Aproveite
o dia!
Por
Alessandra Leles Rocha
Temos vivido tempos tão conturbados
que a vontade parece ser uma só: “Para o mundo que eu quero descer”! A desestabilidade
a que estamos submetidos e que imprime a sensação da mais plena inversão da
lógica e dos valores faz com que a atmosfera fique densa, tensa e pesada
demais.
Como um ínfimo grão de areia que sou
me restrinjo apenas a pensar, refletir sobre algo tão complexo. Afinal, diante
da minha personalidade irrequieta, não conseguiria me manter completamente alheia
ao mundo, olhando para o próprio umbigo. No entanto, em nome da minha sanidade física
e mental decidi estabelecer limites para essa convivência.
Aquele velho comportamento
compulsivo, quase neurótico, de acompanhar os noticiários em tempo integral,
por exemplo, ficou para trás. Cansei de tanta conversa requentada, que acaba
sendo distorcida ao sabor dos interesses envolvidos. Assim, permito-me
descansar os olhos e os ouvidos, especialmente no período noturno, para não
dormir rodeada de pensamentos perturbadores e desagradáveis. O sono é sagrado e
sem ele, a carcaça recente o prejuízo.
Então, ciente da minha humanidade,
venho dedicando momentos de total desconexão com o mundo. Boas leituras, bons
filmes, boas músicas e, porque não dizer, bons momentos de pura meditação. Sim, estou me dando o direito de desfrutar
parte do meu tempo em meu benefício próprio. Estou criando pequenos oásis na
minha vida atribulada para priorizar a minha existência.
Toda a manifestação de barbárie a
que se tem notícia me fez perceber o quanto temos despendido tempo por razões variadas.
Aliás, todo o tempo parece insuficiente
para atender ao ritmo frenético, alucinado, que a humanidade se submeteu. As pessoas
não fazem outra coisa senão perseguir o cumprimento de agendas, de planos, de
metas impossíveis de serem alcançadas. O
máximo que conseguem é a exaustão de si mesmas e, em nome de quê? Por quê? Por
uma razão ou outra, elas só conseguem perceber seus equívocos quando já é tarde
demais ou lhes resta pouco tempo para mudar o curso da história.
É por isso que, depois de muito
observar e até sentir na própria pele as marcas desse descaminho, optei por um
novo posicionamento diante da vida. Não vou deixar de ser perfeccionista e nem leal
as minhas responsabilidades; mas, eu preciso caber dentro dessa lógica. Minha existência
não pode ser subjugada pelo mundo. Preciso respirar. Preciso de leveza. Preciso
cuidar de mim, por dentro e por fora. Preciso me conceder o direito desse tal “ócio
criativo”.
Se o dia parece descolorido pela
tristeza, não quero o remoer contínuo de notícias desagradáveis. Quero desenho
animado, programa de culinária, ou qualquer coisa capaz de me fazer rir e
desanuviar os pensamentos. Se a minha coluna dói, graças às hérnias de disco
existentes, não quero sacrifícios à frente do computador, regados por injeções (nada
generosas) de analgésico e anti-inflamatório. Quero alongar, relaxar, repousar
confortável o meu corpo; de modo que, ele volte mais pleno para ser o que é. Se
a mente está sobrecarregada de informações, não quero filosofar. Quero um
passaporte de leitura viajante, daquelas que nos arrebatam as emoções e os
sentimentos mais profundos. ...E ao contrário do que possam pensar isso não é
perda de tempo.
Finalmente, eu percebi que o exercício
diário do cotidiano na sua forma mais mecânica de ser, não nos oferece
recompensa que o justifique. Nem ao menos uma medalhinha de honra ao mérito. Não
há grandeza e, nem tampouco beleza, em se autorrotular assoberbado, estressado,
como se quisesse demonstrar aos outros um total compromisso com a vida. No fundo, esse comportamento faz com que as
pessoas se tornem para-raios de atribulações diversas, se enrolando nessa dinâmica
confusa e sendo muito pouco eficientes e atuantes, ficando como meros
coadjuvantes sem expressão no mundo.
E, agora escrevendo esse texto, me
recordei das palavras do médico psiquiatra,
Içami Tiba, “Se você
abre uma porta, você pode ou não entrar em uma nova sala. Você pode não entrar
e ficar observando a vida. Mas se você vence a dúvida, o temor, e entra, dá um
grande passo: nesta sala vive-se! Mas, também, tem um preço... São inúmeras
outras portas que você descobre. Às vezes curte-se mil e uma. O grande segredo
é saber quando e qual porta deve ser aberta. A vida não é rigorosa, ela
propicia erros e acertos. Os erros podem ser transformados em acertos quando
com eles se aprende. Não existe a segurança do acerto eterno. A vida é
generosa, a cada sala que se vive, descobre-se tantas outras portas. E a vida
enriquece quem se arrisca a abrir novas portas. Ela privilegia quem descobre
seus segredos e generosamente oferece afortunadas portas. Mas a vida também
pode ser dura e severa. Se você não ultrapassar a porta, terá sempre a mesma
porta pela frente. É a repetição perante a criação, é a monotonia monocromática
perante a multiplicidade das cores, é a estagnação da vida... Para a vida, as
portas não são obstáculos, mas diferentes passagens!” 1.
É isso. Abrir
portas. Ou janelas. Ou pequenas frestas. Pois, a insanidade que tanto nos perturba
nesse mundo pós-moderno esteja justamente nessa relutância em nos abrirmos para
as infinitas possibilidades de ser, de estar, enquanto nos deixamos enclausurar
e robotizar pelo automatismo da vida. É esse movimento de paralisia, que se
estabelece do lado de fora e que nos chega através de todas as mídias do mundo high tech, a mais provável razão a nos
penetrar as mais profundas entranhas, a nos entristecer e nos deixar rançosos. Portanto,
abrir portas, ou espaços de encontro consigo mesmo, ou vivências de puro ócio
são fundamentais se quisermos sobreviver. Como disse a personagem, John Keating,
no filme Sociedade dos Poetas Mortos 2,
“Carpe diem. Aproveitem o dia, meninos.
Façam de suas vidas uma coisa extraordinária”.