quarta-feira, 23 de julho de 2025

Apesar dos pesares, a obviedade permanece óbvia!


Apesar dos pesares, a obviedade permanece óbvia!

 

Por Alessandra Leles Rocha

 

Por se tratar de um espaço de interesse popular, o microcosmo do Congresso nacional vive sob constante luz do midiatismo. No momento atual, por força do seu regimento interno, ele está sob período de recesso parlamentar. Nada de sessões, de deliberações, de grandes novidades. O prédio encontra-se sob força dos reparos, das manutenções, dos cuidados técnico-operacionais.

Entretanto, eis que um grupo de parlamentares, ligado a uma determinada sigla partidária, decidiu que não iria acatar o estabelecido e desembarcou no local para diversas reuniões e discussões, tendo como pano de fundo a situação jurídica de um correligionário, o ex-Presidente da República. O que, do ponto de vista dos veículos de comunicação e de informação, tradicionais e alternativos, torna-se objeto de extremo interesse nacional, fazendo com que se colocassem a postos para cobrir os acontecimentos.

Acontece que, apesar das recentes medidas cautelares impostas pelo Supremo Tribunal Federal (STF) ao ex-Presidente da República, ou seja, o uso de tornozeleira eletrônica; a proibição de deixar o Distrito Federal; o recolhimento domiciliar das 19h às 6h de segunda a sexta; o recolhimento domiciliar integral nos fins de semana, feriados e dias de folga; a proibição do uso de redes sociais, diretamente ou por intermédio de terceiros; a proibição de fazer contato com embaixadores e diplomatas estrangeiros; a proibição de se aproximar de embaixadas e consulados estrangeiros; e, a proibição de contato com outras pessoas investigadas na ação, entre eles o filho Eduardo, inclusive por intermédio de terceiros, ele resolveu participar desse encontro com os parlamentares.

Considerando a sua longa trajetória como parlamentar no Congresso, ele sabia exatamente que o local estaria, por conta da iniciativa de alguns de seus correligionários, repleta de veículos de imprensa. Mesmo assim, ele se colocou como alvo preferencial dos holofotes midiáticos, ainda que os encontros tenham sido realizados de maneira privada e discreta. Porém, no ímpeto de garantir sua visibilidade, em momento tão adverso da sua posição político-partidária, ele optou por uma saída do local, bastante midiática. Parou para mostrar o uso de tornozeleira eletrônica e proferiu uma série de palavras em sua autodefesa, enquanto se transformava em furo de reportagem para os jornalistas no local.

Ora, não é preciso dizer, que a realidade da comunicação contemporânea se mostra imediata. As Tecnologias da Informação e da Comunicação (TICs) promovem uma interação social praticamente instantânea. O que explica o desafio que o mundo tem encontrado diante dos recortes midiáticos, que instrumentalizam a força da Pós-Verdade; bem como, rompem com valores e princípios éticos da sociedade. Daí a decisão ter em sua pauta “a proibição do uso de redes sociais, diretamente ou por intermédio de terceiros”; posto que, atos recentes do ex-presidente, nesse contexto, configurariam coação, obstrução de investigações e tentativa de abolir o Estado Democrático de Direito.

Portanto, a opção por sair de maneira midiática do Congresso Nacional permitiu ao ex-Presidente da República, que aquele momento fosse sim, transmitido e retransmitido por qualquer plataforma de rede social em contas de terceiros; bem como, por quaisquer veículos de comunicação e de informação, tradicionais e alternativos. O que, de fato, aconteceu. A imagem dele, mostrando o uso de tornozeleira eletrônica e proferindo uma série de palavras em sua autodefesa, circulou na imprensa como rastilho de pólvora, tornando-se um instrumento importante para a mobilização da sua claque, mais arraigada e radical, contra o Estado Democrático de Direito. Era o uso do vitimismo como arma de sensibilização ideológica, ou seja, a instrumentalização pela força da Pós-Verdade.    

Feitas essas breves considerações, parece que o espaço para discussões ou interpretações, nesse caso, é praticamente inexistente. Observando a conexão que existe entre todas as medidas cautelares impostas, fica evidente que elas buscam impossibilitar ao ex-Presidente da República de se valer das TICs para atingir o propósito de coação, obstrução de investigações e tentativa de abolir o Estado Democrático de Direito.

Afinal, todos os processos em curso no STF, que tratam da trama golpista, cujo ápice foi a manifestação da barbárie coletiva, ocorrida  em Brasília / DF, em 08 de janeiro de 2023, tiveram as TICs como principal ferramenta de utilização da Pós-Verdade junto aos seus apoiadores, simpatizantes e financiadores.


quinta-feira, 17 de julho de 2025

Os INIMIGOS do Brasil


Os INIMIGOS do Brasil

 

Por Alessandra Leles Rocha

 

Não é a primeira e, certamente, não será a última vez, em que o Congresso, por meio de sua parcela majoritária, se mostra INIMIGO dos interesses nacionais. Primeiro, porque há quem pense que o Brasil é o país desse ou daquele lobby congressista. Só que não. Em pleno século XXI, ele é um país de aproximadamente 218,56 milhões habitantes.

Segundo, porque as práxis de votações na calada da noite, sob o silêncio traidor que paira sobre a República, longe do escrutínio popular, não são novidade. Elas estampam páginas e mais páginas na historicidade brasileira.

E por fim, porque já não fazem questão de esconder o seu verdadeiro lado sabujo, herança dos tempos coloniais. É triste, constrangedor; mas, o Congresso brasileiro teima e insiste em lustrar sua vocação servil aos interesses da elite, do baronato, nacional.

Bem, e se o Brasil enfrenta, nesse momento, a maior afronta diplomática de sua história, manifestada por uma série de tentativas intervencionistas contra a sua soberania, a sua economia, as suas relações comerciais, o seu sistema jurídico, por parte dos EUA, entendo que seus maiores INIMIGOS estão, portanto, dentro do próprio país.

