
aéreo matou 71 pessoas (65 delas brasileiras), em território Colombiano. Era um
voo fretado para levar o time da Chapecoense (SC), seus dirigentes e alguns
jornalistas para o primeiro jogo da final da Copa Sul-Americana de Futebol, contra
a atual campeã da Copa Libertadores da América a equipe colombiana Clube
Atlético Nacional de Medellín.
Por mais contidos e indiferentes
que possamos ser em momentos como esse, a linha tênue que separa a Vida da Morte
mexe com as emoções mais profundas. De repente, a compreensão sobre a efêmera existência
humana se materializa e ratifica o que teimamos tanto em não admitir. Não somos;
apenas, estamos. Um breve suspiro e... cruzamos
a linha.
Diante disso é impossível frear os
pensamentos. A vida surge na mente como um filme, cujas partes menos aprazíveis
começam a incomodar; afinal, nunca se sabe quando será a última cena. Então, nesse
momento, muitos irão cair em profunda reflexão existencial.
Entretanto, dadas às dimensões de
uma tragédia como essa, não é difícil afirmar que a tendência desse processo
seja de uma transformação, como aquela desejada por tantos Dezembros. Tanto o AMOR
como a DOR tem uma capacidade indizível de extrair de nós o que há de melhor e
quando estamos diante da morte sofremos as influências de ambos; daí, a razão
pela qual nossas crenças, princípios e valores são submetidos a um profundo
revolver de sentimentos, como se nossa alma fosse arada e preparada para que
pudesse germinar o belo, o bom, o justo e o sagrado.
O AMOR e a DOR nos trazem uma
compreensão exata do nosso papel como seres humanos, das nossas
responsabilidades, do nosso compromisso individual e coletivo; pois, o Senhor
das Horas não é infinito, como gostaríamos. Sem data e hora marcadas, um dia a
gente se despede. Então, em meio ao ‘olho desse furacão’ temos a oportunidade
de nos descobrir, de nos reinventar; como se algo incontrolável dentro de nós
exigisse transcender. As prioridades mudam. Os sonhos mudam. O mundo fica de
outro tamanho. Talvez, por isso se
amplifique a comoção.
Só lamento o fato de ser necessário
nos aproximarmos da morte (sobretudo, repentina) para nos respeitarmos, nos solidarizarmos,
exercitarmos a nossa compaixão; como havíamos desejado por tantos Dezembros. Quando
tudo parece desabar sobre nós, quando o corpo parece sucumbir ao desespero da ausência,
quando não há mais zonas de conforto ou redes de proteção, aí nos tornamos
humildes o bastante para abolir todas as arbitrariedades, as exigências, as
eventuais contrapartidas, as arrogâncias e admitirmos nossa pequenez e
fragilidade. Porque assim, só assim, somos capazes de nos humanizar
verdadeiramente.
Segundo o escritor mineiro, João
Guimarães Rosa, “Deus nos dá pessoas e coisas, para aprendermos a alegria...
Depois, retoma coisas e pessoas para ver se já somos capazes da alegria
sozinhos... Essa... a alegria que ele quer...”. Portanto, aprendemos com a
vida; aprendemos com a morte. Apesar do sofrimento desse momento, espero
sinceramente que de agora em diante estejamos mais bem preparados para os
próximos Dezembros; afinal, “só a experiência própria é capaz de tornar sábio o
ser humano” [1].