terça-feira, 21 de janeiro de 2025

A escassez de professores no Brasil


A escassez de professores no Brasil

 

Por Alessandra Leles Rocha


O desencanto que se abateu sobre a profissão docente não é um fenômeno atual. Na verdade, ela vem se arrastando década a década, motivada por uma série de razões que deterioram o ânimo do profissional.  Salários incompatíveis às exigências da prática docente. Infraestrutura aquém das demandas. Carência de uma formação mais alinhada à realidade contemporânea. Flagrante insegurança, por conta da violência imersa no ambiente educacional. ... De modo que, apesar da iniciativa de construção de certas políticas públicas para manterem ou atraírem profissionais para a carreira docente 1, os resultados permanecem insatisfatórios.

Acontece que o ponto nevrálgico desse cenário é algo muito mais complexo e profundo. A realidade social contemporânea é o cerne da questão. Não basta apenas investimentos, de diferentes ordens, em busca de uma escola mais atrativa e motivadora para alunos e professores. Simplesmente, porque as instituições de ensino perderam o seu papel de importância na sociedade. Quer um exemplo?

Dizem que, no Brasil, há milhões de técnicos de futebol. Cada cidadão se julga um expert no assunto e sai, por aí, dando os seus pitacos. Pois é, a mesma práxis vem tomando de assalto a educação nacional. Pais e responsáveis se arvoram do direito de questionar o trabalho didático-pedagógico dos docentes, os conteúdos ministrados, a quantidade de atividades propostas, enfim. Como se fossem autoridades no assunto. Isso, sem contar, na ação protecionista em relação aos seus filhos, quando são alvos de questionamentos sobre comportamentos inapropriados ao ambiente escolar.

Vejam, ainda que alguém se permita superar todas as razões que deterioram o ânimo do profissional, citadas no início dessa reflexão, a relação escola-família acaba por jogar um balde de água fria nas pretensões docentes. As atitudes psicocomportamentais dos pais e responsáveis, inevitavelmente, reverberam nas atitudes dos alunos. Eles se sentem legitimados, respaldados, para também questionarem o trabalho de seus professores, muitas vezes, de forma desrespeitosa e agressiva.

Para muitos pais ou responsáveis, os professores são vistos como seus empregados e devem agir, segundo suas ordens. Não são raras as notícias a respeito de grupos nas mídias sociais, voltados a desqualificar, denegrir e mobilizar a demissão de professores, por julgarem seu trabalho ruim ou inadequado. Sem contar aqueles que atormentam o professor, fora do seu horário na escola, nos fins de semana, feriados ou qualquer hora do dia ou da noite, para exigirem informações da vida escolar do filho. Como se o professor tivesse que estar disponível a eles, em tempo integral.

Ora, toda a deturpação ética e moral que se abateu sobre a sociedade contemporânea e incidiu sobre a educação, chegou pela esteira das Tecnologias da Informação e Comunicação (TICs). Basta um celular para que o cidadão tenha acesso à Internet e sua infinidade de informações. O que significa que uma escola dedicada a buscar alternativas tecnológicas já não desperta, na sua totalidade, o interesse de aprendizado dos alunos. Afinal, se há restrições ao uso do celular no ambiente educacional, por exemplo, fora dele, os alunos passam horas a fio; assim como, os seus próprios pais ou responsáveis.

Embora essa dinâmica aconteça à margem de um letramento digital, para milhares de pessoas isso não lhes causa preocupação ou desconforto, porque elas se sentem bem informadas e dotadas de conhecimento. Assim, elas tendem a considerar muito mais o que é lido e/ou ouvido através das mídias sociais, tornando o trabalho docente algo pouco significativo.

Pode-se dizer que esse processo começou com pessoas que liam apenas as manchetes dos veículos de comunicação e de informação e se consideravam plenas de informação, até descobrirem que não. Então, observando essa dinâmica, as mídias sociais investiram pesado na disseminação de assuntos a partir de um protocolo superficializado e sintetizado, o qual alcança um maior número de visualizações; pois, investe na quantidade e não na qualidade.

O mundo contemporâneo é o mundo da pressa. Tudo tem que ser rápido, ágil. De modo que a atenção das pessoas se tornou uma commodity em disputa.  A velocidade de desenvolvimento e de atualização das mídias sociais busca acirradamente pela visualização de seus produtos, fazendo com que as informações sejam prestadas cada vez em menos tempo. Algo que explica porque “A Geração Z está perdendo uma habilidade que a humanidade possui há 5.500 anos. 40% não são fluentes em comunicação” 2 e que “’Brain rot’ é eleita ‘palavra do ano’ pelo dicionário Oxford” 3, em 2024.

Assim, um dos primeiros prejuízos que se percebe é no contexto educacional. Por mais que o docente invista seu tempo, sua dedicação, seus recursos, em aprimoramento, em desenvolvimento de novas práxis, ele é, cada vez mais, percebido socialmente como uma figura desnecessária. Ele, de certa forma, está perdendo o seu espaço profissional para a tecnologização. O que tende a trazer prejuízos sociais incalculáveis. Basta pensar que os algoritmos que regem as mídias sociais não dispõem de compromisso com a neutralidade informativa. Por trás deles impera algum tipo de enviesamento ideológico, capaz de satisfazer aos interesses de certos grupos, propiciando a manipulação do pensamento ao contrário da análise critico-reflexiva pautada na realidade factual.

Considerando que esse movimento já afeta a dinâmica social como um todo, não é surpresa verificar que o docente, de fato, não encontra respaldo para o seu trabalho, nos pais ou responsáveis; nem tampouco, na sociedade em geral. Para eles está tudo bem; pois, a tecnologização lhes ofereceu uma zona de pseudoconforto. Eles não encontram mais a necessidade de se envolver e de participar ativamente das atividades educacionais dos seus filhos.

Afinal de contas, as crianças estão, cada vez mais, interagindo precocemente com a tecnologia e criando um modo de autossuficiência de aprendizagem.  Qual o tipo de aprendizagem, se ela é adequada ou não, se ela é suficiente ou não, ... são perguntas que se deve fazer antes que as consequências se tornem irremediáveis. Antes que a sociedade se transforme em uma massa de gente que apenas reproduz o pensamento alheio, de maneira automática e inconsequente.

Portanto, não nos esqueçamos das seguintes palavras de Rubem Alves, “Para isso existem as escolas: não para ensinar as respostas, mas para ensinar as perguntas. As respostas permitem andar sobre a terra firme. Mas somente as perguntas nos permitem entrar pelo mar desconhecido”. Pois, o docente sabe que “Ensinar não é transferir conhecimento, mas criar as possibilidades para a sua própria produção ou a sua construção” (Paulo Freire). Só assim, permite-se ao aluno internalizar a compreensão de que “Não basta adquirir sabedoria; é preciso, além disso, saber utilizá-la” (Cícero – Filósofo Romano).