Ora, gente que hasteia sem cerimônia, sem qualquer pudor ou constrangimento, bandeiras e símbolos estrangeiros, em total manifestação de desprezo ao seu país, à sua cidadania, vai-se dizer o quê, sobre elas?   Gente que aplaude a conduta antidemocrática e anticidadã de certos parlamentares, que utilizam da sua posição, para achincalhar com inverdades e delírios o país que paga seus salários e benefícios, é o cúmulo do absurdo! Os INIMIGOS estão sim, entre nós!

Por essas e por outras, o Congresso nacional está “bancando a egípcia”, se fazendo de desentendido para não ter que punir, com a devida severidade regimental, seus parlamentares foragidos da justiça brasileira.

A impressão que se tem é de que, no fundo, os presidentes das respectivas casas legislativas federais gostariam de explodir a sua euforia concordante. Então, valendo-se do verniz parlamentar, transformam a sua raiva contida em traições contra os interesses nacionais, à margem dos olhares do cidadão comum.

É, a madrugada foi um flashback dos tempos coloniais! O agronegócio, deitou e rolou, na consolidação dos seus interesses, no âmbito do poder econômico e político nacional, através da subserviência daqueles que recebem seus apoios e financiamentos de campanha.

O que aconteceu serve para que não restem dúvidas sobre a dimensão do espírito explorador e dizimatório que incide na Terra Brasilis, desde a chegada do colonizador europeu, há pouco mais de 500 anos. Sem contar, de como evidencia o desprezo pelos verdadeiros interesses do país, que rege a maioria da atual composição congressista brasileira.  

Como dizia a canção de Cazuza, “Meus inimigos / Estão no poder ...” 1. E essa compreensão é fundamental, porque ela traz luz à consciência de que existem INIMIGOS visíveis e invisíveis. Há os que se mostram no palco dos debates e das decisões; mas, há os que se escondem na dissimulação, na ocultação, na hipocrisia, no fingimento, de seus verdadeiros interesses e sentimentos.  Algo lastimável, segundo Carlos Bernardo González Pecotche, humanista e pensador argentino, pois “As diferenças de opiniões nunca devem suscitar inimizades nem ressentimentos”.

Bem, mas é o que temos para hoje. INIMIGOS. TRAIDORES DA PÁTRIA. ANTICIDADÃOS. ANTIDEMOCRATAS. Gente que se encheu de satisfação e aplausos, diante da tecitura golpista que se abateu sobre o Brasil e culminou no 08 de janeiro de 2023. Ainda que o resultado não tenha sido o esperado!

Por isso, é preciso prestar atenção no fato de que “A reação mais comum da mente humana a uma conquista não é satisfação, e sim o anseio por mais” (Yuval Noah Harari - historiador, filósofo e escritor israelense). E como se pode perceber, pelos inúmeros sinais, essa gente quer mais, espera por mais.

Afinal, é dessa forma que pretendem permanecer garantindo suas regalias e privilégios, herdados historicamente. Seus patrimônios, suas influências, seus poderes não podem ser comprometidos. Daí, então, resta saber se você, caro (a) leitor (a), irá contribuir com seu voto ou não, para que elas prossigam na busca do tão sonhado êxito.  



1 Ideologia - Cazuza (1988) /  Composição: Cazuza / Roberto Frejat. https://www.youtube.com/watch?v=hfsxcebq5Rc   

segunda-feira, 14 de julho de 2025

O progresso e suas escolhas


O progresso e suas escolhas

 

Por Alessandra Leles Rocha

 

Uma das principais marcas impressas no inconsciente coletivo da humanidade, pela Revolução Industrial, a partir da segunda metade do século XVIII, é a ideia de progresso. Naquele contexto histórico, partiu-se de uma percepção demasiadamente positiva, na qual as sociedades em um cenário de progresso evoluem ao longo do tempo, passando por estágios que representam melhorias em diversos aspectos como qualidade de vida, bem-estar social, e avanços tecnológicos e científicos.

Acontece que eram tempos desprivilegiados em termos de conhecimento a respeito das Ciências Ambientais e das Ciências Médicas, por exemplo. Portanto, as expectativas em torno dos impactos negativos, causados pela Revolução Industrial, passaram à margem da preocupação da sociedade da época. Era difícil estimar que o tal progresso estivesse na contramão de propiciar melhorias à qualidade de vida e à condição humana. Contudo, os séculos se passaram, e o conhecimento, apesar do atraso, chegou descortinando o lado obscuro do progresso sobre a humanidade e o planeta.

Por essas e por outras, fui pega de surpresa com a notícia 1 de que Minas Gerais publicou uma resolução que permite que resíduos de couro com cromo sejam destinados a aterros sanitários comuns. A Deliberação Normativa nº 252/2024 estabelece procedimentos para o gerenciamento desses resíduos; mas, o objeto da iniciativa foi reduzir custos para as empresas.

Aos que jamais ouviram falar sobre Patologia Ambiental, ou seja, um campo interdisciplinar que combina conhecimentos de ecologia, medicina, toxicologia e outras áreas para entender como fatores ambientais prejudiciais afetam a saúde dos seres vivos, incluindo contaminação por metais pesados e outros agentes poluentes de alta periculosidade, o fato infelizmente passa despercebido.

Acontece que o cromo (Cr) é amplamente utilizado em diversos processos industriais, com destaque para a produção de aço inoxidável, cromagem, na indústria química, em pigmentos, curtimento de couro, e conservantes de madeira. Embora, o tipo de cromo mais utilizado no curtimento de couro seja o cromo trivalente (Cr III), na forma de sulfato básico de cromo, existe risco da transformação do cromo trivalente (Cr(III)), em cromo hexavalente (Cr(VI)), uma forma tóxica e carcinogênica.

