A judicialização
da vida em tempos tecnologizados
Por Alessandra
Leles Rocha
Vivemos tempos em que o
distanciamento dos valores éticos e morais na sociedade acaba por estabelecer
novos caminhos para as mediações e as soluções de conflitos. Pois é, estamos em
um tempo no qual a vida, na dinâmica do seu cotidiano, precisa ser
judicializada, o tempo todo.
Acontece que para fazer valer os
direitos, nesse contexto, o cidadão é levado a sentir na pele o desânimo
causado pela morosidade judicial e as consequências de uma Justiça abarrotada
de processos, os quais muitos não precisariam existir se a conduta humana fosse
mais responsável. É assim, ou sofrer calado a injustiça!
E pensando a respeito, eis que ao
expandir meu olhar sobre o mundo contemporâneo, me deparei com uma situação que
tem tudo para dar um verdadeiro nó na judicialização. Até aqui, não vejo que a humanidade venha se
preparando e/ou se atentando para os desafios sociais que a Inteligência
Artificial (I.A.) irá impor no campo jurídico.
Na medida em que a tecnologização
do mundo deu saltos de inovação gigantescos, já começamos a experimentar problemas
sérios, em questões de criminalidade. Ao ponto de as Ciências Jurídicas precisarem
se debruçar sobre os vieses dessa temática e serem criadas delegacias e
promotorias especializadas nos chamados Crimes Cibernéticos. Uma resposta importantíssima
para aqueles que acreditavam que o mundo virtual é “terra de ninguém”.
Porém, o mundo não para e as
Tecnologias da Comunicação e da Informação (TICs), também, não. E o ponto alto,
do momento, é a Inteligência Artificial (IA), ou seja, uma área da ciência da
informática destinada a criar programas e mecanismos capazes de exibir
comportamentos tidos como inteligentes. Na verdade, a I.A. utiliza de algoritmos
e de um conjunto de técnicas de aprendizado de máquina para análise de dados,
tomada de decisões e resolução de problemas.
E com toda essa expertise,
infelizmente, ela pode ser usada em benefício ou malefício da sociedade, em
geral. Basta a existência de interesses
escusos, para que através da I.A. seja feita a manipulação ou adulteração de
fotos, vídeos, sons e/ou documentos, a fim de causar constrangimento,
humilhação, assédio, ameaça ou qualquer outro tipo de violência. O que pode
levar a certas consequências irreparáveis, como o suicídio de uma vítima.
Mas a questão não para por aí. O
Brasil, por exemplo, ainda não dispõe de uma legislação reguladora para o assunto.
Enquanto isso, o tempo urge! Porque não se trata de qualquer legislação, tendo
em vista que a I.A. funciona como antídoto de si mesma. Ora, medidas como a autenticação
por voz ou a validação de imagem em tempo real se tornam ineficientes. Daí as
ações criminosas, utilizando a I.A., se tornarem um gigantesco problema de
judicialização no país.
Sem legislação sobre o assunto e
sem um conjunto de ferramentas tecnológicas para distinguir a veracidade dos
materiais comprobatórios, o judiciário demandará muito mais tempo para dar uma
resposta aos que ingressarão com ações de reparação por crimes cometidos
através da I.A., no país. O que fará a sensação de impunidade recrudescer
dentro da sociedade. Será a conquista do caos.
Por isso, é preciso que o assunto seja pauta de ampla discussão, o mais rápido possível. Sem qualquer controle e/ou fiscalização, a I.A. pode tomar a sociedade brasileira de assalto e promover o seu fracasso civilizatório, em um piscar de olhos. Essa é uma grave ameaça não só à Democracia e ao Estado de Direito; mas, à sobrevivência de cada cidadão que possa ser vítima das violências delituosas de origem tecnológica. Qualquer um pode ser a bola da vez desse contexto de insegurança e ódio que se dissemina entre nós.