Rótulos
Por Alessandra Leles Rocha
Certa vez, vi em um livro que tratava sobre as relações sociais e o consumo uma foto publicitária que colocava várias cabeças carecas, vistas de costas e com um código de barras afixado, com o seguinte dizer no rodapé “Numa sociedade de consumo tudo se transforma em mercadoria”1. Um tanto quanto polêmico e constrangedor; mas, no fundo no fundo, a realidade cotidiana insiste terminantemente em propalar essa ideia.
Conscientes ou não desses novos rumos sociais, o fato é que se tem vivido uma neurose de rótulos e estereótipos entre as pessoas. Conceitos e regras para quem deve pertencer a esse ou aquele grupo, a partir do padrão de imagem exibido pelo individuo; sem quaisquer preocupações em averiguar e apurar o grau de verdade ou realidade desse ser.
Não é à toa a existência de uma legião determinada de corpo e alma na defesa de seu marketing pessoal. Um roteiro, uma estratégia, para alcançar a aceitação social e o passaporte para conquistar um espaço, por menor que seja, na selva social. Graus de exigências, perfis diversos, jeito de andar, de vestir, de falar, de pensar,... E sem que se dê conta da grande revolução porque passou, a pessoa se descobre um produto da massificação social, sem nenhum vestígio da sua identidade original. Descobre que para ser você mesmo o preço cobrado é cada vez mais alto.
Por isso tanta gente “pira”, enlouquece, surta no meio do caminho. Há sim, pessoas distribuídas por aí com a função de diminuir, menosprezar, impingir o mais alto grau de desqualificação aos que transitam pela vida. É como se milhares de rótulos fossem se aderindo a nossa pele e nos impedindo de nos enxergar e nos reconhecer diante do espelho. O que somos parece sempre insignificante e insuficiente diante das cobranças ditadas pelo mundo; a corrida pelo reconhecimento individual, seja ele pessoal e/ou profissional, se torna cada vez mais extenuante. Resultado: boa parte das pessoas acaba mesmo retida nessa rede e eliminada nesse processo de seleção artificial. Podem ser consideradas como aquelas que não atenderam ao padrão de qualidade especificado no tal “código de barras”.
O ser humano deixou de ser para ter alguma coisa. Colocou de lado suas emoções, seus sentimentos, suas virtudes, seus conhecimentos, e centrou foco na aquisição e na construção de bens duráveis e materiais. Deixou de ser o centro da convivência e da relação social, para se tornar coadjuvante do império de conquistas que traçou para alcançar. “Vale quanto pesa”, assim são medidas e consideradas aptas a pertencerem aos grupos sociais. Quanto mais se reforça esse tipo de cobrança, mais distantes as pessoas ficam dos valores intrínsecos de sua identidade natural.
Não se pode esquecer ou desconsiderar que a sociedade é o conjunto de indivíduos distribuídos em grupos ou populações que estabelecem entre si a convergência dos interesses e das diversidades sociais; mas, quando ela passa a carregar sobre os ombros o peso de um determinado rótulo, os sinais de alerta começam a soar. Afinal de contas, mandatários e subordinados nessa grande pirâmide originam-se da mesma sociedade. O pior nessa situação são essas pessoas considerarem que a inversão de valores éticos e morais não passam de simples consequência do processo de evolução social, sem grandes e maiores impactos, como se tivéssemos que aceitar tudo isso, todos os rótulos, com naturalidade e simplesmente nos adaptar a tais acontecimentos. Entretanto, se esquecem - ou preferem - deixar de enxergar que essa transformação tem conduzido ao agravamento significativo da violência, da intolerância, da busca desenfreada pela “vantagem”, da corrupção, do desrespeito completo pelo ser humano – por sua liberdade, sua igualdade e, sobretudo, sua dignidade.