quarta-feira, 9 de fevereiro de 2011

Crônica do dia!

Crise na pirâmide

Por Alessandra Leles Rocha

            Repressão, corrupção, fraudes, desemprego, miséria são sempre os grandes estopins de conflito mundo afora. A crise que se espalha pelo mundo árabe é um reflexo do cansaço popular diante da permanência de governos centrados nas mãos de um líder por longos períodos, impedindo a renovação de ideias e ações que viriam de encontro às necessidades da população.
        É sempre assim: um dia a fatia maior da pirâmide social se cansa de sustentar as fatias menores e decide lutar por sua vez e sua voz na reivindicação de seus direitos. É a crise na pirâmide!O passar dos dias na ausência de novas perspectivas desgasta quaisquer relacionamentos e ameaça a estabilidade hierárquica em quaisquer governos.
        Há tempos que a visão do “pão e circo” já não satisfaz! O mundo contemporâneo, espelho da globalização das relações sociais, compreende mais e melhor os acontecimentos que lhe afetam direta e indiretamente o cotidiano e, por essa razão, tem mais pressa e encontram melhores mecanismos de organização para partir em busca de uma transformação efetiva. É possível perceber tudo isso nos acontecimentos recentes no Egito, em que, por exemplo, as mulheres foram para as ruas apesar das restrições das leis muçulmanas. Partidárias ou não do governo de Hosni Mubarak, lá estavam elas a defender suas ideias.
        Talvez esteja nesse processo sociológico de evolução contemporânea da humanidade a chave para o novo paradigma que caracterizará esse terceiro milênio. Os olhos do planeta se voltam para o Oriente Médio temendo que a instabilidade no Egito possa comprometer a região já inflamada pelos conflitos, especialmente os religiosos. Uma eventual vitória e supremacia do islã, por meio das facções mais radicais, viriam a sinalizar graves prejuízos políticos, econômicos e, especialmente, para a paz entre o oriente e o ocidente. Por isso, até o momento, o Prêmio Nobel da Paz, Mohammed ElBaradei (diplomata, ex-diretor da AIEA - Agência Nuclear da ONU), voltou ao país e está liderando o movimento que busca uma transição governamental mais pacífica, conciliando tanto o apoio norte-americano quanto da Irmandade Muçulmana, um partido islâmico fundado em 1929 e colocado na ilegalidade, por Mubarak 1.
        Essa crise nos dá a oportunidade de perceber com mais profundidade a complexidade envolvida no estabelecimento dos Tratados de Paz na região. Estados guerreiam entre si, enquanto se esquecem e abafam os grandes conflitos internos que proliferam em suas populações. Gastam os recursos financeiros na manutenção de exércitos fortes para lutar contra os inimigos fronteiriços ou não, enquanto sua população morre de fome, sem emprego, sem atendimento médico etc.etc.etc. Fomentam a chama da discórdia e da guerra embaixo dos próprios olhos, e preferem continuar a debater somente sobre a guerra internacional; lentamente preparam o terreno para quaisquer grupos que venham ao encontro de aliviar e dissipar as agruras que afligem sua gente. Um povo sofrido, carente, geralmente se entrega fervorosamente ao calor das palavras que lhes apaziguam a alma, mesmo que se trate de mero placebo.
        Assim, a vida no planeta parece mesmo disputar palmo a palmo com a instabilidade a sua permanência. Se não são os grandes conflitos bélicos, são as catástrofes do clima, são as doenças e epidemias, é a miséria, é o distanciamento da dignidade cidadã, enfim... o sobressalto da humanidade é constante. Quaisquer rearranjos na estrutura do globo metamorfisa a estrutura social de maneira drástica e com consequências imprevisíveis; por isso, como disse Mahatma Gandhi 2, “não há um caminho para a paz; a paz é o caminho” 3. Mas, é preciso entender que a paz não se fundamenta só, ela precisa que cada indivíduo esteja em paz consigo mesmo, dispondo de todas as ferramentas necessárias à cidadania que lhe permita vencer os desafios que o dia trouxer à luz de seu caminho.
        O resultado desses acontecimentos a história registrará. Por enquanto, teóricos e especialistas nas relações internacionais conjecturam a respeito do grande mistério que cerca tantas incertezas; tal como se estivessem às voltas com o próprio enigma da esfinge: “Decifra-me ou devoro-te”.     


1 http://noticias.r7.com/internacional/noticias/veja-a-cobertura-completa-da-crise-no-egito-20110128.html
2 http://www.culturabrasil.pro.br/gandhi.htm
3 http://pensador.uol.com.br/frase/MTg1MzY/