Eventuais falhas, tanto no processo industrial quanto na fiscalização e controle pelos órgãos ambientais, pode sim, desencadear um processo de oxidação do cromo trivalente a partir de condições ambientais específicas, tais como na presença de altas temperaturas, pH elevado e oxidação por outros elementos.

E o cromo, na sua forma hexavalente (Cr VI), apresenta riscos significativos à saúde humana e ao meio ambiente, que variam desde a contaminação dos solos e fontes de água até problemas respiratórios, renais, hepáticos e maior incidência de câncer. Afinal, o cromo hexavalente (Cr VI) é mais tóxico e facilmente absorvido pelo corpo humano do que o cromo trivalente (Cr III).

Portanto, a Deliberação Normativa nº 252/2024 transita na contramão dos fatos em relação à gestão de resíduos que contenham cromo, na medida em que ela permite o descarte em aterros de resíduos não perigosos, ou seja, locais de disposição final que não apresentam riscos significativos à saúde humana ou ao meio ambiente.

Tais aterros são classificados como Classe II, pela legislação brasileira, podendo ser divididos em duas categorias: não inertes (Classe IIA) e inertes (Classe IIB). A Classe IIA (Não Inertes), por exemplo, inclui restos de alimentos, lodos orgânicos, papelão, plásticos e borrachas. Já a Classe IIB (Inertes) inclui entulhos de construção, sucatas de ferro e aço, e alguns tipos de plásticos e borrachas.

Anteriormente, esses resíduos eram direcionados a aterros mais caros, os aterros de resíduos perigosos ou aterros Classe I. Esses aterros são regulamentados por normas específicas, tais como a NBR 10.004, que define os critérios para a classificação dos resíduos, e a Lei nº 12.305/2010, que estabelece a Política Nacional de Resíduos Sólidos. Esses são locais projetados para receber e armazenar de forma segura resíduos que apresentam características como toxicidade, inflamabilidade, corrosividade ou reatividade.

Os aterros de resíduos perigosos são projetados com sistemas de impermeabilização para evitar a contaminação do solo e das águas subterrâneas. Eles geralmente incluem camada de argila, geocomposto bentonítico, manta de polietileno de alta densidade (PEAD), geotêxtil, camada drenante, poços de monitoramento. Daí o seu custo de construção e de operação serem mais elevados. Sem contar, que eles não estão disponíveis em todos os municípios.

É essa estrutura que permite a devida proteção ao meio ambiente e a saúde pública, tendo em vista de que previne a contaminação do solo e da água, reduzindo os riscos à saúde humana, e promovendo a gestão adequada dos resíduos. O que em síntese significa garantir que os resíduos perigosos, como é o caso do cromo, sejam descartados de forma segura e responsável.

Portanto, a questão da Deliberação Normativa nº 252/2024 merece mais atenção por parte das autoridades. Em pleno século XXI, embora associado a avanços e melhorias, o progresso tem seu viés merecedor de críticas por conta de inúmeros desafios apresentados; sobretudo, relacionados à sustentabilidade.

É fundamental que a indústria seja chamada a tomar uma melhor decisão, no que diz respeito à gestão de resíduos perigosos, para sempre garantir que os rejeitos sejam corretamente descartados, de acordo com as normas e leis ambientais em vigor, e não visando exclusivamente uma redução de custos operacionais.

Vale ressaltar que os custos decorrentes de doenças causadas pelo cromo podem variar, significativamente, dependendo da gravidade da intoxicação e do tipo de tratamento necessário. Casos mais graves, por exemplo, os quais envolvem o desenvolvimento de câncer, podem demandar tratamentos caríssimos, como quimioterapia, cirurgias e internações hospitalares prolongadas. Assim, qualquer eventual redução de custos, com a destinação de resíduos de couro com cromo em aterros sanitários comuns, pode se perder em custos elevados com a saúde dos trabalhadores e da população em geral.



1 MG1 - Edição de segunda-feira, 14/07/2025 - https://g1.globo.com/mg/triangulo-mineiro/mg1-uberlandia/


O que é mudança climática? (What is climate change?)


A resposta a essa pergunta está disponível em

Benefícios da Segurança Alimentar (Benefits of Food Safety)

Saiba mais em
"Segurança e qualidade alimentar" - https://www.fao.org/food-safety/en/ 

Sempre em tempo de lembrar!!!



domingo, 13 de julho de 2025

14 de Julho. Essa data tem muito a dialogar conosco, sabia???


14 de Julho. Essa data tem muito a dialogar conosco, sabia???

 

Por Alessandra Leles Rocha

 

Amanhã é 14 de julho. Para uma imensa maioria, apenas, mais um dia da semana, uma segunda-feira repleta de afazeres e compromissos. Só que não. Apesar de ser o mais importante feriado francês, em razão do episódio histórico da Tomada da Bastilha, em 1789, na verdade, ele diz respeito a todos os cidadãos do mundo. Sim, a Revolução Francesa é um marco social global, na medida em que influenciou a organização das sociedades e a política de diversas nações, moldando os ideais das relações humanas modernas.

O fim da França monárquica de Luís XVI foi, de fato, um espelho a refletir a possibilidade de abolição de altos privilégios desfrutados pela nobreza e pelo clero, o que permitiu o desmantelamento da estrutura política e social, prevalente na Europa, entre os séculos XVI e XVIII, caracterizada pela monarquia absolutista, uma sociedade presa ao imobilismo social e pela economia mercantilista, possibilitando a libertação camponesa dos laços feudais. O que inspirou movimentos por direitos humanos e igualdade social em diversos outros países, os quais impulsionaram movimentos revolucionários e de independência em diversas partes do mundo, como nos Estados Unidos e na América Espanhola.

Mas, talvez, o aspecto mais importante propiciado por esse marco histórico seja o fato de nos permitir entender o espaço que ocupam os indivíduos na pirâmide social e a discutir as consequências e desdobramentos dessa organização, até os dias atuais.  Afinal, por ter aberto caminho para o desenvolvimento do capitalismo, a Revolução Francesa não apenas transformou radicalmente a estrutura social e as relações de trabalho, como influenciou o desenvolvimento do direito trabalhista e a organização da força laboral.

