sábado, 6 de setembro de 2025

(In)dependência ...


(In)dependência ...

 

Por Alessandra Leles Rocha

 

Mais do que lançar um olhar para a independência, enquanto necessidade fundamental do ser humano, na medida em que trata da capacidade de agir, pensar e tomar decisões de forma autônoma, sem depender excessivamente de outras pessoas ou de influências externas, para alcançar a consolidação dos próprios objetivos em torno da felicidade e do bem-estar, é preciso refletir sobre ela na perspectiva social, coletiva.

Afinal, esses têm sido tempos em que a independência, do ponto de vista da livre subordinação e do controle externo internacional, manifesta pela autodeterminação, autonomia e autossuficiência da estrutura social, vem sofrendo ataques e contestações. O que significa, sob a ótica nacional, um momento tenso em relação à soberania brasileira e à reafirmação da sua ruptura a qualquer dependência imposta por práxis imperialistas, exercidas por outros países.

No entanto, de repente, recentes acontecimentos lançaram luz sobre o senso brasileiro, quanto à sua compreensão de independência. O tensionamento imperialista manifesto pelo governo dos EUA, como modo de reafirmação da sua histórica política de expansão e domínio, através de condutas de natureza política, econômica e cultural sobre territórios e povos estrangeiros, trouxe à tona reações assimétricas no Brasil, em razão da acirrada polarização político-ideológica presente no país.

A ausência de um consenso em torno da soberania nacional e do princípio da autodeterminação dos povos, evidenciou a fragilidade que paira a respeito da independência brasileira. Um fato, na medida em que a identidade nacional, enquanto, sentimento coletivo de pertencimento a essa nação, construído através de símbolos, valores, tradições e uma história partilhada e influenciada por fatores sócio-históricos e culturais complexos, não é comum a todos os (as) cidadãos (as).

Mas, não é só isso. Embora os EUA estejam, nesse recorte temporal, intensificando o seu hard power, ou seja, à sua capacidade de influenciar outros atores da geopolítica através da coerção e da força militar ou econômica, utilizando meios como a ameaça, ou o uso de sanções e/ou a beligerância armada, eles não abriram mão, por completo, do seu soft power. Especialmente, quando identificada uma cisão social na estrutura do outro país, como no caso do Brasil.

Assim, a proposta da manutenção do soft power é criar uma aura de camaradagem e boa vontade, a partir da promoção de interesses e valores de um dado país, em âmbito global, a fim de obter em um ambiente internacional favorável à sua influência. Bem, é exatamente isso que está por trás da iniciativa da liga esportiva profissional de futebol americano estadunidense. Segundo eles, a ideia é desenvolver o jogo em todos os níveis, considerando o potencial que o Brasil representa em termos de população, novas gerações, penetração esportiva e dinâmica das redes sociais.

Acontece que, não é difícil para um país, cuja historicidade colonial influenciada, ao longo de séculos, pela perspectiva histórica, política e cultural europeia e, frequentemente, desvalorizando e/ou ignorando as suas próprias experiências e saberes, cair nessa armadilha, mais uma vez. Ora, o principal perigo do soft power reside no fato de que líderes autoritários possam usá-lo, como a cultura e os valores políticos, para manipular e controlar a população, sem que esta, muitas vezes, se dê conta dessa influência.  

Quando inúmeros alertas sobre as ameaças que rondam a democracia contemporânea, isso não explica tudo. Na verdade, a democracia e a independência estão intrinsecamente ligadas, onde a independência de uma nação é o pressuposto para que a cidadania plena e o exercício democrático possam ocorrer, e a democracia, por sua vez, garante que a soberania popular seja efetiva, solidificando a própria independência.

Feitas essas considerações, vê-se, então, que uma nação não é verdadeiramente independente sem a capacidade de pensar e tomar decisões de forma autônoma, de expressar a sua identidade nacional sem depender de influências externas. Segundo Marilena Chauí, escritora, filósofa e professora universitária brasileira, “A democracia é a atividade criadora dos cidadãos e aparece em sua essência quando existe igualdade, liberdade e participação”.

Portanto, quando o Brasil aceita, por essa ou aquela razão, consciente ou inconscientemente, exercer seu complexo de vira-lata, sua herança sabuja colonial, ele abdica da sua independência. Ele, então, não se incomoda em não tomar suas próprias decisões em relação ao seu sistema de governo, fronteiras, economia, cultura, legislação, ... Ou seja, ele aceita ser, novamente, uma colônia ou um território dependente de outra potência.

Independência, como qualquer outro conceito, é algo inacabado. Está sempre em construção. Mas, para tal, depende de liberdade, de reflexão, de escolhas, de autodeterminação, enfim ...  Daí a necessidade de estar atento (a) e consciente sobre os acontecimentos ao redor; pois, segundo Michel Foucault, filósofo francês, “O novo não está no que é dito, mas no acontecimento de sua volta”.


sexta-feira, 5 de setembro de 2025

A relação existente entre a ganância e a ignorância, no Brasil

A relação existente entre a ganância e a ignorância, no Brasil

 

Por Alessandra Leles Rocha

 

Antes de tudo, quero deixar claro o significado dos termos ganância e ignorância, para que não haja um eventual erro de interpretação. Assim, ganância é a ânsia desmedida e egoísta por bens, poder e/ou riqueza, que prejudica os outros e a sociedade em busca de ganhos pessoais. Quanto a ignorância, essa diz respeito à falta de conhecimento ou compreensão num contexto coletivo, podendo ser involuntária ou voluntária, à grosseria ou desconsideração pela opinião alheia; mas, especialmente, à utilização para manipulação política ou econômica.

Feitos esses esclarecimentos, trago uma reflexão sobre a relação existente entre a ganância e a ignorância, no Brasil. Infelizmente, o país padece dos efeitos nocivos, decorrentes da sua historicidade colonial. Diante de uma pirâmide social, cujo topo era representado pelos portugueses e os seus descendentes brancos, que concentravam riqueza, poder e privilégios, sendo a elite econômica e social, consolidou-se, ao longo desses pouco mais de 500 anos, a ideia de que o poder capital eximia o indivíduo em relação à sua ignorância.

Assim, o Brasil chega ao século XXI ainda exibindo, por parte de suas elites, ou aristocracias, dominantes, uma permissividade naturalizada para exercer a ganância, atrelada à ignorância. Haja vista, o comportamento recente de certos representantes da elite político-partidária brasileira, ao se permitirem chafurdar na lama da vergonha corporativista, aceitando passivamente que um de seus membros cometa crime de lesa-pátria; bem como, abram espaços para conceder anistia ao ex-Presidente da República e seus asseclas, réus em ação penal, a partir de uma descabida associação ao tarifaço estadunidense sobre a economia nacional.

