O
progresso e suas escolhas
Por
Alessandra Leles Rocha
Uma das principais marcas
impressas no inconsciente coletivo da humanidade, pela Revolução Industrial, a
partir da segunda metade do século XVIII, é a ideia de progresso. Naquele contexto
histórico, partiu-se de uma percepção demasiadamente positiva, na qual as
sociedades em um cenário de progresso evoluem ao longo do tempo, passando por
estágios que representam melhorias em diversos aspectos como qualidade de vida,
bem-estar social, e avanços tecnológicos e científicos.
Acontece que eram tempos
desprivilegiados em termos de conhecimento a respeito das Ciências Ambientais e
das Ciências Médicas, por exemplo. Portanto, as expectativas em torno dos
impactos negativos, causados pela Revolução Industrial, passaram à margem da
preocupação da sociedade da época. Era difícil estimar que o tal progresso
estivesse na contramão de propiciar melhorias à qualidade de vida e à condição
humana. Contudo, os séculos se passaram, e o conhecimento, apesar do atraso,
chegou descortinando o lado obscuro do progresso sobre a humanidade e o
planeta.
Por essas e por outras, fui pega
de surpresa com a notícia 1 de que Minas
Gerais publicou uma resolução que permite que resíduos de couro com cromo sejam
destinados a aterros sanitários comuns. A Deliberação Normativa nº 252/2024
estabelece procedimentos para o gerenciamento desses resíduos; mas, o objeto da
iniciativa foi reduzir custos para as empresas.
Aos que jamais ouviram falar
sobre Patologia Ambiental, ou seja, um campo interdisciplinar que combina
conhecimentos de ecologia, medicina, toxicologia e outras áreas para entender
como fatores ambientais prejudiciais afetam a saúde dos seres vivos, incluindo contaminação
por metais pesados e outros agentes poluentes de alta periculosidade, o fato infelizmente
passa despercebido.
Acontece que o cromo (Cr) é amplamente
utilizado em diversos processos industriais, com destaque para a produção de
aço inoxidável, cromagem, na indústria química, em pigmentos, curtimento de
couro, e conservantes de madeira. Embora, o tipo de cromo mais utilizado no curtimento
de couro seja o cromo trivalente (Cr III), na forma de sulfato básico de cromo,
existe risco da transformação do cromo trivalente (Cr(III)), em cromo
hexavalente (Cr(VI)), uma forma tóxica e carcinogênica.
Eventuais falhas, tanto no
processo industrial quanto na fiscalização e controle pelos órgãos ambientais,
pode sim, desencadear um processo de oxidação do cromo trivalente a partir de
condições ambientais específicas, tais como na presença de altas temperaturas,
pH elevado e oxidação por outros elementos.
E o cromo, na sua forma hexavalente
(Cr VI), apresenta riscos significativos à saúde humana e ao meio ambiente, que
variam desde a contaminação dos solos e fontes de água até problemas
respiratórios, renais, hepáticos e maior incidência de câncer. Afinal, o cromo
hexavalente (Cr VI) é mais tóxico e facilmente absorvido pelo corpo humano do
que o cromo trivalente (Cr III).
Portanto, a Deliberação Normativa
nº 252/2024 transita na contramão dos fatos em relação à gestão de resíduos que
contenham cromo, na medida em que ela permite o descarte em aterros de resíduos
não perigosos, ou seja, locais de disposição final que não apresentam riscos
significativos à saúde humana ou ao meio ambiente.
Tais aterros são classificados
como Classe II, pela legislação brasileira, podendo ser divididos em duas
categorias: não inertes (Classe IIA) e inertes (Classe IIB). A Classe IIA (Não
Inertes), por exemplo, inclui restos de alimentos, lodos orgânicos, papelão,
plásticos e borrachas. Já a Classe IIB (Inertes) inclui entulhos de construção,
sucatas de ferro e aço, e alguns tipos de plásticos e borrachas.
Anteriormente, esses resíduos
eram direcionados a aterros mais caros, os aterros de resíduos perigosos ou
aterros Classe I. Esses aterros são regulamentados por normas específicas, tais
como a NBR 10.004, que define os critérios para a classificação dos resíduos, e
a Lei nº 12.305/2010, que estabelece a Política Nacional de Resíduos Sólidos. Esses
são locais projetados para receber e armazenar de forma segura resíduos que
apresentam características como toxicidade, inflamabilidade, corrosividade ou
reatividade.
Os aterros de resíduos perigosos são projetados com sistemas de impermeabilização
para evitar a contaminação do solo e das águas subterrâneas. Eles geralmente incluem
camada de argila, geocomposto bentonítico, manta de polietileno de alta
densidade (PEAD), geotêxtil, camada drenante, poços de monitoramento. Daí o seu
custo de construção e de operação serem mais elevados. Sem contar, que eles não
estão disponíveis em todos os municípios.
É essa estrutura que permite a
devida proteção ao meio ambiente e a saúde pública, tendo em vista de que previne
a contaminação do solo e da água, reduzindo os riscos à saúde humana, e promovendo
a gestão adequada dos resíduos. O que em síntese significa garantir que os
resíduos perigosos, como é o caso do cromo, sejam descartados de forma segura e
responsável.
Portanto, a questão da Deliberação
Normativa nº 252/2024 merece mais atenção por parte das autoridades. Em pleno
século XXI, embora associado a avanços e melhorias, o progresso tem seu viés
merecedor de críticas por conta de inúmeros desafios apresentados; sobretudo,
relacionados à sustentabilidade.
É fundamental que a indústria seja
chamada a tomar uma melhor decisão, no que diz respeito à gestão de resíduos perigosos,
para sempre garantir que os rejeitos sejam corretamente descartados, de acordo
com as normas e leis ambientais em vigor, e não visando exclusivamente uma
redução de custos operacionais.
Vale ressaltar que os custos decorrentes
de doenças causadas pelo cromo podem variar, significativamente, dependendo da
gravidade da intoxicação e do tipo de tratamento necessário. Casos mais graves,
por exemplo, os quais envolvem o desenvolvimento de câncer, podem demandar
tratamentos caríssimos, como quimioterapia, cirurgias e internações
hospitalares prolongadas. Assim, qualquer eventual redução de custos, com a
destinação de resíduos de couro com cromo em aterros sanitários comuns, pode se
perder em custos elevados com a saúde dos trabalhadores e da população em
geral.
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- Edição de segunda-feira, 14/07/2025 - https://g1.globo.com/mg/triangulo-mineiro/mg1-uberlandia/