O que torna a ideia de ricos e pobres, algo extremamente vago e incompleto. As classes sociais são atravessadas e recortadas, principalmente, pela compreensão a respeito das oportunidades e do poder de influência de cada grupo na sociedade. Daí a necessidade de entender a dimensão das relações de poder, dos conflitos desencadeados por elas, a partir das diferentes formas de organização da sociedade.

A riqueza não diz respeito somente à posse de bens materiais. Ela vai muito além. A parcela da sociedade que é efetivamente rica dispõe de oportunidades, poderes e influências, no contexto da dinâmica social. Em face do vultoso montante de dinheiro, de propriedades e de investimentos financeiros, muitas vezes advinda de heranças, eles viabilizam um alto padrão de qualidade de vida; mas, sobretudo, consolidam a sua participação social no que diz respeito a todo conjunto de tomadas de decisões importantes. Além disso, essas pessoas são proprietárias dos meios de produção, o que lhes permite serem também grandes investidoras financeiras, retroalimentado as suas influências e poderes.

Já a pobreza, diz respeito diretamente à relação de dependência do Estado ou dos donos dos meios de produção. Pois é, todo aquele cuja vida está condicionada aos recursos financeiros provenientes exclusivamente da sua força de trabalho, e que depende das oportunidades oferecidas pelas elites para ter algum acesso aos serviços essenciais, não pertence ao rol dos ricos, quiçá, dos multimilionários estampados nas revistas de Economia. Gostem ou não, aceitem ou não, essas pessoas exprimem a existência ultrajante da exclusão social e da inacessibilidade a uma participação mais ativa e intensa na sociedade.

Haja vista a distribuição de classes sociais, segundo a renda no Brasil, em 2025, a partir de pesquisa realizada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Classe A: acima de R$ 28.240; Classe B1: entre R$ 12.683,34 e R$ 28.240; Classe B2: entre R$ 7.017,64 e R$ 12.683,34; Classes C1/C2: entre R$ 3.980,38 e R$ 7.017,64; e, Classes D/E: muitas vezes abaixo de R$ 3.018,00. É importante ressaltar que o percentual de multimilionários (pessoas com patrimônio superior a US$ 1 milhão) é de 0,21% da população brasileira e quase metade da riqueza do Brasil está concentrada nas mãos de 1% da população.

No Brasil, por exemplo, há quem se julgue rico; mas, está longe de ser! O temor de ser alocado em uma classe social desfavorável, em recursos e importância social, leva muita gente, por aí, a arrebitar o nariz e se colocar no mundo com ares de superioridade. Por isso, gosto sempre de lembrar as seguintes palavras de Aldous Huxley, escritor e filósofo inglês: “Os fatos não deixam de existir só porque são ignorados”. Somos o que somos, e ponto final. Sem contar que, à revelia de nossas vontades e quereres, o mundo gira e as circunstâncias, as conjunturas, os cenários, são subitamente alterados pela força enigmática do imponderável, do insólito, das incertezas. De repente, pobre hoje, rico amanhã, ou o contrário. Vai saber!

Por essas e por outras, que a Revolução Francesa permanece tão importante para a reflexão crítica global. A realidade contemporânea, segundo a Organização das Nações Unidas (ONU), esse ano, aponta para o fato de que “mais de 690 milhões de pessoas vivem atualmente em pobreza extrema, sobrevivendo com menos de US$ 2,15 por dia. Além disso, cerca de 2,8 bilhões, mais de um terço da população mundial, vivem com rendas entre US$ 2,15 e US$ 6,85 por dia, o que as torna extremamente vulneráveis a qualquer choque externo, como uma crise econômica ou desastre natural” 1.

Daí a necessidade de que os mesmos desvarios, irresponsabilidades, megalomanias e tiranias, vistos entre os séculos XVI e XVIII, na Europa, sejam veementemente rechaçados e combatidos, no século XXI. Como escreveu Victor Hugo, em “Os Miseráveis”, de 1862, “Destrua o buraco Ignorância e você destruirá a toupeira Crime. O único perigo social é a escuridão. (…) Humanidade é similaridade. Todos os homens são a mesma argila. Não há diferença, aqui na Terra ao menos, por predestinação. A mesma escuridão antes, a mesma carne durante, as mesmas cinzas depois. Mas a Ignorância, mesclada com a composição humana, escurece essa percepção. É assim que a Ignorância possui o coração do homem e, daí, surge o Mal”. Lembre-se: “Ser perverso não garante prosperidade”; porque, “A miséria das classes baixas é sempre maior que o espírito de fraternidade das classes altas”.



sexta-feira, 11 de julho de 2025

Já dizia Aldous Huxley, “Os fatos não deixam de existir só porque são ignorados”.


Já dizia Aldous Huxley, “Os fatos não deixam de existir só porque são ignorados”.

 

Por Alessandra Leles Rocha

 

A afronta do governo estadunidense ao Brasil é totalmente descabida e inadmissível. Entretanto, uma atitude intempestiva vinda de fora das fronteiras nacionais tem um peso próprio. Mas, o que verdadeiramente causa asco, repulsa, aversão, é que a situação em si tenha a participação de figuras nascidas no Brasil; mas, que abdicam da sua identidade nacional para exercitar a subserviência em relação a outros países.

Ontem, as duas casas legislativas federais, Câmara dos Deputados e Senado, emitiram uma nota pública a respeito da referida afronta estadunidense. Porém, optaram por silenciar em relação ao fato de que uma dessas figuras é, justamente, um deputado federal em situação de afastamento voluntário, do parlamento, e cujas atividades internacionais, nos EUA, configuram explicitamente crime de lesa pátria.