Ora, a onda de super tarifas impostas pelo atual governo dos EUA nasce por outras razões e motivos. Romper com o multilateralismo global. Impedir o avanço da China dentro de áreas de interesse comercial estadunidense. Fragilizar a articulação político-diplomática dos BRICS, quanto à cooperação nas mais diversas áreas. Assim, basta uma passada de olhos sobre os veículos de comunicação e de informação, nacionais e internacionais, para verificar que os Estados Unidos aplicaram tarifas a muitos países, além do Brasil.

China. Vietnã. Camboja. Índia. Laos. Mianmar. União Europeia. Japão. Tailândia. Filipinas. África do Sul. Cazaquistão. Malásia. Coreia do Sul. Argélia. Líbia. Sérvia. Bangladesh. Sempre objetivando pressionar e intimidar esses países a negociar acordos comerciais bilaterais, a fim de criar um ambiente comercial mais favorável para as empresas estadunidenses em detrimento dos interesses dos demais.

Acontece que o Brasil, sob um total ineditismo, decidiu exercer seu papel como potência emergente. Ciente da sua produção de alimentos e recursos naturais, da sua liderança em sustentabilidade energética e, da sua crescente influência em grupos como os BRICS, ele resolveu negociar dentro dos protocolos diplomáticos convencionais existentes, não se submetendo a qualquer pressão ou intimidação dos EUA.

Além disso, há de se considerar o fato destacado pela revista britânica, The Economist, quanto ao Brasil estar dando uma "lição de democracia" para os Estados Unidos, em contraste com o declínio da democracia americana, ao julgar a tentativa de golpe de 2022 e prender o seu ex-Presidente da República. A publicação elogiou o julgamento; bem como, observou que, ao contrário dos políticos estadunidenses, muitos políticos brasileiros de diferentes partidos estão mais dispostos a abrir mão de poder em prol do bem comum e a progredir por meio de reformas, um importante sinal de maturidade da política brasileira, especialmente em relação aos Estados Unidos.

Portanto, a relação existente entre a ganância e a ignorância, no Brasil, está recheada de uma inescrupulosa desonestidade, canalhice, vigarice! Certos elementos pertencentes a elite político-partidária brasileira não querem, de forma alguma, a reafirmação brasileira na nova ordem mundial que começa a se estabelecer; pois, isso tem impacto direto na manutenção de seus poderes, regalias e privilégios.

Assim, querem eles (as) a ANISTIA, perdão concedido pelo Estado, capaz de apagar os efeitos de condenações passadas, permitindo que os anistiados retornem à vida pública e profissional, impedindo sua responsabilização por crimes políticos. A IMPUNIDADE através de mecanismos que impedem a responsabilização ou punição legal para atos ilícitos ou ilegais cometidos por figuras políticas, minando, dessa forma, o Estado de Direito, fomentando a corrupção e o abuso de poder, e descredibilizando as instituições democráticas. A BLINDAGEM que cria barreiras e impedimentos para que autoridades, como deputados e senadores, sejam protegidas de investigações e ações judiciais, dificultando que sejam alvo de operações policiais, buscas e apreensões, e até mesmo de prisões.

Para essa ínfima parcela da população brasileira, o ideal seria que o país se mantivesse orientado pelos descaminhos coloniais, ou seja, a violência, a segregação social, a expropriação de terras, a concentração de riqueza e de poderes nas mãos das classes dominantes, a desvalorização e a perda da identidade cultural, as desigualdades socioeconômicas, o racismo enraizado nas estruturas socioculturais, políticas e econômicas.

O que não surpreende, ao nos lembrarmos as seguintes palavras de Darcy Ribeiro, antropólogo, historiador, sociólogo, escritor e político brasileiro, “Nós temos uma das elites mais opulentas, antissociais e conservadoras do mundo”.

Nesse sentido, há um lamentável equívoco, quando “Às vezes se diz que nossa característica essencial é a cordialidade, que faria de nós um povo por excelência gentil e pacífico. Será assim? A feia verdade é que conflitos de toda a ordem dilaceraram a história brasileira, étnicos, sociais, econômicos, religiosos, raciais etc. O mais assinalável é que nunca são conflitos puros. Cada um se pinta com as cores dos outros” 1 (Darcy Ribeiro).



1 RIBEIRO, Darcy. O povo brasileiro: A formação e o sentido do Brasil. 2ed. São Paulo, Companhia das Letras, 1995, Pág. 167.

quinta-feira, 4 de setembro de 2025

Você sabia???


Você sabia???

 

Por Alessandra Leles Rocha

 

No Brasil, a CORRUPÇÃO, o TRÁFICO DE INFLUÊNCIAS, o NEPOTISMO, a CONEXÃO COM AS FACÇÕES CRIMINOSAS, o DESEJO INCONTIDO POR ANISTIA, a PRIORIZAÇÃO DA LEGISLAÇÃO EM CAUSA PRÓPRIA, ... são frutos de uma mesma árvore.  

Qual seria ela? O Mercantilismo, o sistema econômico predominante na Europa, entre os séculos XV e XVIII, associado ao Absolutismo. Ele se baseava na riqueza do Estado, medida pela quantidade de bens acumulados; bem como, de uma balança comercial favorável, ou seja, exportando mais do que importando, e pela exploração de colônias.

Portanto, ele foi o precursor do capitalismo, de quem herdou a ACUMULAÇÃO DE CAPITAL, a BUSCA PELO LUCRO e a ideia da PROPRIEDADE PRIVADA, adaptando-as a um sistema onde a economia é movida pelo mercado, não pelo Estado.

De modo que o sistema capitalista se desenvolveu através de um processo de reestruturação produtiva, a qual priorizou o capital financeiro em detrimento do capital produtivo. Além disso, na contemporaneidade ele se tornou ainda mais influenciado e fomentado pela globalização e por políticas neoliberais.

Dentro desse contexto, então, ele foi marcado pela expansão do mercado de serviços através da terceirização, pela concentração desigual de capital e renda, pelo desmantelamento do Estado e das políticas de bem-estar social, e pelo uso de formas mais abstratas de riqueza, tais como a informação.

De modo que não é difícil entender as consequências disso: a desigualdade social crescente, a concentração de riqueza por uma minoria da população, a degradação ambiental, a exploração e precarização do trabalho com o aumento do desemprego e da informalidade, a instabilidade econômica, devido às sucessivas crises, e a especulação financeira.

