Crianças, Infância...
Por Alessandra Leles Rocha
Doze de outubro, dia das crianças... Tanta energia boa emana
da palavra criança e, no entanto, o mundo pós-moderno nos faz refletir tão
pesadamente sobre a realidade de milhares delas.
Segundo dados do Alto Comissariado das Nações Unidas para
Refugiados (ACNUR), por exemplo, são cerca de 100 mil refugiados órfãos,
crianças e adolescentes (de até 18 anos) que representam 51% da população
mundial de refugiados no mundo. Como qualquer criança, elas irão se tornar
adultos. Parece um raciocínio simples e lógico; mas, no fundo, longe da nossa
vontade consciente de enxergar, esconde-se uma complexidade cruel sem precedentes.
Afinal, crianças submetidas à indignidade, a miséria, aos
maus tratos, a barbárie, foram brutalmente feridas no seu direito a uma vida
equilibrada, estável e saudável 1. Por mais
que venham a ter a possibilidade de atendimento psicossocial e de reconstruir
as bases da sua identidade familiar, haverá nelas as marcas invisíveis (às
vezes, visíveis também) desse período triste e conturbado.
Portanto, quando o poder fala mais alto e desconhece o
direito humano abre-se precedente para a reafirmação da construção de uma
sociedade injusta, cativa e não fraterna, cujas gerações se desenvolverão
doentes tanto física, emocional e/ou psicologicamente. Daí a preocupação em
visibilizar a responsabilidade de cada cidadão do mundo, em relação às
crianças.
Na verdade, essa responsabilidade não está vinculada
estritamente a questões econômicas e/ou materiais; mas, a fiação de uma relação
afetiva e efetivamente harmônica. Mais do que roupas, calçados, brinquedos,...
as crianças carecem do amor essencial que se traduz no aconchego do carinho, na
atenção que ouve as suas necessidades e histórias, na parceria nos momentos de
dor ou de infelicidade, enfim... A grande questão é que a realidade atual nos
mostra tudo isso cada vez mais distante do alcance delas.
Os últimos séculos, da raça humana, têm dilapidado os
direitos humanos a começar pela infância. Estamos subjugando os pequeninos a
condições bárbaras, as quais eles não têm autonomia para contestar ou se
defender. Para, no final das contas, admitirmos da pior forma a nossa
incapacidade de protegê-los, de resguardá-los da rudeza e da adversidade do
mundo.
Então, não é difícil perceber que a infância de hoje não é
feliz. Que ela não sorri com a mesma leveza, intensidade e entusiasmo de outros
tempos. As crianças estão proibidas de exercer plenamente a sua infância, na
liberdade e na paz que lhes são tão características. E, infelizmente, esse não
é um ‘privilégio’ só das crianças refugiadas. Ser criança no mundo de hoje é
disputar palmo a palmo com a violência e toda sorte de arbitrariedades, que
imperam no mundo.
De repente, os vilões das histórias e quadrinhos não fazem mais
parte de um mundo fantástico; mas, do seu cotidiano. Os jogos de computador interativos
só fazem reproduzir, em alguns casos, a violência que elas assistem nas ruas ou
pela TV. O bullying real e virtual, talvez, seja só um jeito equivocado de
manifestar a sua angústia, a sua solidão impregnada de agressividade e intolerância.
...
Enquanto isso, os adultos fingem não perceber o que acontece;
como, se dessa forma pudessem se eximir das responsabilidades. Nossa indiferença
apática está desconstruindo o lado bom da humanidade, enquanto ceifa as
esperanças que habitam em cada criança. Uma infância mal vivida não pode
resultar em uma maturidade plena. Não é à toa que milhões de pessoas pelo mundo
estão doentes do corpo e da alma; muitos, inclusive, suicidando-se sem mais nem
menos.
A tecnologia, a máquina, a informação na velocidade da luz, o
poder de consumo,... tanto para se maravilhar e, no entanto, a vida se esfacela
diante dos olhos. Temos tudo, menos a felicidade, a satisfação da existência. E
o que é pior, estamos entendendo isso cada vez mais cedo.
Em 1989, a Legião Urbana já cantava “Pais e Filhos” 2 e nos fazia pensar com o refrão “É
preciso amar as pessoas como se não houvesse amanhã”; mas, será que realmente
pensamos?
Então, nesse doze de outubro, pense, reflita sobre a infância,
sobre a vida, sobre o mundo. Assuma seu papel consciente de cidadão responsável,
de gente que quer um mundo melhor, mais humano, mais justo, mais solidário e se
permita impregnar positivamente pelas palavras de Sigmund Freud, “Não me cabe
conceber nenhuma necessidade tão importante durante a infância de uma pessoa
que a necessidade de sentir-se protegido por um pai”. Seja pai, mãe, irmão,
amigo, conhecido,... mas, seja sempre humano, responsável e sensível as dores do mundo.