Bênção divina; castigo do homem!
Por Alessandra Leles Rocha
Águas que caem, que levam, que lavam a alma, os sonhos, as esperanças, a vida. Mansa ou furiosa, a continuidade, a constância da chuva aflige desesperadamente a população; sobretudo, a menos favorecida. Bênção divina; castigo do homem! A repetição da experiência não trouxe à humanidade o desenvolvimento de uma convivência harmônica com as águas que se derramam dos céus.
Se o aquecimento global tem repercutido de forma negativa sobre a elevação das águas oceânicas, do degelo das calotas polares e das grandes cadeias montanhosas, fazendo com que haja maior oferta de água para o ciclo hidrológico e, consequentemente, um maior volume de chuvas; isso ninguém duvida. Mas, além disso, nós – os seres humanos – restringimos a oferta de áreas de absorção das águas das chuvas em nome do progresso e do desenvolvimento, destruímos grandes extensões de matas e florestas, ocupamos regiões inapropriadas para a habitação (vales de rios, encostas, por exemplo) seja por necessidade extrema de espaço para alocação populacional, por falta de fiscalização e orientação do poder público, ou por irresponsabilidade pura.
Assim, todo verão chegava marcado por incidentes e tragédias em nosso país. Mas, há algumas décadas, o regime pluviométrico se alterou e se estendeu além do habitual. Certo tipo de radicalismo sazonal, alternado entre a seca e a chuva, assola o planeta e impõe o ônus da destruição agrícola (com elevação de preços decorrente da baixa oferta de produtos), a visibilidade da incompetência estrutural, organizacional e operacional que não consegue se planejar o suficiente para resolver ou mitigar o problema com consistência, a vulnerabilidade populacional que se vê obrigada a permanecer em constante reconstrução como se fosse estigmatizada pela sina da desolação.
É! Quem diria que em pleno século vinte e um, rodeados pelos mais fantásticos aparatos tecnológicos, estaríamos ainda reféns da Natureza! Remediando com placebos ao invés de partir para a ação e prevenção; prevenir o homem de si mesmo, de sua inconsequência, de sua omissão, de sua indiferença diante de sua própria espécie. Enquanto se gasta milhões com placebos, os quais escondem a gravidade dos feridos e os amontoados de vítimas; os mesmos milhões deveriam estar sendo destinados à prevenção desse horror e caos. Como dizia José Saramago1, “A única maneira de liquidar o dragão é cortar-lhe a cabeça, aparar-lhe as unhas não serve de nada” 2.