Esse é o ponto para se tecer uma profunda reflexão, ou seja, a concentração desigual de capital / renda e a especulação financeira, porque esses dois aspectos dão o tom exato sobre a falência do modelo capitalista imposto pela Ordem Internacional, que vigora até os dias atuais.

Afinal de contas, esses padrões moldam as relações internacionais, a economia global e a estabilidade mundial, através de uma hierarquia de potências, alianças, instituições e a própria geografia do poder.

No entanto, questões como a globalização, as mudanças climáticas, os deslocamentos migratórios, o empobrecimento populacional, ... vêm impondo a necessidade de reconfigurar essa tal Ordem Internacional, ou seja, o espaço geopolítico.

Veja, enquanto há países que concentram seus esforços exclusivamente para a concentração desigual de capital / renda e a especulação financeira, o modelo de desenvolvimento que se tem é chamado de “capitalismo financeirizado”. 

Para eles, a lógica financeira e a especulação ganham predominância, levando à concentração de capital e renda, a um foco no imediatismo do curto prazo e ao aumento da dívida pública.

Assim, o desenvolvimento desses países se torna marcado pela valorização das atividades especulativas em detrimento do capital produtivo; bem como, pela pressão sobre a produção e o trabalho.

Sem contar que esse sistema impulsiona a concentração de capital nas mãos de poucos, aumentando a desigualdade econômica e afetando de forma negativa a economia real e o bem-estar da população.

Por essas e por outras, a China emerge, então, como um exemplo de liderança para uma Nova Ordem Internacional. A partir do final da década de 1970, Deng Xiaoping, líder supremo da República Popular da China, naquela ocasião, construiu um conjunto de políticas, visando modernizar a economia chinesa e integrá-la ao mercado global, permitindo a ascensão do sistema produtivo industrial e o aumento da produção de bens de consumo.

Assim, através da combinação de reformas de mercado, aberturas para investimentos estrangeiros, tais como as Zonas Econômicas Especiais, os investimentos massivos em infraestrutura, pesquisa e desenvolvimento, além de uma política estatal de direcionamento de crédito para setores estratégicos, o país atraiu capital e tecnologia para consolidar sua posição como potência econômica.

Diante disso, as repercussões sociais do capital produtivo na China refletiram a redução drástica da pobreza extrema, o aumento da renda de uma parcela significativa da população, a criação de uma sociedade de classes, apesar do controle estatal significativo sobre setores estratégicos e, uma significativa mobilidade social através de migrações do campo para as cidades.

Também é preciso destacar que o aumento do investimento público e privado no desenvolvimento educacional, resultou na expansão do ensino compulsório e no acesso à educação superior, embora tenha sido inevitável a ocorrência de proeminente aumento da desigualdade regional e social; pois, com a implementação do modelo de capital produtivo, houve grande disparidade de padrões de vida entre áreas urbanas costeiras ricas e regiões rurais mais pobres e menos desenvolvidas.

No entanto, tem sido interesse do governo chinês buscar o direcionamento de investimentos para as regiões mais pobres e desfavorecidas a fim de estimular um crescimento mais equilibrado e reduzir as disparidades.

Várias estratégias para reduzir a desigualdade social e regional, incluindo a eliminação da pobreza extrema com programas agrícolas e de reflorestamento, investimentos massivos em educação e assistência social, e realocação de populações em risco, têm sido colocadas em prática, ao longo dos anos.

Bem, o que a China busca é um tipo de "prosperidade comum", através da pressão regulatória sobre grandes empresas de tecnologia, para que contribuam para programas sociais e a busca pelo desenvolvimento de uma economia mais inclusiva.

Entretanto, a presença de desafios é inevitável. Um exemplo é o sistema de residência (hukou), que estabelece uma forte assimetria entre os residentes urbanos e os migrantes, que não têm o mesmo acesso a serviços e direitos; embora, não se possa negar que ele controla o movimento da população e mantém a estabilidade em áreas urbanas, contribuindo, de algum modo, para o desenvolvimento econômico chinês.

Feitas essas considerações, o que está posto para uma análise dos (as) brasileiros (as), então, é que o capital produtivo apresenta um padrão de desenvolvimento muito mais sólido para as demandas contemporâneas.

Afinal de contas, ele está diretamente ligado à criação de bens e serviços, os quais são capazes de impulsionar a economia real, gerando emprego, desenvolvimento humano e crescimento sustentável.

De modo que permanecer alienado pelo capital especulativo, obediente às velhas práxis que sustentaram a Ordem Internacional até aqui, focando em operações de curto prazo e lucros rápidos no mercado financeiro, significa expor-se voluntariamente ao risco da volatilidade, da desaceleração, da redução da produtividade e da susceptibilidade às crises, serve somente ao capricho da acumulação de capital, por uma ínfima minoria da população.

Sendo assim, o que o desenvolvimento contemporâneo espera do mundo é que, cada país, seja capaz de gerar riqueza através da produção de bens e serviços, impulsionar a inovação e o progresso técnico-científico, fornecer meios de produção e difundir tecnologia, fomentar emprego e renda ao participar de todas as cadeias produtivas.

Em suma, tudo isso significa exercer um efeito multiplicador na economia, no sentido de ampliar o mercado interno e externo; bem como, gerar condições para a melhoria do bem-estar socioambiental da sua população. Ora, para que exista progresso, desenvolvimento, é preciso de gente, em toda a sua diversidade e pluralidade! É, seres humanos importam!

Desse modo, é preciso que o Brasil se desapegue do seu ranço colonial e do seu ideário retrógrado, para respirar novos ares e se conectar com a nova realidade que se impõe ao mundo contemporâneo. Essa é a hora de o país abandonar a sabujice, a subserviência, o vira-latismo, para experenciar o DESENVOLVIMENTO pela via do CAPITAL PRODUTIVO.


sexta-feira, 29 de agosto de 2025

Non sense ...


Non sense ...

 

Por Alessandra Leles Rocha

 

Para início de conversa, o campo político-partidário brasileiro é mesmo um caso para psicanálise!  Afinal, no inconsciente desses indivíduos, transitam desejos, memórias e conflitos, os quais teimam explodir em rompantes aleatórios e, tantas vezes, desprovidos de qualquer vestígio de ética e moral. Acontece que esses comportamentos são sim, capazes de influenciar negativamente os caminhos do comportamento social, no país.