Considerando que, desde o início, o próprio deputado, através de vídeos e entrevistas, deixou clara as razões do seu afastamento, ao menos em tese, o que se esperaria do Congresso Nacional era uma atitude firme e decorosa em relação a ele. Em suma, era de se esperar que ele perdesse seu mandato parlamentar; bem como, todas prerrogativas e regalias do cargo. Ora, nenhum dia sequer, de sua estadia nos EUA, esteve distante de inúmeras práxis para tentar submeter o território nacional, ou parte dele, ao domínio ou à soberania estadunidense.

Mas, não bastasse isso, o seu irmão, Senador da República, apesar de não ter saído do país, também, exerce o mesmo papel, a partir de manifestações públicas em redes sociais, no parlamento e em entrevistas. O que torna a situação do Congresso Nacional, um tanto quanto, desconfortável e constrangedora, dada a forma com a qual tem conduzido essas condutas parlamentares.

Não, não há normalidade em permitir que um, dois, três ou vários parlamentares façam viagens internacionais, utilizando recursos públicos vultosos, com o propósito de afrontar explicitamente o próprio país, difamando-o, desqualificando-o, submetendo-o à vergonha internacional.

Sobretudo, acrescentando-se o fato de que nesse cenário valem-se de inverdades, de distorções discursivas, de narrativas totalmente inverídicas. Vejam, quando qualquer cidadão brasileiro age dessa maneira, está sim, construindo uma consciência coletiva a respeito, ainda que à revelia da concordância do restante da população.

Como parlamentar, ele é um representante político-partidário, eleito por uma parcela de cidadãos; mas, nem por isso, dispõe de autorização dessas pessoas para o cometimento de crimes como é a traição à Pátria. Ora, mas é exatamente isso o que esses indivíduos estão fazendo! Eles estão arrastando para a lama de suas declarações e comportamentos, o imenso coletivo nacional. Fazendo parecer que o país, como um todo, os referenda de maneira absoluta, o que não é verdade.

Por essas e por outras, o Congresso Nacional ao carregar a obrigação exercer um papel fundamental na definição e controle das ações do Estado, relacionadas à proteção do território e dos interesses do país, não pode permanecer se mantendo silencioso e à margem desses fatos extremamente graves.

Portanto, aguarda-se por uma atitude rápida e contundente em relação a esses parlamentares, os quais estão trabalhando em total dissonância à realidade e em prejuízo da soberania nacional. Inclusive, considerando a importância didática que isso reverbera entre outros parlamentares que, de maneira acintosa ou não, são apoiadores e simpatizantes de tais atitudes deploravelmente anticidadãs.

Já dizia José Saramago, prêmio Nobel de Literatura, em 1998, “Quando um político mente destrói a base da democracia”. Daí a necessidade de entender que “Numa democracia, é essencial a consciência da responsabilidade, a responsabilização daqueles que detêm o poder e o exercem” (Karl Raimund Popper - Filósofo e professor austro-húngaro).


quinta-feira, 10 de julho de 2025

A Terra é sim, redonda!


A Terra é sim, redonda!

 

Por Alessandra Leles Rocha

 

Confesso que certas respostas conjunturais da vida me causam uma satisfação imensa! Nos últimos dias, o Brasil estava sob o choramingo e o descontentamento da Direita e seus matizes; sobretudo, os mais radicais e extremistas, por conta do clamor popular, nas mídias sociais, em relação à necessidade de se fazer justiça social, no país. O que significa, na prática, romper definitivamente com o modelo histórico colonial brasileiro.

Então, eis que de repente, não mais que de repente, é esse espectro político-partidário que sofre os efeitos diretos de uma iniciativa de recolonização contemporânea, por parte dos EUA. A carta do presidente estadunidense ao Brasil, impondo não só uma ingerência à nossa soberania nacional e ao Estado Democrático de Direito; mas, também uma taxação de 50% aos produtos brasileiros, afeta diretamente os interesses de financiadores, apoiadores e simpatizantes da Direita e seus matizes.

Quem diria, não é mesmo? A vida cobrando o ranço colonial, imperialista, na mesma moeda! E o que é pior, com a participação direta de elementos pertencentes à ultradireita brasileira, que fugiram para os EUA e buscam, por lá, desempenhar um papel abjeto como anticidadãos, antidemocratas, e principalmente, como criminosos por lesa-pátria. Ao tentarem submeter o território nacional ao domínio ou à soberania de outro país, eles conseguiram comprometer os interesses comerciais e econômicos brasileiros.

Bem, mas não há espanto! Essa gente mostrou a sua cara, quando se permitiu publicamente hastear outras bandeiras e símbolos estrangeiros, em detrimento da sua própria cidadania. Quando abdicaram do exercício da sua identidade nacional para se tornarem sabujos dos outros. Infelizmente, esses indivíduos padecem de uma crônica saudade em relação aos seus tempos de Brasil colônia. Até parece, que a canção favorita deles é “Aluga-se” 1, de 1980, escrita por Claudio Roberto e Raul Seixas! Porém, vale ressaltar que eles se apropriariam de cada estrofe e se absteriam de qualquer crítica, presente na canção, quanto à maneira como os recursos nacionais são explorados e a aparente submissão do país aos interesses estrangeiros.

Agora, se alguém tinha dúvidas em relação a isso, elas foram dissipadas. A Direita e seus matizes; sobretudo, os mais radicais e extremistas, através da figura de sua classe político-partidária e das elites que a financiam e apoiam, que vieram reproduzindo, ao longo de séculos, uma condição de dependência e sujeição para as camadas inferiores da pirâmide social brasileira, prova da mesma subserviência.  Estão sob as botas tirânicas dos interesses geopolíticos estadunidense.

Vejam, quando se pensa nas palavras do sociólogo Darcy Ribeiro, por exemplo, de que “O Brasil, último país a acabar com a escravidão, tem uma perversidade intrínseca na sua herança, que torna a nossa classe dominante enferma de desigualdade, de descaso” 2, entende-se a dimensão do ranço colonial arraigado e persistente, nas relações internas e externas. A grande verdade é que as mesmas elites, ou classes dominantes, ou baronato, que se julgam no direito de escravizar todos aqueles abaixo da sua linha de poder, no fim das contas, são, também, escravizadas por aqueles que estão acima na escala de poder global.

