Saúde
mental ...
Por Alessandra
Leles Rocha
Embora a saúde mental ainda seja
um tabu para uma imensa maioria da população, não há como se abster de discutir
esse assunto; sobretudo, na contemporaneidade. Distúrbios e transtornos mentais
sempre estiveram presentes na historicidade humana; mas, em razão da carência de
embasamento científico adequado, foram prejudicados em seus protocolos de
cuidados, gerando uma série de preconceitos e estereotipizações, as quais ainda
não foram totalmente superadas.
Considerando que nem todos os distúrbios
e transtornos mentais têm causa estritamente orgânica, o componente
socioambiental vem cada vez mais se tornando objeto de análise e de atenção por
diversos campos da ciência. Afinal de contas, a mente exerce sobre as
subjetividades humanas um papel fundamental, incluindo, a própria modelagem
identitária dentro do contexto social. Todo indivíduo almeja pela aceitação,
pelo pertencimento e pelo reconhecimento, ao longo de todo o seu trânsito pelos
espaços sociais.
Algo que é bastante desafiador,
tendo em vista, o sistema de trocas e abnegações que se tornam necessárias para
caber, de alguma forma, dentro dessas estruturas. Isso significa que o indivíduo
é levado pelas conjunturas sociais a um processo de manipulação identitária. De
modo que ele passa a ser povoado por diferentes personagens, segundo as imposições
sociais que se fazem necessárias. O que é, sem dúvida alguma, muito desgastante
e doloroso.
E pensando sobre a realidade contemporânea,
essas questões se agigantam e se aprofundam consideravelmente. A sociedade de
consumo consolidou um perfil de seres humanos despojados totalmente da sua
identidade, para servir sob total obediência, aos protocolos sociocomportamentais
por ela estabelecidos. Razão pela qual os indivíduos foram aprisionados em uma
estrutura de tarefas, obrigações, compromissos, altamente extenuante; mas,
essencial para a aquisição de recursos que satisfaçam ao consumo e a ostentação
de seus, bens, produtos e serviços.
Acontece que, enquanto o ser
humano se torna uma vitrine desse modelo social, ele é destituído, muitas
vezes, à revelia de sua própria consciência, da sua condição humana
existencial. O que sente, o que pensa, o que sofre, o que deseja, o que sonha,
... deixou de ser prioridade para milhões de pessoas. Elas vivem uma identidade,
ou várias, dependendo da situação, que não traduz quem realmente são. Suas crenças,
seus valores, seus princípios, seus sentimentos, suas emoções, tudo está
condicionado às imposições das materialidades do mundo. Inevitavelmente, isso
irá produzir vazios existenciais que refletem fastios, frustrações, melancolias,
angústias, ... difíceis de serem curadas.
Não é à toa que essa violência,
produzida contra si mesmo, é tão perigosa! Ora, o ser humano está tão incorporado
ao frenesi do mundo contemporâneo, que ele desaprendeu a ser. Tudo o que ele faz
e pensa é em função do TER, que lhe parece ser o único passaporte capaz de assegurar
a aceitação, o pertencimento e o reconhecimento social. Afinal, esse é o ópio
que anestesia os seus vazios, as suas solidões; visto que, ele não se conhece
e, portanto, a sua verdadeira identidade não pode lhe completar. Ela é uma
estranha. E essa percepção aprofunda o
seu adoecimento mental. Por isso os vícios, as compulsões, as automutilações,
os suicídios.
Muitos temem as violências do
mundo; mas, a violência produzida contra si mesmo não é menos grave ou letal. Veja,
“De acordo com a OMS (Organização Mundial da Saúde), a cada ano, mais de 700
mil pessoas perdem a vida para o suicídio em todo o mundo, sendo que 77% dos
casos ocorrem em países de baixa e média renda. O suicídio é a quarta causa de
morte entre pessoas de 15 a 29 anos. Para cada suicídio, estima-se que ocorrem
outras 20 tentativas. A maioria dos casos está relacionada a transtornos
mentais, como a depressão, em primeiro lugar, seguida do transtorno bipolar e
do abuso de substâncias” 1.
É inquestionável a necessidade de
discussão, ampla e objetiva, sobre a saúde mental na contemporaneidade. Porém, só
isso não adianta. É preciso rever as estruturas sociais; sobretudo, aquelas que
dão corpo e impulso para as pretensões e objetivos vorazes da sociedade de
consumo. O adoecimento mental da população aponta para o iminente extermínio da
vida, a partir da engenhosidade obscura de certas práxis necropolíticas. Os cérebros estão sendo levados à exaustão,
tanto quanto os corpos. Depressão. Ansiedade. Síndrome de Burnout. Estresse
Ocupacional. ... As pessoas não desfrutam
mais da sua dignidade existencial. E em nome de quê? Como escreveu Jiddu
Krishnamurti, “Não é sinal de saúde estar bem adaptado a uma sociedade
doente”.
2025 está só começando e a Campanha
do Janeiro Branco 2 pode ser a grande oportunidade
de desconstrução do tabu sobre a saúde mental. Falar sobre o tema pode ajudar
milhões de pessoas a reconhecerem as suas fragilidades, as suas
vulnerabilidades, os seus desconfortos, e a buscar caminhos para superá-los. Aliás,
o diálogo é o ponto de partida para desconstruir as barreiras, os obstáculos, não
só aproximando uns aos outros; mas, principalmente, resgatando a capacidade de
exercitar a empatia, a solidariedade, o afeto, o respeito, a humanidade em si.
Bem, é desse processo que a saúde
mental se desmistifica; pois, se torna possível entender que os “Problemas
de saúde mental não definem quem você é. Eles podem ser intensos. Eles podem
ser esmagadores. Mas eles são algo que
você experimenta – e não quem você é. Do mesmo modo que você pode andar na
chuva, sentir a chuva, deixar que ela te encharque até os ossos – mas, ainda
assim, você não é a chuva” (Matt Haig). Uma descoberta extremamente pacificadora
e libertadora, que acolhe e humaniza qualquer um que dependa desse afago
social.