No momento, a Direita, em todos os seus matizes, se uniu para uma cruzada de votações, cujas pretensões envolvem três Propostas de Emenda Constitucional (PECs). Uma diz respeito a alteração das regras para o foro privilegiado de autoridades. A segunda propõe mudanças no artigo da Constituição que trata da imunidade parlamentar. E a última retoma a proposta de anistia aos envolvidos nos atos do 08 de janeiro de 2023.

Bem, como é de conhecimento público, a Constituição Federal do Brasil, de 1988, estabelece o conceito de república dividida em três poderes — Executivo, Legislativo e Judiciário — a fim de evitar a tirania e o arbítrio; bem como, garantir o bom andamento da democracia.

O que já demonstra, claramente, a intenção embutida nas tais votações de realizar uma ruptura com esse Princípio de Freios e Contrapesos, ou seja, com essa divisão de poderes em que cada um tem a autonomia e a responsabilidade de fiscalizar o outro, garantindo que ninguém detenha poder absoluto e que a atuação de todos seja sempre equilibrada e voltada para o bem-estar da sociedade.

E a razão disso é muito fácil entender! O último pleito eleitoral para a formação dos quadros de legisladores do Congresso Nacional sinalizou uma vantagem numérica para os representantes da Direita e seus matizes, de modo que a base de apoio ao governo ficou bastante reduzida.  Acontece que, tomados pela vaidade, esses parlamentares passaram a usar de sua legislatura para boicotar os projetos do Executivo, através de diferentes mecanismos.

Além do costumeiro e histórico fisiologismo, que trata da construção do poder através da obtenção de vantagens, adaptando suas posições e alianças conforme o benefício disponível, esse grupo de parlamentares passou a sequestrar o orçamento público, através do chamado Orçamento Secreto. A tal ponto que a questão foi parar no Supremo Tribunal Federal (STF), dada a flagrante falta de transparência, nas vultosas movimentações financeiras.

Mas, não bastasse isso, há tempos que as pautas legislativas não só vêm sendo apresentadas repletas de vícios e de inconstitucionalidades, exigindo a arbitragem do STF para uma decisão a respeito, como assuntos importantíssimos, de total interesse do cidadão, os quais deveriam ser deliberados pelas Casas Legislativas, acabam sendo deslocados para apreciação pela Corte Suprema do Judiciário brasileiro.

E por conta desse comportamento errático e displicente do Legislativo federal, o Judiciário passou, por força das circunstâncias, a ganhar um protagonismo social.  Afinal, uma vez provocado, o judiciário não pode se furtar ao seu papel institucional, sob pena de prevaricar, ou seja, de cometer crime pelo fato de retardar ou deixar de praticar ato de ofício.

No entanto, apesar disso, parlamentares da Direita, em todos os seus matizes, vêm buscando confrontar, repetida e belicosamente, o STF. Dessa vez, o atrito se configura através das três Propostas de Emenda Constitucional (PECs), pelo fato de que todas as pautas atuam no sentido de obstaculizar, inviabilizar e esvaziar o papel constitucional do Judiciário, ao mesmo tempo em que amplia os poderes e atribuições do Legislativo federal.

Por isso, não importa se há parlamentares cometendo crime de lesa-pátria em outro país, custeados com dinheiro público. Se a imagem do “jeitinho brasileiro” está sendo reafirmada por esse tipo de Propostas de Emenda Constitucional (PECs).  Se o “viralatismo”, que tanto afronta à soberania brasileira, está sendo ostentado dentro do próprio Congresso Nacional. Se há pautas urgentes e importantes, aguardando há décadas, para serem deliberadas e votadas.  ...

O que está posto nesse rol de “desimportâncias” declaradas por parte do Congresso Nacional é um misto de impunidade, de autoblindagem, de inconstitucionalidade e de antidemocracia. O que esses parlamentares pretendem, faz lembrar os tempos absolutistas, entre os séculos XV e XVIII, caracterizados pela concentração total do poder nas mãos do rei.

Agora, em pleno século XXI, quem não aceita estar sujeito às leis e/ou outros poderes, é uma parcela significativa do Legislativo federal brasileiro. Embora pareça um ato de rebeldia absoluta, na verdade, essa gente só faz renegar o próprio compromisso constitucional assumido junto ao país e aos seus próprios eleitores, para satisfazer aos próprios e abjetos interesses.  


quinta-feira, 28 de agosto de 2025

Em banho-maria ...


Em banho-maria ...

 

Por Alessandra Leles Rocha

 

Centrão.

Oposição.

Direita e seus matizes.

Ranços históricos.

Fisiologismo.

Emendas Parlamentares.

Regalias.

Privilégios.

 

Na verdade,

Tudo é desfaçatez.

Tudo é veloz.

Tudo é dissimulado ...

A Democracia corre perigo.

 

PEC da Blindagem 1.

PEC do Foro Privilegiado 2.

PEC da Anistia 3

Corporativismo.

Interesses escusos.

Chantagem.

Despudor.

Cinismo.

 

Na verdade,

Tudo é desfaçatez.

Tudo é veloz.

Tudo é dissimulado ...

A Democracia corre perigo.

 

Descompromisso constitucional.

Anticidadania.

Antidemocracia.

Cinismo.

Sabujice.

Subserviência.

Desrespeito.

Traição.

 

Na verdade,

Tudo é desfaçatez.

Tudo é veloz.

Tudo é dissimulado ...

A Democracia corre perigo.

 

Relembrando os seguintes versos da Legião Urbana, “Quando querem transformar / Dignidade em doença / Quando querem transformar / Inteligência em traição / Quando querem transformar / Estupidez em recompensa / Quando querem transformar / Esperança em maldição: / É o bem contra o mal / E você de que lado está? 4.

Abra seus olhos. Preste atenção. Os (des)caminhos do país, há pouco mais de 500 anos, são sempre preparados em banho-maria. Sempre à espera do momento ideal, o que significa a invigilância do cidadão e a ignorância popular, segundo a percepção de seus próprios representantes.



1 PEC da Blindagem prevê mudanças profundas nas regras para investigação, prisão e julgamento de deputados e senadores.

2 PEC do Foro Privilegiado pretende acabar com o foro privilegiado para autoridades em crimes comuns, em um momento em que o STF conduz diversos processos sobre o uso de emendas parlamentares.

