(In)dependência
...
Por Alessandra
Leles Rocha
Mais do que lançar um olhar para
a independência, enquanto necessidade fundamental do ser humano, na medida em
que trata da capacidade de agir, pensar e tomar decisões de forma autônoma, sem
depender excessivamente de outras pessoas ou de influências externas, para alcançar
a consolidação dos próprios objetivos em torno da felicidade e do bem-estar, é
preciso refletir sobre ela na perspectiva social, coletiva.
Afinal, esses têm sido tempos em que
a independência, do ponto de vista da livre subordinação e do controle externo
internacional, manifesta pela autodeterminação, autonomia e autossuficiência da
estrutura social, vem sofrendo ataques e contestações. O que significa, sob a
ótica nacional, um momento tenso em relação à soberania brasileira e à reafirmação
da sua ruptura a qualquer dependência imposta por práxis imperialistas,
exercidas por outros países.
No entanto, de repente, recentes
acontecimentos lançaram luz sobre o senso brasileiro, quanto à sua compreensão
de independência. O tensionamento imperialista manifesto pelo governo dos EUA,
como modo de reafirmação da sua histórica política de expansão e domínio, através
de condutas de natureza política, econômica e cultural sobre territórios e
povos estrangeiros, trouxe à tona reações assimétricas no Brasil, em razão da acirrada
polarização político-ideológica presente no país.
A ausência de um consenso em
torno da soberania nacional e do princípio da autodeterminação dos povos, evidenciou
a fragilidade que paira a respeito da independência brasileira. Um fato, na medida
em que a identidade nacional, enquanto, sentimento coletivo de pertencimento a essa
nação, construído através de símbolos, valores, tradições e uma história
partilhada e influenciada por fatores sócio-históricos e culturais complexos, não
é comum a todos os (as) cidadãos (as).
Mas, não é só isso. Embora os EUA
estejam, nesse recorte temporal, intensificando o seu hard power, ou
seja, à sua capacidade de influenciar outros atores da geopolítica através da
coerção e da força militar ou econômica, utilizando meios como a ameaça, ou o
uso de sanções e/ou a beligerância armada, eles não abriram mão, por completo, do
seu soft power. Especialmente, quando identificada uma cisão social na estrutura
do outro país, como no caso do Brasil.
Assim, a proposta da manutenção
do soft power é criar uma aura de camaradagem e boa vontade, a partir da
promoção de interesses e valores de um dado país, em âmbito global, a fim de
obter em um ambiente internacional favorável à sua influência. Bem, é
exatamente isso que está por trás da iniciativa da liga esportiva profissional
de futebol americano estadunidense. Segundo eles, a ideia é desenvolver o jogo
em todos os níveis, considerando o potencial que o Brasil representa em termos
de população, novas gerações, penetração esportiva e dinâmica das redes sociais.
Acontece que, não é difícil para
um país, cuja historicidade colonial influenciada, ao longo de séculos, pela perspectiva
histórica, política e cultural europeia e, frequentemente, desvalorizando e/ou
ignorando as suas próprias experiências e saberes, cair nessa armadilha, mais
uma vez. Ora, o principal perigo do soft power reside no fato de que líderes
autoritários possam usá-lo, como a cultura e os valores políticos, para
manipular e controlar a população, sem que esta, muitas vezes, se dê conta
dessa influência.
Quando inúmeros alertas sobre as
ameaças que rondam a democracia contemporânea, isso não explica tudo. Na verdade,
a democracia e a independência estão intrinsecamente ligadas, onde a
independência de uma nação é o pressuposto para que a cidadania plena e o
exercício democrático possam ocorrer, e a democracia, por sua vez, garante que
a soberania popular seja efetiva, solidificando a própria independência.
Feitas essas considerações, vê-se,
então, que uma nação não é verdadeiramente independente sem a capacidade de pensar
e tomar decisões de forma autônoma, de expressar a sua identidade nacional sem
depender de influências externas. Segundo Marilena Chauí, escritora, filósofa e
professora universitária brasileira, “A democracia é a atividade criadora
dos cidadãos e aparece em sua essência quando existe igualdade, liberdade e
participação”.
Portanto, quando o Brasil aceita,
por essa ou aquela razão, consciente ou inconscientemente, exercer seu complexo
de vira-lata, sua herança sabuja colonial, ele abdica da sua independência. Ele,
então, não se incomoda em não tomar suas próprias decisões em relação ao seu
sistema de governo, fronteiras, economia, cultura, legislação, ... Ou seja, ele
aceita ser, novamente, uma colônia ou um território dependente de outra
potência.
Independência, como qualquer
outro conceito, é algo inacabado. Está sempre em construção. Mas, para tal,
depende de liberdade, de reflexão, de escolhas, de autodeterminação, enfim ... Daí a necessidade de estar atento (a) e
consciente sobre os acontecimentos ao redor; pois, segundo Michel Foucault,
filósofo francês, “O novo não está no que é dito, mas no acontecimento de
sua volta”.