sábado, 25 de janeiro de 2025

Cuidado na engenharia da linguagem!


Cuidado na engenharia da linguagem!

 

Por Alessandra Leles Rocha

 

Não se engane, distorcer a palavra alheia para alcançar um determinado fim, sempre fez parte da história! No entanto, em plena era Digital, o que precisava da ajuda do velho boca a boca, agora, basta apenas um toque na tela para correr o mundo, na velocidade da luz. Talvez, por isso, antevendo o futuro, os chineses tenham se antecipado ao cunhar o seguinte provérbio: “A palavra é prata, o silêncio é ouro”.

Vamos e convenhamos que a radicalização e o extremismo contemporâneo da ultradireita têm sim, se valido dessa práxis para colher frutos, em relação à sua empreitada de dominação global. Ciente de que os ânimos andam acirrados e que a tensão paira sobre os quatro cantos do planeta, ela faz da linguagem uma ferramenta imprescindível para sua beligerância.

Adeptos e simpatizantes dessa corrente político-partidária aproveitam qualquer palavra para distorcer, manipular, enviesar, a fim de abalar a credibilidade de seus opositores. O recente episódio envolvendo o sistema de pagamento PIX, no Brasil, é prova disso. Antes que a ideia estivesse prontamente formulada e estruturada, elementos da ultradireita se apropriaram de palavras para construir o caos.

Em outros tempos, não sei se por instinto ou por sabedoria, as pessoas exerciam uma prudência maior em relação à fala. Dedicava-se maior atenção ao que se ouvia, para depois expressar alguma manifestação. Atualmente, tudo acompanha o ritmo frenético da contemporaneidade, como se o mundo fosse acabar em segundos! Mas, não é só isso. A necessidade de se fazer presente nos debates e discussões; sobretudo, em razão do espaço virtual, tornou a verborragia um fenômeno incontrolável.

Como disse Umberto Eco ao jornal La Stampa, “As redes sociais dão o direito de falar a uma legião de idiotas que antes só falavam em um bar depois de uma taça de vinho, sem prejudicar a humanidade. Então, eram rapidamente silenciados, mas, agora, têm o mesmo direito de falar que um prêmio Nobel. É a invasão dos imbecis”. E a maioria dessas pessoas se dispõe a servir nas trincheiras da mentira em troca de algum benefício ou interesse particular.

Bem, considerando que o silêncio se transformou, praticamente, em uma exceção contemporânea, façamos dele a ferramenta do sucesso! Não importa em que situação da vida, o importante é reconhecer o momento certo para nos manifestar. Somente dessa maneira é possível evitar às investidas da distorção, manipulação ou enviesamento discursivo. Silenciar, nesse caso, não é omissão, não é negligência, não é descaso.  É, simplesmente, precaução!

Afinal, o objetivo maior da linguagem é se fazer entender. Nesse sentido, “A língua envolve todas as ações e pensamentos humanos e possibilita ao indivíduo exercer influências ou ser influenciado pelo outro, desempenhar seu papel social na sociedade, relacionar-se com os demais, participar na construção de conhecimentos e da cultura, enfim, permite-lhe se constituir como ser social, político e ideológico”. (COELHO; MESQUITA, 2013, p. 26 1). Por isso, não se pode cair na tentação de falar sem pensar, deixando brechas de todo tipo, para bom uso de quem gosta de um malfeito.

Assim, apesar do imenso desconforto e risco trazido pelas Fake News, sua grande contribuição advém do fato de nos fazer entender que “a palavra penetra literalmente em todas as relações entre indivíduos, nas relações de colaboração, nas de base ideológica, nos encontros fortuitos da vida cotidiana, nas relações de caráter político, etc. As palavras são tecidas a partir de uma multidão de fios ideológicos e servem de trama a todas as relações sociais em todos os domínios. É portanto claro que a palavra será sempre o indicador mais sensível de todas as transformações sociais, mesmo daquelas que apenas despontam, que ainda não tomaram forma, que ainda não abriram caminho para sistemas ideológicos estruturados e bem formados” (Bakhtin, 1997, p.41 apud COELHO; MESQUITA, 2013, p. 33). De modo que a palavra é o fiel da balança, seja para o bem ou para o mal.



1 COELHO, L. P.; MESQUITA, D. P. C. de. Língua, Cultura e Identidade: Conceitos intrínsecos e interdependentes. ENTRELETRAS, Araguaína/TO, v.4, n.1, p.24-34, jan./jul.2013.