3 PEC da Anistia. Aliados do ex-presidente veem PEC das prerrogativas como primeiro passo para anistia. (leia https://g1.globo.com/politica/blog/andreia-sadi/post/2025/08/27/hugo-motta-pacote-impunidade-anistia-bolsonaro-julgamento-stf.ghtml)

4 1965 (Duas tribos) - Legião Urbana (1989) / Compositores: Renato Russo / Dado Villa Lobos / Marcelo Bonfá.


segunda-feira, 25 de agosto de 2025

O Brasil que não gosta do Brasil


O Brasil que não gosta do Brasil

 

Por Alessandra Leles Rocha

 

Os verdadeiros inimigos do país não estão além de suas fronteiras. Eles estão aqui e fazem parte do espectro político-partidário da Direita. O que inclui não somente os seus representantes; mas, financiadores de campanha, apoiadores e simpatizantes. Portanto, gente que cultua, de maneira cega e arraigada, o ranço colonialista que escreveu as páginas da historicidade brasileira.

Segundo a imprensa nacional, “Estratégia da oposição cria bomba fiscal para esvaziar aposta de Lula na isenção do IR” 1 , visando ameaçar o projeto que isenta do imposto de renda todos os brasileiros com renda de até 5 mil reais mensais, ou seja, o que seria um alívio para 26 milhões de contribuintes.

Durante os últimos anos, em especial, tentou-se fazer incutir no inconsciente coletivo brasileiro, a título de justificar a polarização político-partidária, a ideia do “antilulismo”, a qual descreve a corrente de oposição e desaprovação ao Presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Uma estratégia de personificação do desagrado em reação às políticas progressistas e de caráter social.    

Acontece que esse desagrado não tem absolutamente nada a ver com o rosto, a figura, desse ou daquele indivíduo. O que eleva a ira do espectro político-partidário da Direita é a presença do progressismo no país. Afinal, essa é uma corrente de pensamento que defende o progresso social, político e econômico através de reformas, transformações e a busca pela igualdade e os direitos humanos.

Algo que entra em choque direto com todos os princípios e valores herdados dos tempos em que o Brasil foi Colônia de Exploração. Eram tempos de um modelo de economia voltado exclusivamente para a exportação, com a presença de grandes latifúndios alicerçados por monoculturas, tais como a cana-de-açúcar e o café, e pela utilização de mão de obra escravizada. O que limitou significativamente o desenvolvimento nacional e perpetuou um ciclo de dependência econômica e desigualdade em relação às Metrópoles europeias.

Portanto, as consequências sociais desse modelo podem ser compreendidas pela reafirmação de uma desigualdade social e econômica acentuada, presença de forte imobilismo social, a perda e a supressão de culturas e identidades locais, a disseminação de doenças que causaram alta mortalidade entre populações nativas, a imposição de estruturas socioeconômicas alienígenas, ou seja, estranhas, bizarras e opressoras para a maioria da população, a marginalização de grupos sociais e de gênero, e a perpetuação da violência através da escravidão e do trabalho forçado. E é dentro desse contexto, que o Brasil vem transitando ao longo dos seus pouco mais de 500 anos.

Daí a dificuldade das elites brasileiras, o topo da pirâmide social, em aceitar os ventos do progresso. Essa gente quer manter tudo como sempre esteve. Quer permanecer defendendo a preservação de instituições sociais, valores, costumes e tradições, o que se traduz, por exemplo, pela naturalização da desigualdade, da resistência às mudanças sociais, do aprofundamento da exploração, da defesa de suas regalias e privilégios, e da propagação de preconceitos e discursos de ódio.

Algo que não passa mais despercebido de nenhuma viva alma, considerando-se o fato de que, há um certo tempo, perderam totalmente o pudor quanto à ruidosa legitimação da sua hegemonia, enquanto classe dominante; bem como, pelos recorrentes episódios de desmantelamento dos sistemas de proteção social, resultando em crises sociais e econômicas e na repressão dos direitos humanos.

Portanto, há sim, uma parte do Brasil que não gosta do Brasil! Que não compreende o país como unidade, totalidade, coletividade. Que resiste bravamente a qualquer possibilidade de avanço do progresso, dificultando a construção de uma sociedade mais justa e igualitária, limitando o desenvolvimento das pessoas e das comunidades, apenas para atender ao seu desejo de manter os padrões sociais, políticos e econômicos arcaicos, os quais se acostumou a desfrutar.

Acontece que essa parte do Brasil que não gosta do Brasil tem em sua composição elementos representativos, apontados pelo voto democrático. O que significa uma escolha do cidadão. E escolhas podem ser revistas, repensadas, não é mesmo? Ter um representante que não cumpre o papel de defender os interesses de boa parte do seu eleitorado não faz nenhum sentido.

Por isso, como disse George Bernard Shaw, dramaturgo, romancista irlandês e Prêmio Nobel de Literatura, em 1925, “O progresso é impossível sem mudança; e aqueles que não conseguem mudar as suas mentes não conseguem mudar nada”.


Escolhendo a vergonha ...


Escolhendo a vergonha ...

 

Por Alessandra Leles Rocha

 

O Brasil está sob uma transformação profunda, quase uma reescrita da sua historicidade, no âmbito de aspectos coloniais efetivamente nefastos. Entretanto, apesar de surpreendente, tais mudanças enfrentam uma resistência estúpida, por parte de certos indivíduos. É o caso, por exemplo, da Câmara dos Deputados.  

Relembrando que, historicamente, o mundo já assistiu à formação de uma organização política que substituiu o parlamento por uma instituição corporativa na Itália fascista, temos no Brasil um desenho semelhante a se configurar em relação a esse tipo de corporativismo.

Enquanto "espírito de grupo", de cooperação entre indivíduos e setores, esses (as) parlamentares buscam pela defesa aguerrida de seus privilégios, regalias e poderes; por isso, resistem à cassação de parlamentares flagrantemente envolvidos em atos disruptivos ao ordenamento jurídico brasileiro.

É, lamentável que o Congresso nacional venha se permitindo escolher a vergonha, a mais completa e absoluta falta de decoro, demonstrada por atos absurdamente incompatíveis ao exercício parlamentar. Mas, a Câmara dos Deputados aceitar que um de seus pares permaneça reiterando o cometimento de crime de lesa-pátria é inadmissível! É a desmoralização total da referida Casa legislativa!  

Ao se omitir de aplicar a cassação de mandato a qualquer parlamentar que venha praticar, publicamente, atos gravemente prejudiciais à soberania brasileira, traindo de maneira absoluta seu país de origem e com grandes danos econômicos a ele, a Câmara dos Deputados, de certa forma, rasga o seu compromisso constitucional de defender os interesses do Brasil, escondendo-se sob o manto vulgar e abjeto do corporativismo.

