Certo, errado... O que diz a lei?
Por Alessandra Leles
Rocha
Desde 2013, o Brasil tem apresentado um viés de participação
cidadã, muito diferente do seu perfil histórico. Afinal, pessoas de todas as idades, crenças, classes
e segmentos sociais foram às ruas para manifestar o seu descontentamento e
indignação frente à representação política no país. Se os resultados não se
mostraram plenos, pois esse um processo de transformação lento e gradual, a significância
desse passo não pode ser desconsiderada.
Mas, para que o exercício da cidadania alcance resultados profícuos
é preciso que ele se dê, de fato, amparado pelo conhecimento que advém de uma
boa Educação (ou seja, uma educação que reconheça a formação do indivíduo
enquanto cidadão) e dos fundamentos jurídicos.
Por essa razão, é que eu proponho uma reflexão profunda sobre
a participação dos alunos de ensino fundamental e médio na ocupação das escolas,
em protesto a algumas medidas tomadas pelos poderes Executivo e Legislativo
federais.
Quando se trata de alunos nessa faixa etária, entre 12 e 18
anos, está se falando de adolescentes. Seja pela definição da Organização
Mundial da Saúde (OMS) ou pelo Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), essa
é uma fase de transição muito importante para o indivíduo, a qual implica
diretamente em mudanças físicas que irão
resultar em um processo de mudança e adaptação psicológica, familiar e social a
essas transformações. Ou seja, significa que esses jovens não estão
plenamente prontos para responder por questões envoltas por uma imensa carga de
complexidade.
Assim, não é
à toa que no Brasil a maioridade civil é considerada aos 18 anos, o que significa dizer que a partir dessa idade o indivíduo ganha plenos direitos para agir por conta
própria, sem a necessidade da autorização de terceiros. Até que se
complete essa idade, a criança e o adolescente estão sob a tutela dos pais ou responsáveis
legais, ou seja, cabe a esses assegurar, com
absoluta prioridade, a efetivação dos direitos referentes à vida, à saúde, à
alimentação, à educação, ao esporte, ao lazer, à profissionalização, à cultura,
à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária.
Isso significa,
por exemplo, que os pais (ou responsáveis) não podem permitir a evasão escolar
de seu(s) filho(s), ou que ele(s) estude(m) apenas no ambiente doméstico sem ir
à escola; bem como, que não acompanhem o desenvolvimento escolar dos mesmos. Tampouco,
para que o(s) filho(s) possa(m) participar de uma atividade extraclasse, a
escola precisa de uma autorização por escrito dos pais (ou responsáveis).
Fora
da questão educacional, sem que o indivíduo tenha maioridade civil não há
permissão para o casamento, para dirigir, para ingerir bebida alcoólica, para
frequentar eventos noturnos desacompanhados dos pais ou responsáveis, para
trabalhar em regime fora do previsto como “menor aprendiz”, enfim...
No entanto,
o próprio Estado brasileiro abriu uma possibilidade de direito que é o voto aos
dezesseis anos. Então, sobre
essa questão pairam duas reflexões muito importantes. Primeiro, porque essa é
uma responsabilidade de grande impacto social e que demanda uma maturidade, que
a adolescência por todas as razões já descritas anteriormente não favorecem; o
que abre precedentes de dúvida, quanto a eventuais pressões ideológicas, de natureza
diversa, sobre esses jovens. Segundo, porque a fragilidade, para não dizer
completa inexistência, de uma formação educacional cidadã no país é real.
Raríssimos os alunos que dispõem, por exemplo, de algum
conhecimento sobre a Constituição de 1988, a divisão dos poderes, a função de
cada um deles, o processo de participação popular nas eleições brasileiras
desde a consolidação da República, como são elaboradas as leis, quais são os
direitos fundamentais do cidadão, enfim... Então, como podemos esperar que esse
jovens exercitem sua cidadania de maneira plena e responsável?
Aí, eles confundem o direito de votar aos dezesseis anos com
a maioridade civil e passam a agir de diversas formas que contrariam o exposto
no Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei n.º 8.069, de 13 de julho de
1990). Consequentemente, essa ruptura com a legalidade os coloca em condição de
vulnerabilidade e eventual punição aos seus responsáveis. É o que acontece no caso das atuais ocupações
a escolas públicas, por todo o país.
Esses jovens passam a controlar o ambiente escolar, decidindo
inclusive quem entra ou sai do local, sem que haja uma tutela responsável. Então,
surgem algumas perguntas: Quantos que estão lá, realmente dispõem de
autorização dos pais ou responsáveis? As administrações das escolas têm esse
controle para se resguardarem em caso de algum problema? Não seria, então, o
momento de sentar com esses jovens e desenvolver uma pauta em torno da
construção de um conteúdo disciplinar que trabalhe os elementos de composição
da cidadania?
Enfim, são muitas as perguntas a serem feitas e que não se tem
resposta. Não se trata de privá-los da participação cidadã, do debate, da
formulação de suas compreensões. No entanto, a forma como tem se dado a contestação
pública não está correta.
Não se pode reafirmar a defesa das ideias sem zelar pela
legalidade; pois, isso significa incentivar a formação de indivíduos que optam
por permanecerem elementos ‘foras da lei’. As leis existem para serem freios e
contrapesos no fluxo do equilíbrio das relações sociais, defendendo pelo princípio
da igualdade, os direitos e os deveres de todos os cidadãos. É claro que, junto
delas, cabe o bom senso e o espírito coletivo para que o resultado seja satisfatório
para todos.
Na discussão das mazelas que afligem a Educação brasileira, por
exemplo, não se pode, então, transformá-la em algo que contradiz o princípio de
ensinar e conduzir o ser humano ao desenvolvimento moral, ético e intelectual.
Já dizia Rui Barbosa que “A força do
direito deve superar o direito da força”.
Não é incitando à rebeldia, tão inerente ao jovem, por meio da ruptura
com a lei que se está ensinado a ser cidadão.
Não nos esqueçamos de que a repetição de tais comportamentos,
já têm se traduzido nas salas de aula brasileiras em episódios de barbárie e violência
contra os próprios alunos e servidores da educação. A falta do diálogo coerente
e equilibrado na defesa dos direitos cidadãos é que resulta na dilapidação da
possibilidade de conquistas.
Portanto, a Educação brasileira precisa de boas ideias, bons
projetos, boa vontade para vencer a inação de quem espera que ela mingue por si
só. Somente através do comprometimento e do respeito às leis é que se tornarão
possíveis o apoio, a confiança e a credibilidade junto à sociedade.