domingo, 12 de junho de 2016

Direito. De quem?


Direito. De quem?

 

Por Alessandra Leles Rocha

 

 

Todos os homens nascem livres e iguais em dignidade e direitos. São dotados de razão e consciência e devem agir em relação uns aos outros com espírito de fraternidade. (Declaração Universal dos Direitos Humanos – artigo 1º)

 

Pois é, deveria ser assim; mas, infelizmente, o que está escrito no papel não se traduz em ações. Quase duas décadas desse terceiro milênio já foram cumpridas e a raça humana persiste em se permitir exacerbar todo o primitivismo contido nas suas origens. Apesar da racionalidade, a opção pela barbárie cresce vertiginosamente e tentar justificar pelo ‘direito’ as atitudes mais vis e torpes que ousa praticar contra seus semelhantes.

Sim, cada segmento da sociedade vale-se do seu ‘direito’ para sobrepor ao ‘direito’ dos demais, como se todas as leis, códigos e doutrinas não tivessem sido criados para servir de freios e contrapesos ao comportamento de todos igualmente. Assim, a filosofia do ódio nutrida através da desigualdade estabelece que uns se julguem mais importantes do que outros.

Nesse contexto, os dois tiroteios ocorridos em Orlando, na Flórida, um na sexta-feira 1 e o outro nessa madrugada 2, são exemplos para uma profunda reflexão sobre o que acontece não só nos EUA, mas mundo afora. Absurdamente e por razões diversas, pessoas consideram suas próprias convicções o suficiente para agir violentamente contra aqueles que de alguma forma são contrários aos seus pensamentos. Nada parece sensibilizá-las ou impedi-las desse confronto; nem mesmo a possibilidade delas próprias tornarem-se vítimas fatais dessas ações.

A ideia de que “o meu limite vai até aonde se inicia o do outro” deixou de existir, na medida em que ninguém parece mais conhecer ou admitir quais são os limites; daí a facilidade de ultrapassá-los, ou de sobrepô-los de alguma forma. É como se houvesse uma negação dos princípios norteadores da coletividade em detrimento de razões bastante específicas e, em alguns casos, estritamente individuais. Então, de repente, tudo se torna um motivo relevante: a religião, a política, a intolerância de gênero e racial, a crise econômica etc.

No entanto, esse sintomático desrespeito aos direitos humanos em nome de pseudodireitos não está trazendo outra consequência senão o esfacelamento da própria sociedade, anulando as forças que visam garantir a sua sobrevivência. Quando um ser humano se permite deixar de trabalhar em favor de um denominador comum aos anseios de todos, para que só os seus interesses sejam atendidos, o mundo passa a viver sob a insígnia da mais completa arbitrariedade. Creio que já se vão alguns séculos desde que “os fins justificavam os meios” e o Absolutismo era garantido por Deus.

Então, imagine se, de uma hora para outra, você fosse privado de ouvir, ou de ler, ou comer o que gosta, porque alguém disse não para suas escolhas; embora, não pudesse fazer isso. Esse é um exemplo simples, diante dos absurdos descomunais que estamos assistindo diariamente. Inspirados pela prática nazista do uso da força bruta e da ausência do diálogo democrático e construtivo no século XX é que, hoje, grupos terroristas, como o Estado Islâmico, por exemplo, repetem essa história de horror sem cerimônia. Tudo começa pelas ofensas triviais, que encontram respostas à mesma altura e disso para os grandes artefatos bélicos de guerra é um piscar de olhos.

A continuar nesse ritmo a coexistência pacífica será uma meta inatingível. Continuaremos a nos debruçar sobre corpos, lágrimas, flores e velas em vão, como vítimas resignadas das circunstâncias.  Quando, na verdade, somos minimamente responsáveis pelo terror que nos assombra. Seja na intolerância segregadora, no desrespeito gratuito, na ignorância enceguecida pela vaidade, na ambição desmedida... a sociedade se permite fazer mal a si mesma.

Dizia Mahatma Gandhi que, "Um homem não pode fazer o certo numa área da vida, enquanto está ocupado em fazer o errado em outra. A vida é um todo indivisível".   Por isso, quando minimizamos e negligenciamos  o bullying nas escolas, ou as guerras de torcidas de futebol nos estádios, ou os atropelamentos motivados pelo excesso de velocidade álcool e/ou entorpecentes, ou a corrupção que dilapida a dignidade do cidadão pagador de impostos,... estamos abrindo precedentes para a reafirmação e agravamento dessa ideologia deturpada e violenta na sociedade, como se de alguma forma ela fosse legítima, enquanto a nossa indignação apenas superficial e volátil.