Esse é sim, um fato repugnante, desprezível, pois extrapola a si mesmo, na medida em que envolve gastos vultosos de dinheiro público. Diante do fato de não ter renunciado e de sua licença das atividades parlamentares ter expirado, o referido deputado permanece recebendo um salário bruto mensal de R$ 46.366,19, acrescido de verbas como a Cota para o Exercício da Atividade Parlamentar (CEAP), a qual varia por estado, e outras ajudas de custo para despesas relacionadas ao mandato, enquanto trai e conspira contra o Brasil em território estrangeiro.

Além disso, para conter os efeitos desastrosos e altamente prejudiciais decorrentes do seu crime de lesa-pátria contra a economia nacional, já foram gastos pelo Brasil em torno de R$ 30 bilhões. Dinheiro que poderia estar sendo investido em benefício do próprio desenvolvimento do país e de sua população; mas, precisou ser destinado a impedir consequências ainda piores, oriundas do atrito diplomático gerado pelo tal deputado.

Bem, ao escolher essa vergonha, institucionalizada pelo silêncio e omissão do corporativismo político, a Câmara dos Deputados sinaliza compactuar com o crime de lesa pátria e suas consequências. Sinaliza que garantir o poder, a qualquer preço, está sim, acima das obrigações e dos deveres constitucionais. De modo que ela escreve um capítulo deplorável no registro da sua historicidade, no que diz respeito ao seu exercício ético e moral.

Já dizia Rui Barbosa, político, diplomata, advogado e jurista brasileiro, “A justiça atrasada não é justiça; senão injustiça qualificada e manifesta”. Daí a necessidade dos (as) cidadãos (as) brasileiros (as) de prestar bastante atenção ao seguinte aspecto: “Política e politicalha não se confundem, não se parecem, não se relacionam com a outra, antes se negam, se repulsam mutuamente. A política é a higiene dos países moralmente sadios. A politicalha, a malária dos povos de moralidade estragada” (Rui Barbosa).


sexta-feira, 22 de agosto de 2025

“Pensar o passado para compreender o presente e idealizar o futuro”. Heródoto


“Pensar o passado para compreender o presente e idealizar o futuro”. Heródoto *

 

Por Alessandra Leles Rocha

 

É uma pena, mas o Brasil insiste em viver de futuro! Não é à toa que, ao invés de focar no hoje, no agora, diante da efervescência dos acontecimentos nacionais e internacionais, a ala político-partidária e de imprensa esteja com os olhos voltados para a sucessão eleitoral de 2026. Por isso, resolvi tecer uma breve reflexão do que se faz de suma importância nesse contexto.

Bem, é claro que as personagens são fundamentais para contar uma história; mas, ao contrário do que uns e outros, por aí, possam pensar, é sobre a ideologia, ou seja, o conjunto de ideias, crenças, valores e normas que moldam a forma como um grupo social percebe e interage com o mundo, que devemos prestar bastante atenção.

Ora, pessoas vêm e vão! Portanto, figuras humanas não são elementos fixos. Já a ideologia, que elas sustentam e materializam nas suas expressões e comportamentos, essa sim, é uma estrutura fixa e atemporal. Daí a necessidade de observá-la bem de perto.

Nem preciso dizer que 2025 já entra para a historicidade brasileira, como um ano de profunda importância e ineditismo. Um ex-presidente, vários membros do escalão maior das Forças Armadas, alguns cidadãos ligados ao governo anterior, estão no banco dos réus, em razão do deplorável acontecimento do 08 de janeiro de 2023, sob a acusação de organização criminosa armada; tentativa de abolição violenta do Estado Democrático de Direito; golpe de Estado; dano qualificado pela violência e grave ameaça contra o patrimônio da União, e com considerável prejuízo para a vítima; e, deterioração de patrimônio tombado.

Entretanto, uma eventual condenação desses indivíduos não significa, em si mesma, o restabelecimento da paz democrática e cidadã, para o Brasil. Afinal, os indivíduos são punidos; mas, a ideologia, a qual eles defendem e manifestam, não.

E esse é o ponto de reflexão! As ideologias são como sementes. Elas podem permanecer dormentes, ou seja, inativas; mas, isso significa apenas sobreviver às condições temporariamente adversas, até que um momento mais favorável se oportunize.

E isso não é novidade! Há exatos 80 anos, por exemplo, o mundo assistiu ao fim da 2ª Guerra Mundial e todas as consequências desencadeadas pelo ultrarradicalismo imposto pelo regime nazista.

Em um primeiro momento, houve quem acreditasse que o Holocausto, o deslocamento maciço de populações, o desenvolvimento de um sentimento de unidade e de colaboração na Europa Ocidental para evitar novos conflitos, o receio de uma outra guerra nuclear, seriam questões absorvidas e incorporadas pela humanidade, sem quaisquer restrições.

Só que não. A ideologia que construiu e colocou em prática a 2ª Guerra Mundial apenas se tornou dormente. Células nazistas e ultrarradicais, que já haviam se espalhado pelo planeta, se invisibilizaram, ou camuflaram, para sobreviver às condições adversas, que se impuseram ao final do conflito bélico.

O que significa que o nazismo e o ultrarradicalismo não desapareceram, eles permaneceram de prontidão para despertar a qualquer momento. Inclusive, no Brasil. Caro (a) leitor (a), o atual recorte contemporâneo é, nesse sentido, um terreno fértil para que sementes tóxicas, nocivas, deletérias, possam germinar.  

Pelo simples fato de que navega, pelo (in)consciente coletivo nacional, e global, a ideia de que “Na busca, portanto, da totalidade, encontra-se a falta; na busca das certezas, encontram-se as dúvidas, na busca de um porto seguro, encontra-se a insegurança, que se manifesta, sobretudo, quando mitos da modernidade, simulacros do paraíso, nos colocam, de forma poderosa, em situação de inferioridade, de constrangimento, de angústia” (CORACINI, 2005 1).

Daí a necessidade da plena atenção às linguagens e suas construções. Não é porque alguns indivíduos estejam sendo julgados, responsabilizados, que a apropriação de suas ideologias ultrarradicais e extremistas não possa acontecer através de outros simpatizantes, representantes, apoiadores.

Conhece a expressão "lobo em pele de cordeiro"? Pois é, ela descreve indivíduos ou grupos que, sob um disfarce de inocência, bondade ou inofensividade, escondem intenções predatórias ou maliciosas para manipular, explorar ou prejudicar outros.

Acontece que, no campo político-partidário; sobretudo, no Brasil, onde o fisiologismo político é uma mácula secular, essa dinâmica de engano e dissimulação pode levar a danos sociais irreparáveis, tendo em vista, o própria historicidade marcada pela herança colonial exploratória.

