O grande paradoxo
Por Alessandra Leles Rocha
Tragédia. Independente do motivo, cada vez que uma tragédia acontece paira pesado no ar o desejo veemente de que algo igual, semelhante ou pior, não mais aconteça. É difícil, inenarrável, transpor o clima de perplexidade e consternação que arrebata os que viveram direta, ou indiretamente, uma tragédia.
O momento em si é o espelho da mais rude desolação, o paradoxo entre o fim e o início, o render-se ao impacto cruel e o erguer-se sob o regar dolorido de um pranto intermitente, o tudo e o nada, tempo de agir e refletir. Pelo fato de nem todas as tragédias se esculpirem na culpa obreira e absoluta do ser humano, meditar, dar asas ao pensamento profundo e contemplativo é tão necessário.
Tragédias mudam de face, de lugar, de período, de fator desencadeante; mas, como já disse no início, sempre acendem a chama cálida da última vez. Tudo o que nos rouba a paz, a alegria, a esperança, o entusiasmo pela vida, arranca sem piedade o brilho de nossos olhos, não merece ter espaço cativo em nossos dias; basta-lhe um único e nefasto episódio.
Mas o tempo... sempre ele, implacável e dominador, não permite indolência, nem mesmo dos atordoados sobreviventes das tragicidades cotidianas. Há de se postar de pé. Há de se reencontrar os caminhos. Há de se sepultar as lembranças. Há... Há... Há... E quando se vê as feridas começam a cicatrizar, a memória se descolore lentamente, o dia a dia parece costurar-se sozinho, e um sentimento de alívio por ainda ter os pés sobre a terra se faz “suficiente”. Se por um lado esse “virar a página” é salutar e assinala, mesmo que dolorosa e difícil, uma digestão dos fatos; por outro, ele pode encobrir a mais plena dificuldade de enfrentar de peito aberto o que aconteceu e estabelecer seu devido posicionamento no contexto da situação.
No calor das emoções o pensamento coletivo tende a se unir, a se humanizar em prol dos semelhantes, a se colocar mesmo que provisória e hipoteticamente na posição menos favorecida dos passantes. Mas, à medida que esse calor perde sua intensidade, que as vozes começam a se calar, sepulta-se a própria tragédia com lápide de ouro e mármore. É por essas e por outras, que infelizmente as tragédias acabam por se repetir. Cada ser humano traz consigo o ônus da culpa, da omissão consciente (ou inconsciente) no âmbito de seus direitos e deveres cidadãos, da cômoda e perigosa atitude de outorgar e/ou esperar que os outros resolvam, deem o primeiro passo, se manifestem, cobrem a quem de direito, lutem.
Dizia Rui Barbosa1, “Quem não luta por seus direitos não é digno deles”2; e talvez, ele tenha razão. Podemos sim evitar, mitigar as tragédias; está em nossa consciência o estopim dessa luta, em nosso DNA, em nosso instinto de sobrevivência, em nosso discernimento racional entre o bem e o mal, o justo e o injusto, a dignidade e a indigência. Os ensinamentos das tragédias são, sem dúvida alguma, pedras de grande valor; mas, se não soubermos utilizá-los com sabedoria, jamais construiremos a fortaleza que irá nos abrigar e defender das tempestades naturais do mundo.
1 http://pt.wikipedia.org/wiki/Ruy_Barbosa
2 http://www.frasesfamosas.com.br/de/rui-barbosa/pag/6.html