Por isso, eles estão servindo aos interesses dos EUA, de reapropriação de seu controle e influência sobre o sul global - África, Ásia, América Latina e Oceania -; posto que, a historicidade desses países é marcada por experiências de colonização, desigualdade econômica e marginalização política. A escolha por atacar o Brasil, um player importantíssimo nessa geopolítica, então, é uma tentativa de fazer sobreviver os áureos tempos de hegemonia estadunidense, nessa região, frente à incontestável expansão chinesa.  

Acontece que é preciso comunicar, aos mais desavisados, que o mundo vive o século XXI. A Terra não é plana, é redonda! Não estamos mais sobre o Colonialismo, ou o Imperialismo/Neocolonialismo, ou a Guerra Fria. A realidade global é outra. Os cenários estruturais e geopolíticos são outros. Não se pode esperar que a sujeição, a submissão, a dominação, a dependência e a obediência, sejam aceitas de maneira absoluta e passiva. Haja vista as duas guerras em curso. Há um poder supremo e independente de um Estado sobre seu território e população, que não permite qualquer interferência externa, que pode ser manifestado sempre que se fizer necessário. Isso diz respeito à soberania, à ideia de autogoverno e autodeterminação de um povo, refletindo sua capacidade de definir suas próprias leis, políticas e rumos.

terça-feira, 8 de julho de 2025

O mundo e a bola


O mundo e a bola

 

Por Alessandra Leles Rocha

 

Não creio que haverá uma análise semelhante a essa, em nenhum espaço de comunicação, a respeito da Copa do Mundo de Clubes da FIFA. Afinal, meu viés não trata necessariamente de futebol; mas, de outros aspectos tão ou mais relevantes para a historicidade brasileira.

Encerrada a primeira partida das semifinais, com a presença de um time brasileiro, apesar do gosto amargo do resultado, nada deve nos impedir de exercitar a reflexão. O destino com toda a sua ironia fina foi implacável! Lançou sobre os ombros de um jovem talento da base do time brasileiro, contratado pelo time adversário por mais de R$ 400 milhões e anunciado há seis dias, foi quem marcou por duas vezes.

Assim, hora de analisar com criticidade os fatos. Há tempos que uma assimetria mercantil, desenvolvida a partir da capacidade capital, principalmente, das equipes europeias, estabeleceu uma linha divisória para o futebol mundial. Afinal de contas, a presença de vultosos recursos amplia as potencialidades de investimento às equipes. Na escala das prioridades, a verdade é que o futebol, enquanto desporto em si, foi parar no fim da fila.

A ideia do escritor uruguaio, Eduardo Galeano, de que “No futebol, a habilidade é muito mais importante do que a forma e, em muitos casos, a habilidade é a arte de transformar limitações em virtudes”, parece ter se perdido no tempo.

Isso não significa que o futebol, enquanto essência, enquanto mágica, enquanto fascinação, deixou de existir ou de se apresentar. No entanto, o que passou a orbitar no mundo do futebol foram as marcas das desigualdades econômicas entre as equipes, por todo o planeta.

A sua mercantilização fez com que se transformasse em bem, em serviço, em mercadoria, sujeito às leis do mercado e à lógica do lucro. O que afetou profundamente as relações sociais e a própria natureza do esporte que antes eram consideradas inalienáveis ou parte do domínio público. Razão pela qual, a robustez das ligas futebolísticas passou a ser determinada pelas cifras de investimento. De modo que as grandes rivalidades se tornaram mensuradas a partir do capital.

Lamento; mas, tal qual o processo do colonialismo, entre os séculos XV e XX, e o imperialismo/ neocolonialismo, entre os séculos XIX e início do XX, o que ocorreu com o futebol foi o mesmo. Jovens promessas foram abruptamente monetizadas e mercantilizadas por seus clubes de origem, reduzidos às diversas formas de produtos e de rentáveis fontes de lucro para as equipes europeias, principalmente.  O que significa que países, como o Brasil, passaram a ser exportadores de jogadores de futebol, para as multimilionárias equipes do planeta.

O que considero algo abominável, considerando que a maioria desses talentos refletem a própria desigualdade estrutural do país, tecida pelos longos anos de colonialismo. O futebol para eles e suas famílias representa a chamada “luz no fim do túnel”, uma perspectiva de mobilidade e resgate da própria dignidade social. Algo que cria no inconsciente coletivo dos jovens meninos e meninas, das camadas mais frágeis e vulneráveis do país, uma expectativa gigantesca em torno de uma possibilidade de jogar futebol no exterior. O pior é que nem todas as histórias acabam tendo um final feliz.

E aí, chegamos à Copa do Mundo de Clubes da FIFA. Não, não há exagero em dizer que esse formato de campeonato é uma exaltação, portanto, aos multimilionários times europeus. Em algum momento, já era de se esperar que os times, notadamente menos competitivos, segundo a famigerada ótica do capital, ficariam pelo caminho. E não deu outra, chegarão à grande final dois grandes figurões da bola, no cenário contemporâneo.

No caso brasileiro, que conseguiu a façanha de ter uma equipe disputando uma das semifinais, não há o que contestar, cumpriu seu papel com brio. Além disso, despede-se embolsando uma cifra considerável pela participação. Entretanto, de volta à realidade do mundo, é preciso admitir que essa premiação e o que dela possa desencadear, em termos de visibilidade internacional, de valorização da marca e de outros aspectos, não muda esse modelo colonialista que vigora no futebol mundial.

