sábado, 29 de outubro de 2016

Certo, errado... O que diz a lei?

Certo, errado... O que diz a lei?


Por Alessandra Leles Rocha


Desde 2013, o Brasil tem apresentado um viés de participação cidadã, muito diferente do seu perfil histórico.  Afinal, pessoas de todas as idades, crenças, classes e segmentos sociais foram às ruas para manifestar o seu descontentamento e indignação frente à representação política no país. Se os resultados não se mostraram plenos, pois esse um processo de transformação lento e gradual, a significância desse passo não pode ser desconsiderada.
Mas, para que o exercício da cidadania alcance resultados profícuos é preciso que ele se dê, de fato, amparado pelo conhecimento que advém de uma boa Educação (ou seja, uma educação que reconheça a formação do indivíduo enquanto cidadão) e dos fundamentos jurídicos.
Por essa razão, é que eu proponho uma reflexão profunda sobre a participação dos alunos de ensino fundamental e médio na ocupação das escolas, em protesto a algumas medidas tomadas pelos poderes Executivo e Legislativo federais.
Quando se trata de alunos nessa faixa etária, entre 12 e 18 anos, está se falando de adolescentes. Seja pela definição da Organização Mundial da Saúde (OMS) ou pelo Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), essa é uma fase de transição muito importante para o indivíduo, a qual implica diretamente em mudanças físicas que irão resultar em um processo de mudança e adaptação psicológica, familiar e social a essas transformações. Ou seja, significa que esses jovens não estão plenamente prontos para responder por questões envoltas por uma imensa carga de complexidade.
Assim, não é à toa que no Brasil a maioridade civil é considerada aos 18 anos, o que significa dizer que a partir dessa idade o indivíduo ganha plenos direitos para agir por conta própria, sem a necessidade da autorização de terceiros. Até que se complete essa idade, a criança e o adolescente estão sob a tutela dos pais ou responsáveis legais, ou seja, cabe a esses assegurar, com absoluta prioridade, a efetivação dos direitos referentes à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao esporte, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária.
Isso significa, por exemplo, que os pais (ou responsáveis) não podem permitir a evasão escolar de seu(s) filho(s), ou que ele(s) estude(m) apenas no ambiente doméstico sem ir à escola; bem como, que não acompanhem o desenvolvimento escolar dos mesmos. Tampouco, para que o(s) filho(s) possa(m) participar de uma atividade extraclasse, a escola precisa de uma autorização por escrito dos pais (ou responsáveis).
Fora da questão educacional, sem que o indivíduo tenha maioridade civil não há permissão para o casamento, para dirigir, para ingerir bebida alcoólica, para frequentar eventos noturnos desacompanhados dos pais ou responsáveis, para trabalhar em regime fora do previsto como “menor aprendiz”, enfim...
No entanto, o próprio Estado brasileiro abriu uma possibilidade de direito que é o voto aos dezesseis anos. Então, sobre essa questão pairam duas reflexões muito importantes. Primeiro, porque essa é uma responsabilidade de grande impacto social e que demanda uma maturidade, que a adolescência por todas as razões já descritas anteriormente não favorecem; o que abre precedentes de dúvida, quanto a eventuais pressões ideológicas, de natureza diversa, sobre esses jovens. Segundo, porque a fragilidade, para não dizer completa inexistência, de uma formação educacional cidadã no país é real.
Raríssimos os alunos que dispõem, por exemplo, de algum conhecimento sobre a Constituição de 1988, a divisão dos poderes, a função de cada um deles, o processo de participação popular nas eleições brasileiras desde a consolidação da República, como são elaboradas as leis, quais são os direitos fundamentais do cidadão, enfim... Então, como podemos esperar que esse jovens exercitem sua cidadania de maneira plena e responsável?
Aí, eles confundem o direito de votar aos dezesseis anos com a maioridade civil e passam a agir de diversas formas que contrariam o exposto no Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei n.º 8.069, de 13 de julho de 1990). Consequentemente, essa ruptura com a legalidade os coloca em condição de vulnerabilidade e eventual punição aos seus responsáveis.  É o que acontece no caso das atuais ocupações a escolas públicas, por todo o país.
Esses jovens passam a controlar o ambiente escolar, decidindo inclusive quem entra ou sai do local, sem que haja uma tutela responsável. Então, surgem algumas perguntas: Quantos que estão lá, realmente dispõem de autorização dos pais ou responsáveis? As administrações das escolas têm esse controle para se resguardarem em caso de algum problema? Não seria, então, o momento de sentar com esses jovens e desenvolver uma pauta em torno da construção de um conteúdo disciplinar que trabalhe os elementos de composição da cidadania?  
Enfim, são muitas as perguntas a serem feitas e que não se tem resposta. Não se trata de privá-los da participação cidadã, do debate, da formulação de suas compreensões. No entanto, a forma como tem se dado a contestação pública não está correta.
Não se pode reafirmar a defesa das ideias sem zelar pela legalidade; pois, isso significa incentivar a formação de indivíduos que optam por permanecerem elementos ‘foras da lei’. As leis existem para serem freios e contrapesos no fluxo do equilíbrio das relações sociais, defendendo pelo princípio da igualdade, os direitos e os deveres de todos os cidadãos. É claro que, junto delas, cabe o bom senso e o espírito coletivo para que o resultado seja satisfatório para todos.
Na discussão das mazelas que afligem a Educação brasileira, por exemplo, não se pode, então, transformá-la em algo que contradiz o princípio de ensinar e conduzir o ser humano ao desenvolvimento moral, ético e intelectual. Já dizia Rui Barbosa que “A força do direito deve superar o direito da força”.  Não é incitando à rebeldia, tão inerente ao jovem, por meio da ruptura com a lei que se está ensinado a ser cidadão.
Não nos esqueçamos de que a repetição de tais comportamentos, já têm se traduzido nas salas de aula brasileiras em episódios de barbárie e violência contra os próprios alunos e servidores da educação. A falta do diálogo coerente e equilibrado na defesa dos direitos cidadãos é que resulta na dilapidação da possibilidade de conquistas.
Portanto, a Educação brasileira precisa de boas ideias, bons projetos, boa vontade para vencer a inação de quem espera que ela mingue por si só. Somente através do comprometimento e do respeito às leis é que se tornarão possíveis o apoio, a confiança e a credibilidade junto à sociedade.