Amor, Amar...
Por Alessandra Leles
Rocha
Amar é sempre uma boa pedida? A pergunta aparentemente sem
sentido, no fundo revela uma crise que emerge no dia a dia contemporâneo. São tantas
as amostras da selvageria humana a estampar a mídia em todas as suas formas,
que o amor tem se relativizado ao invés de ser sentido. É como se houvesse um medo
materializado pairando sobre nós, como uma espada pontiaguda. Então fica a
pergunta: O que pode se esconder nas entrelinhas da subjetividade das emoções?
Ora, o que passa pela mente e os sentimentos do outro são
sempre uma incógnita e isso é o suficiente para nos deixar com os dois pés atrás,
numa defensiva inglória e cruel. Afinal, amar como já foi contado em prosa e
verso não é algo isento de dor e sofrimento, ao contrário do que anseiam os
pobres mortais. O que qualquer ser humano em sã consciência gostaria de viver,
ao menos uma vez na vida, é o arrebatamento do amor idealizado e assim,
possível de permitir que o corpo e a mente se deixem navegar pelas alterações
químicas e biológicas, que repercutem no mais profundo da sua existência, tornando
o mundo um lugar mágico e inesquecível para se viver.
Então, nesse sentido, amar deveria ser o mais perfeito alento
em tempos de crise, na medida em que nos colocaria passíveis de enxergar a vida
por outros ângulos e possibilidades. É esse sentimento que nos devolveria a
humanidade; no sentido da fraternidade, da comunhão e da afetividade. Quem ama buscaria
tecer os fios das relações com cuidado, com zelo, para não esgarçar nem se
perder. Como disse o poeta Luís Vaz de Camões, em seu Soneto 11, “É nunca contentar-se e contente; É um cuidar que ganha em se perder;
É querer estar preso por vontade”.
Mas a efemeridade do mundo tem provocado o desequilíbrio
entre a segurança e a liberdade e consumido gradativamente a nossa capacidade
de amar e de se permitir ser amado. Como explicado pelo sociólogo polonês, Zigmunt
Bauman 1, na obra "Amor Líquido" 2, as relações humanas se misturaram e se
condensaram com laços momentâneos, frágeis e volúveis, em um mundo cujas
características estão repletas de dinamismo, fluidez e velocidade, seja no
campo real ou virtual. Assim, as pessoas foram banalizando aquilo que nada tem de banal, desqualificando
e ridicularizando aquilo que nada tem de menor ou de ridículo, subvertendo uma
lógica natural e intrínseca ao ser humano.
Então, o que se precisa imediatamente é resgatar o destemor,
a ousadia, talvez o arroubo juvenil e partir para o mundo na ânsia de ser capaz
de amar completa e plenamente. Nada de máscaras, de subterfúgios, de joguinhos sem
razão, apenas amar deixando fluir de si uma sã inquietude de compartilhar o
direito e o avesso de si mesmo. Tudo banhado por silêncios que falam, olhares
que explicam, gestos que traduzem, comportamentos que sinalizam.
Afinal de contas, amam primeiro as almas depois os corpos. Essa é a grande verdade, para quem quer amar! É
nisso que reside à grandeza e a complexidade de amar entre os solavancos e as pedras
do caminho. É o amor que transcende o passar do tempo e suas marcas, como se o
contentamento do primeiro encontro fosse o suficiente para alimentar a sua chama.
Amam-se os defeitos e as qualidades, a falta de beleza, o jeito desconsertado,
a timidez,... porque todo ser é assim incompleto, imperfeito, e porque não
dizer até, insensato.
Entretanto, nada disso que falei é suficiente para
transformar-se em receita de amor. Pois, nem todo mundo vive um amor para vida
inteira. Alguns vivem dois, três, vários, cada um especial o bastante para ter
o que contar o que sentir. A verdade é que para amar é preciso se permitir,
contrariar a ideia de que se é uma ilha de solitude e começar, abrindo um
sorriso para iluminar o dia. Daí distribua o amor na sua forma mais pueril como
quem distribui margaridas; começando pelos mais próximos até que se chegue
naquele ser especial, diferente, desconhecido até então. Amar não é um Sprint, mas uma longa maratona,
sem data e hora marcadas para acabar, sem medalhas, sem pódio; talvez, coroas
de louro e champanhe para brindar. Mas, nunca é cedo demais, nem tarde demais;
porque, como dizia Tom Jobim, “Fundamental
é mesmo o amor, é impossível ser feliz sozinho” 3.