terça-feira, 7 de outubro de 2025

O caminho da deterioração democrática


O caminho da deterioração democrática

 

Por Alessandra Leles Rocha

 

Não, não basta dizer que é inaceitável qualquer proposta de anistia ou de redução da dosimetria para golpistas envolvidos em crimes contra a democracia e o Estado de direito.

Os recentes acontecimentos a esse respeito pedem uma reflexão mais profunda, que implica no entendimento basilar das razões que levam o país a manter de prontidão uma horda não só antidemocrática; mas, sobretudo, antiprogressista.

Infelizmente, o inconsciente coletivo nacional foi historicamente moldado por princípios e valores sociais baseados na hierarquia, na escravidão, no patriarcado e no elitismo, com a religião cristã e o eurocentrismo, ou seja, servindo como importantes instrumentos de controle social e imposição de normas e comportamentos.

Nesse contexto, então, as classes dominantes no Brasil se organizaram a partir dos donos de grandes latifúndios de açúcar e de escravos, dos comerciantes e das autoridades civis, militares e religiosas. De modo que a riqueza e as diversas faces do poder se concentraram nas mãos dessa elite, ao longo das gerações.

Acontece que é desse cenário que emerge a Direita brasileira e seus matizes, como uma orientação política conservadora, que defende a ordem social, a tradição, a liberdade econômica e, historicamente, a manutenção de hierarquias.

Assim, todas as vezes em que esses indivíduos se sentiram, de algum modo, ameaçados na sua ideologia, eles se agregaram para tentar um Golpe de Estado a fim de manter o seu protagonismo de poder.

Como bem escreveu Steven Levitsky, professor de ciência política de Harvard e um dos autores do livro "Como as democracias morrem", de 2018, “Em quase todos os casos de colapso democrático que nós estudamos, autoritários potenciais – de Franco, Hitler, Mussolini na Europa entre guerras a Marcos, Castro e Pinochet, durante a Guerra Fria, e Putin, Chávez e Erdogan mais recentemente – justificaram a sua consolidação de poder rotulando os oponentes como uma ameaça à sua existência”.

Mas, para se alcançar esse propósito, aparentemente político-partidário, esse amálgama social construído a partir do ideário direitista, envolve a presença de eleitores, apoiadores e financiadores.

O que significa que essa estrutura, apesar da aplicação de todas as medidas judiciais cabíveis em relação aos crimes contra a ordem constitucional e a democracia, pela força do capital movimentando, a partir de certos segmentos, e a reafirmação ideológica, através das mídias sociais, se mantêm como ameaça constante ao país. Especialmente, porque muitos coparticipantes da tentativa de Golpe de Estado agiram de forma obscura no processo, por diferentes razões.

Daí o risco para a manutenção da democracia e do Estado de direito, no Brasil. Como muitos tipos de crime precisam de recursos financeiros para serem planejados e executados, esse também é o caso daqueles contra a ordem constitucional e a democracia que necessitam de dinheiro para cobrir custos operacionais, tais como transporte, armamento ou até mesmo para "comprar" informações.

De modo que elucidar esse caminho entre os crimes contra a ordem constitucional e a democracia e os recursos financeiros empregados nas suas práxis é fundamental.

As próprias mídias sociais revelaram através de posts e mensagens a participação direta e/ou indireta de pessoas ligadas a diferentes espectros sociais.

Fato que possibilita às autoridades brasileiras reconstruir a trajetória de envolvimento desses indivíduos nos crimes contra a ordem constitucional e a democracia, para que as medidas judiciais cabíveis possam ser aplicadas e se constituírem como instrumentos de prevenção e desmotivação para a reincidência em crimes dessa natureza. 

Enquanto nada disso está posto em prática, as ações que atentam contra a democracia e o Estado de direito, no Brasil, continuam figurando nos veículos de comunicação e informação; bem como, nas mídias sociais.

Mesmo através de uma análise discursiva superficial é possível sim, identificar como a linguagem continua sendo empregada para construir e manter uma realidade social desejada por certos indivíduos, as relações de poder envolvidas, a ideologia padrão e a identidade social dos participantes.

Por isso, é tão importante ler as linhas e as entrelinhas dos acontecimentos, pois elas mostram que o que se diz e como se diz não é neutro, mas está intrinsecamente ligado à construção da realidade e ao exercício do poder.

Aliás, isso evitaria que muitos indivíduos, por aí, utilizassem da dissimulação, escondendo-se em peles de cordeiro para manter seus privilégios, enquanto agem na surdina para destruir os valores e princípios democráticos nacionais.

Inclusive, cabendo aí uma importante reflexão, no que diz respeito ao modo como os benefícios fiscais, no país, tendem não só a enfraquecer as instituições; mas, contribuir para a construção de uma sociedade menos justa e equitativa. Algo que, na verdade, se alinha bem ao ideário da Direita brasileira e seus matizes, mais ou menos radicais e extremistas.