Outono
Por Alessandra Leles Rocha
Apesar da chuva constante dos últimos tempos a destoá-lo de sua caracterização típica, o outono se iniciou no dia vinte de março e mesmo sem materializar nenhuma palavra, com certeza trouxe consigo a atmosfera da reflexão.
Depois das flores, do sol, do encantamento sedutor da vida, é chegada a hora de pacificar a alma, repor as energias, ponderar sobre tudo o que passou e o que está por vir, faxinar a vida no seu sentido literal e abrir novos espaços, novos sentidos para ser, agir e pensar. O descolorir proposto pela natureza é mais do que providencial! O desnudar da vegetação que lhe expõe ao rigor das oscilações térmicas se traduz em precioso convite para que nós humanos façamos o mesmo em nosso interior; romper com as ilusões e fantasias que nos impedem de nos reconhecer como de fato somos e libertar a humanidade latente que se abriga em cada molécula de vida que há em nós.
Por isso a penumbra cinzenta dos dias de outono é tão vital! A força da luz vibrante poderia nos intimidar a entrega nessa viagem enigmática e surpreendente. Muitas vezes não é preciso ver o todo, mas simplesmente reconhecer a forma e o conteúdo na sua dimensão mais exata. Sem podermos nos fechar em nosso próprio corpo, encontramos abrigo interessante em nossos lares, se apresentem eles da forma que for possível – pequenos, grandes, ricos, pobres, antigos, modernos,... Então, pela janela, pela vidraça embaçada pelo frio, nos colocamos simplórios e introspectivos pensadores da vida e seu fantástico cotidiano de surpresas.
A força pujante do ambiente com ares de hostilidade e distanciamento nos obriga a acompanhar o estilo sisudo. Sobre os casacos, sapatos fechados, cores escuras e frias, nos recolhemos. O trânsito apressado, ininterrupto, para não ficar exposto às intempéries do tempo também nos faz parecer flertar com a solidão. Não, que seja uma solidão verdadeira e impositiva ao afastamento das pessoas; mas, uma solidão brejeira que alterna momentos na companhia única e exclusiva do próprio individuo – a nos permitir estar consigo mesmo sem parecer chato ou casmurro - e outros em grandes encontros de amigos e amores para excelentes conversas regadas a boas bebidas e boas comidas. Assim, os meses passarão sem demora e até sem que tenhamos percebido suas influências e transformações.
Muitos consideram o outono, como uma estação de menor importância, isenta de beleza e grandes impactos aos seres humanos; mas, eu discordo. Especialmente, para nós brasileiros, que vivemos próximos ao calor equatorial, a presença de uma pausa para nos adaptar aos rigores do inverno, no que tange ao decréscimo acentuado e irregular das temperaturas, é muito importante. Essa pausa que a natureza nos impôs, indiretamente repercutiu em nosso próprio estado de espírito e comportamento; esse “desacelerar” é fundamental, restaurador do nosso equilíbrio físico e mental. A contemporaneidade apresentou suas regras rígidas e escravizantes e não nos deu um poder de escolha flexível e satisfatório; entretanto, alheia aos ditames, a vida em sua essência mais genuína anteviu o futuro e nos preparou essa grata surpresa.
Enfim, mais um outono chegou! Dias bucólicos e estranhamente banais irão esconder o vulcão que se prepara para explodir dentro de cada um; uma verdadeira revolução de ideias, de aspirações, de pensamentos, de metas e diretrizes. É a maturação do casulo, que por fora nada tem de bonito e interessante, mas é essencial acontecer para a justificativa do que se entende como evolução. Esse tempo tem que ser vivenciado na íntegra, sem atropelos, sem subterfúgios, sem falsas promessas; caso contrário, o esplendor que se espera apresentar na primavera estará comprometido, a vida estará fora de ordem e de lugar. A felicidade não está somente na alegria, no deleite, na euforia; ela talvez esteja ainda mais intensa nas agruras dessa hibernação física e existencial que nos desafia a reinventar quem somos, admitir nossos defeitos e substituí-los por novas virtudes, para de essa forma nos readaptarmos aos novos contornos e exigências do mundo. Talvez, subjetivamente falando, no outono se encontre a chave, a resposta, ao que Darwin1 afirmou sobre a Seleção Natural2; “somente os mais aptos sobrevivem”, porque para viver na selva contemporânea precisamos sim, e muito, permitir que os outonos nos concedam mais aptos.