Segundo a expressão do século XIX, "Tudo como dantes no quartel de Abrantes". Sim, apesar de todo o futebol que nasce amiúde nos campos de várzea, nos chãos de terra batida, em cada rincão nacional, a dinâmica do futebol brasileiro permanecerá imprimindo a marca de talentos tipo exportação. Aliás, como se faz, há pouco mais de 500 anos, com toda a matéria-prima explorada por aqui.

Segundo Jean-Paul Sartre, filósofo francês, "Toda palavra tem consequências, todo silêncio, também". Essa é uma citação que diz muito nesse contexto. Abster-se de olhar e de enfrentar as heranças do nosso colonialismo, seja de que forma ele se apresente diante de nós, não só faz perpetuar e aprofundar a dimensão dos nossos prejuízos sociais, culturais e econômicos, como abre precedentes perigosíssimos para afrontas diversas à nossa cidadania e à nossa soberania.  

Assim, que a decepção pela derrota, de hoje, permita aos brasileiros de todas as flâmulas futebolísticas refletir a respeito de que “Podemos maquiar algumas respostas ou podemos silenciar sobre o que não queremos que venha à tona. Inútil. A soma dos nossos dias assinará este inventário. Fará um levantamento honesto. Cazuza já nos cutucava: suas ideias correspondem aos fatos? De novo: o que a gente diz é apenas o que a gente diz. Lá no finalzinho, a vida que construímos é que se revelará o mais eficiente detector de nossas mentiras” (Martha Medeiros - jornalista e escritora brasileira).


segunda-feira, 7 de julho de 2025

Sobre regalias e privilégios


Sobre regalias e privilégios

 

Por Alessandra Leles Rocha

 

Não se deixe enganar! Constrangimento, no Brasil, não significa muita coisa. Depois de terem sido traídos pela própria sanha por ampliar o poder no Congresso Nacional, eles já articulam uma nova forma de silenciar a parcela político-partidária que faz oposição aos seus mandos e desmandos legislativos.

Sim, o presidente do Senado, busca aprovar um projeto que impeça partidos de recorrerem ao Supremo Tribunal Federal (STF) contra votações da Câmara. Em linhas gerais, isso significa conter a judicialização de pautas absurdas e inconstitucionais, as quais direta ou indiretamente afetam os interesses da população, evitando quaisquer arbitragens por parte do Judiciário.

Ora, não fossem as vozes ruidosas, dessa oposição, junto ao Supremo Tribunal Federal (STF), o cenário político nacional estaria muito pior. De fato, têm sido eles os responsáveis por questionar as aberrações que tramitam pelas Casas Legislativas, em Brasília, quase sempre na calada da noite e a toque de caixa, para evitar que passem despercebidas da opinião pública.

E de tanto fazer e fazer e fazer, eis que “a casa caiu”, com o recente episódio do Imposto sobre Operações Financeiras (IOF). Se alguém ainda tinha dúvidas quanto ao ranço colonial cultivado pelas elites brasileiras, o espectro político-partidário de Direita fez questão de não deixar pedra sobre pedra a respeito. O que fez a resposta popular ser imediata, com toda a força da Tecnologia e das mídias sociais.

Por essas e por outras, esse pessoal está furioso com a repercussão negativa a seu respeito. Acostumados a darem seus nós em pingos d’água e silenciarem a indignação popular através de quireras e migalhas, não perceberam o tamanho do problema que é se manter preso a um recorte do tempo, sem observar as metamorfoses que acontecem no mundo à revelia de quem quer que seja.

Pois é, habituados a olhar o mundo da perspectiva do topo da pirâmide, de fato, suas vidas transcorrem sem sustos e sobressaltos, dando-lhes a falsa impressão de que nada muda. Acontece que, em contrapartida, os 99% restantes da pirâmide vivem uma realidade bem diferente, na qual a mudança é palavra de ordem a todo instante. Especialmente, quando o assunto lhes fala diretamente às suas demandas históricas de sobrevivência e de dignidade.

Diante dessa efervescência, então, sugiro que apertem os cintos, porque o tensionamento tende a se acirrar. O que temos assistido, no país, desde 2016, é a representação político-partidária de Direita e seus apoiadores, financiadores e simpatizantes, se digladiando por um retorno triunfante e absoluto ao Poder. Haja vista a recente tentativa de Golpe de Estado, cujo ápice foi a depredação do patrimônio histórico nacional, nas sedes dos poderes da República, em Brasília, em 08 de janeiro de 2023.

Para essa gente, parada no tempo e no espaço, é difícil admitir as ondas de transformação que avançam sobre o mundo, desconstruindo, reconstruindo e, às vezes, ressignificando, paradigmas, valores, crenças e princípios. Essas pessoas aprenderam que o dinheiro é poder e que isso basta. Só que não. A dinâmica do mundo, das sociedades, depende diretamente do ser humano. Suas necessidades. Seus sonhos. Suas metas. Seus trabalhos. ... Porque pessoas são as responsáveis por mover as engrenagens sociais, culturais, políticas e econômicas. São elas as grandes protagonistas da história, seja para o bem ou para o mal.

Assim, em mais um capítulo desse eterno cabo de guerra sobre regalias e privilégios, de uns poucos em detrimento de uma maioria, o qual já perdura pouco mais de 500 anos, só nos resta prestar bastante atenção aos acontecimentos, intervindo no roteiro, sempre que se fizer necessário. Afinal de contas, nosso histórico colonial não só, não nos permite esquecer de que "A maior desgraça de uma nação pobre é que em vez de produzir riqueza, produz ricos" 1 (Mia Couto); mas, também, "Quando as teias de aranha se juntam, elas podem amarrar um leão” (Provérbio africano) 2.



1 COUTO, M. Pensatempos: textos de opinião. Lisboa: Caminho, 2005.

2 COUTO, M. A confissão da leoa. Lisboa: Editorial Caminho, 2012.

SOMOS 99%


sexta-feira, 4 de julho de 2025

Será mesmo um caso para conciliação?


Será mesmo um caso para conciliação?

