Carinhos para a alma
Por Alessandra Leles Rocha
Parece estranho, soa esquisito falar em carinho sem
traduzir a palavra em questão para a materialidade do visível, do palpável. É! Mas
não é só o corpo que precisa de carinho! Muitas vezes é lá no fundo, debaixo de
todos os sentidos e essências que a vida carece de aconchego, de afeto, de um
olhar bem mais atencioso.
Todos os dias a vida acorda e adormece na labuta incessante
dos ponteiros do relógio, que apesar de silenciosos, sussurram ao pé do nosso
ouvido a lista de afazeres, de obrigações, de compromissos a cumprir. Mal dá
tempo para uma espreguiçadinha breve na cama e o salto para o trabalho nos
catapulta adiante. Vai ao banheiro, escova os dentes, toma banho, veste a
roupa, calça os sapatos, toma o café,... e abre a porta para cair na roda-viva.
Que pena! Tudo no automático! Sem uma pitada sequer
de poesia, de encantamento, de sonho. Nem uma olhadinha no espelho para um
namorico com a própria imagem... Nem o cantarolar desafinado de uma música para
embalar a manhã que está apenas começando... Nem o sorriso maroto no canto da boca pela
lembrança de uma anedota... Nem... Nem... Nem... Na lista das prioridades anda
faltando espaço para o essencial!
É minha gente! Será que estamos tão cansados, tão
doentes, tão casmurros, tão cabisbaixos à toa? Haja força para a máquina do
corpo sustentar sozinha tanto peso, tanta pressão! O que adianta uma mão de
tinta nos cabelos, um creminho no rosto (de vez em quando, porque o tempo é
curto!), uma ida a manicure e pedicura, uma sessão de massagem, uma roupa nova,...
se por dentro tudo parece estar em milhões de pedaços?! Quando foi a última vez
que você parou para dialogar consigo mesmo, hein?!
Ainda que a alma não tenha forma, nem cor, nem
cheiro, e muito menos, sabor: ela existe. E creio eu que nos últimos anos ela
não só existe, mas também resiste bravamente a não sucumbir diante de tanto
abandono. Falamos muito da pressa, do estresse, do individualismo, da avalanche
tecnológica, da contemporaneidade avassaladora, da competividade laboral
etc.etc.etc.; ora, mas quem criou tudo isso fomos nós! E se criamos um
problema, a solução dele deve partir também de nós.
Quando falo em carinhos para a alma trato de algo
que na verdade se encontra absolutamente acima de todas essas questões; mas,
que é sem sombra de dúvida o recomeço para solucionar as nossas mazelas
existenciais. Primeiro, porque precisamos nos conhecer mais profundamente para
estabelecer uma coexistência de grande qualidade. Para fazer carinho para alma
não precisamos necessariamente de outras pessoas; podemos fazê-los por nós
mesmos, através da nossa coragem e paciência em desvendar as nossas barreiras
conscientes e inconscientes. A nossa companhia tem que se tornar algo
fundamental, um bálsamo reconfortante e extremamente prazeroso. Só depois de
muita conversa através de todas as linguagens corporais e não corporais consigo
mesmo, de muitas lágrimas vertidas sob fortes ou ternas emoções, de muitos silêncios
contemplativos é que se pode afirmar com certeza se a alma “vai muito bem,
obrigado!”. Alma acarinhada reflete de dentro para fora o que o ser humano
possui de melhor, de mais valoroso. Alma acarinhada atrai energias que circulam
na mesma frequência e expressam integração de pensamentos.
Mas, a alma também agradece quando os carinhos vêm
de outras pessoas! Vai dizer que não gosta de receber uma mensagem inusitada,
ainda que virtual?! Ou flores?! Ou aquela caixinha de bombons recheados?! Ou um
abraço silenciosamente apertado depois de um exaustivo dia de trabalho?! Sermos
surpreendidos pelo carinho expresso gratuita e genuinamente pelas pessoas,
próximas ou distantes, têm um impacto incomensurável na alma; como se de
repente a vida nos fizesse mais sentido, ganhasse cores e brilhos mais intensos
e colocasse todos os problemas e tristezas no fundo de um baú com a obrigação
de jamais resgatar.
Portanto, para encontrarmos o equilíbrio da convivência
humana, para suportar os altos e baixos, a divergência de valores, a alternância
entre o bem e o mal, corpo e alma precisam estar fortalecidos, repletos de
carinho; em paz. Quem não está bem consigo mesmo não pode oferecer nada de bom
ao seu semelhante. Então, seja carinhoso consigo para distribuir carinho por
aí, em profusão! Reavalie suas prioridades, trace novos caminhos, busque
extrair da vida cada gota de felicidade (por mínima que seja) que te pertença.
Como diz o provérbio chinês, “Todas as flores do
futuro estão nas sementes de hoje”.