Além disso, as Tecnologias da Informação e da Comunicação (TICs) contribuem significativamente para a reverberação de práxis comunicativas nocivas e deletérias, no cenário contemporâneo atual.

Por essas e por outras, é que a representatividade, à luz do seu significado político-partidário, se torna objeto fundamental para análise crítica da sociedade contemporânea.

Um exemplo disso está nas seguintes palavras de Eni Puccinelli Orlandi, pesquisadora brasileira e pioneira na esfera da análise do discurso, “é justamente quando esquecemos quem disse ‘colonização’, quando, onde e por que, que o sentido de colonização produz seus efeitos” (2001 2); pois, na ideologia, não há ocultação de sentidos, mas o apagamento do processo de sua constituição.

Afinal de contas, a historicidade, com frequência, insiste que certas ideias, crenças, valores, conflitem diretamente com a cognição humana, a tal ponto de gerar tensão e desconforto psicológico.

Então, automaticamente, esse processo tende a levar os indivíduos a alterarem esses aspectos a fim de minimizar a sua importância ou, até mesmo, a racionalizar comportamentos irracionais para restaurar a harmonia cognitiva.

Portanto, cabe a todo cidadão se manter sempre ciente de que uma das consequências mais comuns e visíveis, no que diz respeito ao campo político-partidário, é a escolha de uma representatividade equivocada e prejudicial à cidadania e à Democracia, por parte da população.  



* Heródoto (484 a.C. - 425 a.C.) foi um historiador grego.  

1 CORACINI, M. J. R. F. Concepções de Leitura na (Pós-) Modernidade. In: LIMA, R. C. de C. P. (Org.). Leitura: múltiplos olhares. Campinas: Mercado de Letras; São João da Boa Vista: Unifeob, 2005. p.15-44.

2 ORLANDI, E. P. Análise de Discurso: princípios e procedimentos. Campinas, SP: Pontes, 2001.


quarta-feira, 20 de agosto de 2025

Nem tudo é o que parece ...


Nem tudo é o que parece ...

 

Por Alessandra Leles Rocha

 

Sim, a história repete seus ciclos ou, pelo menos, tenta. Afinal de contas, nesse sentido, o tempo é uma variável imperiosa e que não pode ser desconsiderada, sob nenhuma hipótese. Ainda que à revelia de uns e outros, por aí, o mundo gira, rodopia, dá voltas e mais voltas, o que significa que se permite transformar, metamorfosear. Por mais que a resistência egóica que acompanha o ser humano insista em negar.

Feita essa breve consideração, olhemos para os recentes acontecimentos, no teatro da geopolítica global. Não há acaso em política, do mesmo modo que não há na vida. A presença estadunidense como interlocutora para o fim da guerra na Ucrânia, começou pelo interesse envolvendo a exploração de minerais raros em troca de apoio militar e segurança. Considerando que a Ucrânia possui grandes reservas desses minerais. Assim, a ideia era estabelecer uma exploração conjunta de recursos minerais estratégicos, tais como o lítio e o titânio, cruciais para a indústria de tecnologia e de baterias.

Mas, como costumam dizer, por aí, “faltou combinar com os russos”! O recente encontro, entre EUA e Rússia, ocorrido no Alasca, parece ter frustrado essas expectativas. Acontece que as reservas desses minerais em solo ucraniano estão presentes principalmente no leste e sul do país, o que inclui áreas atualmente sob controle russo. Daí o governo de Moscou não parecer interessado em abrir mão da sua ocupação naquele país, pois a exploração desses recursos é de grande interesse geopolítico. Sem contar que a Rússia e a China, pertencentes ao bloco dos BRICS, também, desfrutam de uma parceria pragmática que envolve interesses econômicos e de segurança.

E a questão dos tais minerais raros é um assunto que gera disputa entre China e Estados Unidos, na medida em que os estadunidenses buscam reduzir sua dependência dos chineses em relação a esses minerais estratégicos, os quais são cruciais para tecnologias como eletrônicos, veículos elétricos e sistemas de defesa. O que torna uma posição similar sobre o Ocidente e o futuro da ordem mundial, entre chineses e russos, um motivo a mais de aliança entre as duas potências, aprofundando a decepção estadunidense. Tanto que, rapidamente, os EUA postou-se menos entusiasmado na interlocução pelo fim da guerra na Ucrânia.

Contudo, seu plano B, parece ser intensificar as ações intimidadoras e beligerantes na América Latina; posto que, enviou destroieres para perto da Venezuela, sob o pretexto de que o regime venezuelano é um cartel de drogas terrorista. Bem, narcotráfico não combina com terrorismo. Envolvido com a produção, a distribuição e o consumo de substâncias ilícitas, narcotraficantes estabelecem suas relações de poder de uma maneira, geralmente, camuflada em relação a atenção das autoridades. Já o terrorismo é visto como um fenômeno social que vai além da violência física, envolvendo aspectos como motivação, comunicação, normas sociais e percepções públicas. Terroristas fazem questão da visibilidade, da comunicação e da propaganda não só para recrutar novos membros quanto para disseminar medo e influenciar a opinião pública.

Mas, observando atentamente o movimento belicoso dos EUA na região venezuelana, a intenção parece ser reafirmar, diante do mundo, seu poder sobre sua antiga área de influência, ou seja, a América Latina. Os antigos ventos da Guerra Fria, quando os EUA e a URSS exerciam sua influência de natureza política, econômica, militar e/ou cultural, mediante a aceitação, por parte dos estados menores, de sua posição subordinada em relação a eles. Acontece que, o mundo do século XXI, é outro. A China vem exercendo uma influência crescente no Sul Global, ou seja, países em desenvolvimento e ex-colônias, especialmente na Ásia, África e América Latina. Portanto, essa influência multifacetada, envolvendo aspectos econômicos, políticos e culturais, tem implicações significativas para a ordem mundial e as relações internacionais, que afetam os interesses dos EUA e rompem com a ilusão de que a América Latina, por exemplo, ainda faça parte do “quintal estadunidense”.

O tabuleiro geopolítico contemporâneo está, portanto, sob uma outra dinâmica. Intimidações, sanções, beligerâncias, ... não parecem ter o efeito prático ideal, como acontecia antigamente. O mundo do século XXI traz à tona uma reconfiguração das relações de poder no cenário internacional, o que permite criar outras dinâmicas e alianças. Tanto que o bloco dos BRICS, formado por onze países membros: Brasil, Rússia, Índia, China, África do Sul, Arábia Saudita, Egito, Emirados Árabes Unidos, Etiópia, Indonésia e Irã, vem buscando fortalecer a cooperação econômica, política e social entre seus membros, promovendo um aumento da sua influência na governança internacional; bem como, visando impulsionar o desenvolvimento socioeconômico sustentável e promover a inclusão social. 

terça-feira, 19 de agosto de 2025

Aprisionados pela ignorância?!


