segunda-feira, 14 de julho de 2025

O progresso e suas escolhas


O progresso e suas escolhas

 

Por Alessandra Leles Rocha

 

Uma das principais marcas impressas no inconsciente coletivo da humanidade, pela Revolução Industrial, a partir da segunda metade do século XVIII, é a ideia de progresso. Naquele contexto histórico, partiu-se de uma percepção demasiadamente positiva, na qual as sociedades em um cenário de progresso evoluem ao longo do tempo, passando por estágios que representam melhorias em diversos aspectos como qualidade de vida, bem-estar social, e avanços tecnológicos e científicos.

Acontece que eram tempos desprivilegiados em termos de conhecimento a respeito das Ciências Ambientais e das Ciências Médicas, por exemplo. Portanto, as expectativas em torno dos impactos negativos, causados pela Revolução Industrial, passaram à margem da preocupação da sociedade da época. Era difícil estimar que o tal progresso estivesse na contramão de propiciar melhorias à qualidade de vida e à condição humana. Contudo, os séculos se passaram, e o conhecimento, apesar do atraso, chegou descortinando o lado obscuro do progresso sobre a humanidade e o planeta.

Por essas e por outras, fui pega de surpresa com a notícia 1 de que Minas Gerais publicou uma resolução que permite que resíduos de couro com cromo sejam destinados a aterros sanitários comuns. A Deliberação Normativa nº 252/2024 estabelece procedimentos para o gerenciamento desses resíduos; mas, o objeto da iniciativa foi reduzir custos para as empresas.

Aos que jamais ouviram falar sobre Patologia Ambiental, ou seja, um campo interdisciplinar que combina conhecimentos de ecologia, medicina, toxicologia e outras áreas para entender como fatores ambientais prejudiciais afetam a saúde dos seres vivos, incluindo contaminação por metais pesados e outros agentes poluentes de alta periculosidade, o fato infelizmente passa despercebido.

Acontece que o cromo (Cr) é amplamente utilizado em diversos processos industriais, com destaque para a produção de aço inoxidável, cromagem, na indústria química, em pigmentos, curtimento de couro, e conservantes de madeira. Embora, o tipo de cromo mais utilizado no curtimento de couro seja o cromo trivalente (Cr III), na forma de sulfato básico de cromo, existe risco da transformação do cromo trivalente (Cr(III)), em cromo hexavalente (Cr(VI)), uma forma tóxica e carcinogênica.

Eventuais falhas, tanto no processo industrial quanto na fiscalização e controle pelos órgãos ambientais, pode sim, desencadear um processo de oxidação do cromo trivalente a partir de condições ambientais específicas, tais como na presença de altas temperaturas, pH elevado e oxidação por outros elementos.

E o cromo, na sua forma hexavalente (Cr VI), apresenta riscos significativos à saúde humana e ao meio ambiente, que variam desde a contaminação dos solos e fontes de água até problemas respiratórios, renais, hepáticos e maior incidência de câncer. Afinal, o cromo hexavalente (Cr VI) é mais tóxico e facilmente absorvido pelo corpo humano do que o cromo trivalente (Cr III).

Portanto, a Deliberação Normativa nº 252/2024 transita na contramão dos fatos em relação à gestão de resíduos que contenham cromo, na medida em que ela permite o descarte em aterros de resíduos não perigosos, ou seja, locais de disposição final que não apresentam riscos significativos à saúde humana ou ao meio ambiente.

Tais aterros são classificados como Classe II, pela legislação brasileira, podendo ser divididos em duas categorias: não inertes (Classe IIA) e inertes (Classe IIB). A Classe IIA (Não Inertes), por exemplo, inclui restos de alimentos, lodos orgânicos, papelão, plásticos e borrachas. Já a Classe IIB (Inertes) inclui entulhos de construção, sucatas de ferro e aço, e alguns tipos de plásticos e borrachas.

Anteriormente, esses resíduos eram direcionados a aterros mais caros, os aterros de resíduos perigosos ou aterros Classe I. Esses aterros são regulamentados por normas específicas, tais como a NBR 10.004, que define os critérios para a classificação dos resíduos, e a Lei nº 12.305/2010, que estabelece a Política Nacional de Resíduos Sólidos. Esses são locais projetados para receber e armazenar de forma segura resíduos que apresentam características como toxicidade, inflamabilidade, corrosividade ou reatividade.

Os aterros de resíduos perigosos são projetados com sistemas de impermeabilização para evitar a contaminação do solo e das águas subterrâneas. Eles geralmente incluem camada de argila, geocomposto bentonítico, manta de polietileno de alta densidade (PEAD), geotêxtil, camada drenante, poços de monitoramento. Daí o seu custo de construção e de operação serem mais elevados. Sem contar, que eles não estão disponíveis em todos os municípios.

É essa estrutura que permite a devida proteção ao meio ambiente e a saúde pública, tendo em vista de que previne a contaminação do solo e da água, reduzindo os riscos à saúde humana, e promovendo a gestão adequada dos resíduos. O que em síntese significa garantir que os resíduos perigosos, como é o caso do cromo, sejam descartados de forma segura e responsável.

Portanto, a questão da Deliberação Normativa nº 252/2024 merece mais atenção por parte das autoridades. Em pleno século XXI, embora associado a avanços e melhorias, o progresso tem seu viés merecedor de críticas por conta de inúmeros desafios apresentados; sobretudo, relacionados à sustentabilidade.

É fundamental que a indústria seja chamada a tomar uma melhor decisão, no que diz respeito à gestão de resíduos perigosos, para sempre garantir que os rejeitos sejam corretamente descartados, de acordo com as normas e leis ambientais em vigor, e não visando exclusivamente uma redução de custos operacionais.

Vale ressaltar que os custos decorrentes de doenças causadas pelo cromo podem variar, significativamente, dependendo da gravidade da intoxicação e do tipo de tratamento necessário. Casos mais graves, por exemplo, os quais envolvem o desenvolvimento de câncer, podem demandar tratamentos caríssimos, como quimioterapia, cirurgias e internações hospitalares prolongadas. Assim, qualquer eventual redução de custos, com a destinação de resíduos de couro com cromo em aterros sanitários comuns, pode se perder em custos elevados com a saúde dos trabalhadores e da população em geral.



1 MG1 - Edição de segunda-feira, 14/07/2025 - https://g1.globo.com/mg/triangulo-mineiro/mg1-uberlandia/