No encontro do Bem com a Fé
Por Alessandra Leles Rocha
Ainda que o Mal se proclame forte e robusto entre nós, é curioso perceber aqui e ali a presença não menos imperceptível do Bem, através da força poderosa e imaterial da Fé. Isso não significa pensar que no mundo não haja problemas e tudo se resuma a uma simples questão de ótica. Quando digo a fé, não me refiro apenas ao sentimento de cunho religioso e divino, mas aquele nutrido na esperança, na crença da transformação, na ruptura de paradigmas em favor do melhor para o ser humano e, consequentemente, a sociedade em que vivemos.
No folhear despretensioso do jornal ou revista, no passar de olhos na TV ou no computador, os registros confirmam a magnitude desse fenômeno. Talvez o cansaço das agruras cotidianas esteja assinalando o seu lado bom e movendo as pessoas a nutrir novos valores e aspirações para sua vida; afinal, o basta contra a violência, as desigualdades, a intolerância, o desrespeito, a corrupção,... não se consolida efetivamente no bradar verbal e, tantas vezes mecânico e solitário, de nossa voz; o basta exige a coragem e a ousadia da fé em si mesmo para transformar os próprios pensamentos e ideologias em ações. Senhor de si mesmo, o ser humano desbrava as fronteiras, faz suas escolhas e se torna responsável – direta ou indiretamente - pelos desdobramentos delas.
Enquanto os crimes passionais ocupam a atenção de quem passa, os editais dos proclamas matrimoniais prosseguem seu rito de modo discreto em poucos jornais. Mas, o amor na sua genuína forma parece não desistir de lutar e ver florescer os seus sonhos, os seus frutos, uma nova imagem de sociedade. O amor não perdeu a fé, nem a esperança, nem a vontade de ajudar a construir um mundo melhor. Enquanto alguns perdem o sono contando silenciosos as riquezas acumuladas sem muito esforço, outros dividem e comungam as parcas benesses fluidas do suor laborioso e amenizam o fel amargo das desigualdades. A fraternidade não perdeu a fé e não sucumbiu ao escárnio, à indiferença e/ou a omissão. Enquanto os olhos e os ouvidos se fartam das misérias midiáticas em profusão, mãos se desdobram em solidariedade e atenção aos enfermos, aos abandonados, aos negligenciados na medida de suas necessidades. A caridade não a perdeu a fé, nem o afeto, nem a ternura, nem a compaixão pelas dores diversas dos passantes. Enquanto... a vida, em sua mais absoluta essência, não perdeu a fé.
Talvez estejamos absortos demais, enredados demais pelo Mal, para não percebermos quão bela floresce entre nós “a primavera da vida”. Estamos extremistas demais, vivendo sob a ordem do “tudo ou nada”, na rudeza da análise quantitativa, onde tudo precisa se apresentar maior, grandioso; enquanto a qualidade, verdadeiramente vital, se esvai sem nos darmos conta. Como o bem se contenta em salpicar seus exemplos ao longo do percurso, ao invés de se jogar em baldes que podem escorrer sem nenhuma fixação, “julgamos” como se ele estivesse totalmente fora de moda, no mais absoluto ostracismo. Nos centros urbanos, por exemplo, a natureza rompe todos os dias com a teimosia de seus pássaros, de suas flores, de seu verde, esperando de nós um simples olhar, um sorriso de surpresa. Somos cumprimentados e não enxergamos. Somos abraçados e não nos deixamos usufruir desse abraço. Talvez entre todas as montanhas que a fé seja capaz de transpor, a maior e a mais difícil seja a nós mesmos. Quando invertemos a lógica e emudecemos o bom senso. Quando passamos a acreditar que o “mocinho” da história é muito "sem graça". Quando esticamos e extrapolamos o limite sem nos preocupar com a sua finitude. Enfim, quando não nos fazemos dispostos, abertos, conscientes sobre a importância de todos os simples detalhes da vida.