Aprisionados pela ignorância?!

 

Por Alessandra Leles Rocha

 

Vira daqui. Mexe dali. E a questão colonial permanece assombrando a realidade brasileira. Dessa vez, a ótica da discussão é a liberdade de expressão. Essa bandeira contemporânea que vem sendo hasteada por inúmeros indivíduos e grupos que almejam expressarem suas opiniões, ideias e pensamentos livremente, sem censura ou restrições de quaisquer naturezas.

Mas, será isso mesmo? Penso que não. O século XXI está, mais do que nunca, sendo regido pelo signo da alta tecnologia. A sociedade contemporânea já vive entre dois mundos, o real e o virtual. Ideias, conhecimentos, informações, transitam na velocidade da luz e não só modelam as relações e as interações sociais, como as modulam, segundo os interesses e as necessidades do poder.

Quem está por trás desse jogo, então, são as Big Techs. Empresas de tecnologia de grande escala que exercem influência significativa no mercado global, dominando setores como internet, comunicação e eletrônicos. O que significa que elas se opõem a mecanismos de regulação da internet, argumentando que isso pode prejudicar a liberdade de expressão e a inovação, além de gerar insegurança jurídica e onerar as empresas com multas e sanções.

No entanto, há um aspecto importantíssimo que diz respeito ao fato de que a desinformação, o discurso de ódio e outros conteúdos ilegais, os quais proliferam nas plataformas digitais, é altamente rentável para elas.

Isso acontece porque o modelo de negócios dessas plataformas é baseado em engajamento, e conteúdos polarizadores, sensacionalistas e tóxicos tendem a gerar mais interações, resultando em mais tempo de permanência dos usuários, coleta de dados e exibição de anúncios.

Acontece que, por trás dessa coleta de dados, existe um interesse de controle e manipulação social, por parte das esferas de poder. Afinal, essas informações produzem caminhos enviesados e tendenciosos capazes de ampliar a concentração de poder econômico, potenciais abusos na utilização dos dados, riscos à privacidade e à segurança; mas, principalmente, impactar na disseminação de desinformação e enfraquecimento da democracia.

Observando com atenção à realidade brasileira, tudo isso se torna perceptível e compreensível, na medida, por exemplo, que as Tecnologias da Informação e da Comunicação (TICs) não foram devidamente incorporadas à dinâmica social.

Enquanto elas já são parte integrante e integrada, da realidade dos países desenvolvidos, por aqui a sua relação com o cidadão se encontra repleta de lacunas, de vazios, que não permite afirmar a existência de uma Cultura Digital inclusiva e amplamente acessível.

Veja, a inclusão digital é algo multifacetado e é indissociável aos letramentos digitais. A maioria dos (as) brasileiros (as) ainda se encontra desprovida de letramento computacional, ou seja, de uma capacidade consciente sobre como usar, entender e interagir, de forma crítica e eficaz, com as tecnologias digitais, ultrapassando o simples manuseio de dispositivos.

Também não se vê o letramento digital, o qual além da compreensão e uso das informações em ambientes digitais, incluindo a leitura, a escrita e a produção de conteúdo em plataformas, envolve a compreensão crítica das informações, a avaliação da veracidade e a navegação segura no ciberespaço.

Como diz o filósofo francês, Michel Foucault, “Todo sistema de educação é uma maneira política de manter ou de modificar a apropriação dos discursos, com os saberes e os poderes que eles trazem consigo”.

Olhando, então, para a questão dos (multi)letramentos digitais, que envolve a compreensão e a produção de significados através de diversas formas de comunicação, incluindo as ferramentas digitais, as mídias e as tecnologias, a sua insuficiência e ineficiência, no caso brasileiro, decorrem dos interesses presentes no neoimperialismo contemporâneo, oriundo das Big Techs.

Em substituição ao (multi)letramento operou-se, e ainda opera, por aqui, uma maciça narrativa em torno da liberdade de expressão, como se ela pudesse existir à margem da responsabilidade cidadã, do respeito democrático e aos direitos coletivos.

A defesa ruidosa e combativa em torno da liberdade de expressão estabelece, então, o enfraquecimento da coesão social e da capacidade de resistência, especialmente, das minorias sociais, facilitando a manipulação por parte dos poderes estabelecidos.

Assim, em nome dessa pseudoliberdade, vendida e disseminada pelas Big Techs, a desinformação, o discurso de ódio e outros conteúdos ilegais, se proliferam nas suas plataformas digitais. Ao dividir e segmentar a sociedade, dificulta-se a coesão em torno da defesa de direitos e interesses.

Quanto à propagação de notícias falsas e a manipulação da informação, executa-se a política do medo, da desconfiança, dificultando a tomada de decisões conscientes. De modo que não se pode negar como esse emaranhado todo favorece às intenções e às pretensões das agendas ultradireitistas globais.

Haja vista que o uso da liberdade de expressão para incitar a violência ou questionar a legitimidade de processos democráticos pode colocar em risco a estabilidade das instituições e o cumprimento das leis.

Isso ocorre, porque “O discurso não é simplesmente aquilo que traduz as lutas ou os sistemas de dominação, mas aquilo por que, pelo que se luta, o poder do qual nos queremos apoderar” (Michel Foucault).

Daí o Brasil estar diante de um confronto internacional, capitaneado pelas Big Techs, contra o Supremo Tribunal Federal (STF), órgão máximo do Poder Judiciário no país.

É, caro (a) leitor (a), “As pessoas sabem aquilo que elas fazem; frequentemente sabem por que fazem o que fazem; mas o que ignoram é o efeito produzido por aquilo que fazem” (Michel Foucault).

Por isso, é fundamental compreender, camada por camada, desse neoimperialismo (ou neocolonialismo), o qual diz respeito à influência e controle exercidos por certas potências sobre outras nações.

Afinal, muitas vezes, isso ocorre de forma indireta e através de meios econômicos, políticos e culturais, aproveitando-se da fragilidade e da vulnerabilidade da construção histórica de inúmeros países.

Como escreveu o sociólogo polonês, Zygmunt Bauman, “O capitalismo é um sistema parasitário. Como todos os parasitas, pode prosperar durante certo período, desde que encontre um organismo ainda não explorado que lhe forneça alimento” (Capitalismo Parasitário, 2009).