 

Por Alessandra Leles Rocha

 

Conciliação é uma palavra a se pensar, considerando que ela busca estabelecer um enfoque consensual, a partir de soluções negociadas que promovam, principalmente, uma harmonização das relações entre as partes. Bem, foi isso que propôs Alexandre de Moraes, um dos magistrados do Supremo Tribunal Federal (STF), diante do polêmico caso do Imposto sobre Operações Financeiras (IOF) que está sob sua análise na corte.

Entretanto, para início de conversa, é preciso esclarecer que o atual governo exerceu sua prerrogativa constitucional para a proposição de um decreto sobre o assunto. Além disso, antes de chegar à proposta final, ele se colocou a inteira disposição do diálogo, junto às lideranças do Congresso Nacional e partidárias, justamente, para a construção de um consenso. O que significa que em relação a esse viés, não há o que deliberar; posto que, houve sim, a interferência do Poder Legislativo sobre uma decisão do Poder Executivo, já acordada anteriormente.

Depois, vamos e convenhamos que o ponto da discórdia está fora de qualquer parâmetro conciliatório, por se tratar de um paradigma histórico. Não entendeu?! Ao longo de gerações, nesses pouco mais de 500 anos de história, a pirâmide social brasileira resguarda uma enviesada e desigual distribuição. O que de acordo com a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD), realizada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), atualmente se apresenta da seguinte forma: Classe A: 2,9%, Classe B1: 5,1%, Classe B2: 16,7%, Classe C1: 21%, Classe C2: 26,4%, e Classe D/E: 27,9%.

Ocorre que dentro da classe A, 0,06% dos indivíduos é que detêm, de fato, a centralização dos poderes e influências, sobre a dinâmica socioeconômica do país. São essas pessoas que não aceitam, em hipótese alguma, que a lógica herdada desde os tempos coloniais seja alterada. Traduzindo em miúdos, elas não querem que o Estado brasileiro atue no sentido de trabalhar em favor da justiça social, da igualdade, dos direitos humanos e da sustentabilidade socioambiental.

Por isso, seus representantes político-partidários no Congresso Nacional estão travando uma luta insana, não só contra a questão do IOF; mas, também, contra o aumento da tributação sobre os “super-ricos” através de uma alíquota mínima de Imposto de Renda para quem ganha mais de R$ 1 milhão por ano, visando viabilizar o projeto de isenção do Imposto de Renda (IR) para quem ganha até R$ 5 mil por mês; a proposta de Emenda à Constituição (PEC) 8/25, que acaba com a escala de trabalho 6x1; ...

Então, como esperar algum tipo de conciliação, quando o que está posto é o histórico cabo de guerra entre ricos (2,9% da população) e pobres (97,1% da população)? Essa não é uma pauta para se chegar a um consenso; mas, uma discussão que fala sobre cidadania, ética e senso de dignidade humana. Que deveria colocar a população, em sua imensa maioria, na dianteira desse debate.  Queiram ou não admitir, o Brasil tem uma dívida histórica com as camadas que sempre sustentaram o topo da sua pirâmide social; mas, foram alijadas sumariamente dos seus direitos humanos e cidadãos.

Chega a ser constrangedor pensar que, em pleno século XXI, seja preciso contestar questões absolutamente retrógradas, que foram incorporadas ao inconsciente coletivo nacional por força da experienciação colonialista/ imperialista. Todos os dias, os veículos de comunicação e de informação, são o espelho dos episódios de racismo, de intolerância religiosa, de misoginia, de trabalho análogo à escravidão, ... e de todo um conjunto de desigualdades socioeconômicas.

No entanto, não vemos nenhum dos magistrados do Supremo Tribunal Federal (STF) vir a público, por exemplo, propor a realização de audiências de conciliação para resolver a escassez de leitos de Unidade de Terapia Intensiva, que faz morrer à mingua milhares de cidadãos brasileiros, anualmente.

Ou para tratar da inacessibilidade aos tratamentos e medicações que afeta as vítimas de doenças raras, câncer e outras patologias. Ou para conter o avanço do uso de agrotóxicos no país, a tal ponto de pesquisas científicas apontarem a presença deles em lagos isolados e em fórmulas de nutrição infantil 1. Ou para proteger a imensa legião de trabalhadores dos efeitos devastadores da insalubridade mental. ... Enfim.

Muitas dessas pautas são rotineiramente deliberadas pelo Congresso Nacional de maneira irresponsável, descuidada, negligente. Acontece que elas afetam a vida de 97,1% da população; mas, não costumam ser objeto de questionamento ao Poder Judiciário, ressalvadas raríssimas exceções.

Passam à margem; mas, deixam o seu rastro de prejuízos incalculáveis, que reverberam através do tempo. Como no caso das crianças nascidas entre 1º de janeiro de 2015 e 31 de dezembro de 2024 e que manifestaram deficiência causada pelo Zika vírus. Só agora, em 2025, suas famílias deverão receber uma indenização de R$ 60 mil do Governo Federal 2.

Relembrando as palavras do antropólogo, historiador e sociólogo brasileiro, Darcy Ribeiro, “O ruim no Brasil e efetivo fator do atraso é o modo de ordenação da sociedade, estruturada contra os interesses da população, desde sempre sangrada para servir a desígnios alheios e opostos aos seus. O que houve e há é uma minoria dominante, espantosamente eficaz na formulação e manutenção de seu próprio projeto de prosperidade, sempre pronta a esmagar qualquer ameaça de reforma da ordem social vigente”.

Por essas e por outras, precisamos sim, promover uma conciliação. Mas, para que ela seja capaz de tratar com seriedade e respeito todas as demandas históricas nacionais, as quais dão margem para que uns e outros permaneçam insistindo na perpetuação das nossas vergonhas e abismos sociais. A começar com essa ideia abjeta de existirem cidadãos de primeira classe e de última classe. Assim, diante dos recentes acontecimentos, “Só há duas opções nesta vida: se resignar ou se indignar” (Darcy Ribeiro).