Já
descobriu o seu lugar na fila do pão?
Por
Alessandra Leles Rocha
Como muitos devem saber, em 5 de
junho de 1972, durante a Conferência realizada em Estocolmo, Suécia, a Organização
das Nações Unidas (ONU) instituiu a referida data como Dia Mundial do Meio
Ambiente. O que de certa forma mudou as relações institucionais sobre o tema e
acabou por desencadear um dos mais importantes documentos técnico-científicos,
o Relatório Brundtland - Nosso Futuro
Comum.
Mas, não é essencialmente sobre
esses aspectos que pretendo falar, tendo em vista que sobre a Conferência, ou o
papel da ONU, ou do próprio relatório, a internet está repleta de informações. A
minha ideia aqui é promover uma autorreflexão sobre a perspectiva humana quanto
à sua relação com o planeta; sobretudo, no contexto da contemporaneidade, em
que a sociedade de consumo adquire cada vez mais um perfil selvagem.
Precisamos pensar que muito desse
comportamento abusivo parte de uma imensa normalização da realidade urbanizada.
Segundo a própria ONU-Habitat, a população mundial será 68% urbana até 2050 1 e essa não é uma informação banal. Simplesmente,
porque a existência do espaço urbano implica necessariamente no uso e ocupação
do ambiente geográfico natural para atender às diversas demandas sociais. De
modo que cada interferência urbanística representa uma perda do meio ambiente
em seu estado padrão.
O que significa que para
operacionalizar a urbanização, um movimento de organização da geografia humana,
são estabelecidos muitos outros que afetam não só a geografia física – relevo,
clima e vegetação; mas, também, a biologia, considerando principalmente os aspectos
da fauna que acaba sendo suplantada por extinções precoces, por desequilíbrios nas
teias alimentares, por deslocamentos forçados, pela monetização predatória de certas
espécies.
Mas, antes de pensar em culpabilizar
a urbanização sobre isso, devo esclarecer que ela não responde sozinha por tais
fenômenos. As áreas rurais e periurbanas, dentro do contexto contemporâneo, também
são atravessadas e impactadas por esses movimentos. Em muitos casos, inclusive,
parte desse tipo de Antropização a aceleração dos riscos quanto ao ponto de não
retorno ambiental, ou seja, da irreversibilidade de reorganização do sistema
natural.
Afinal, essas áreas se tornam
totalmente expostas e vulnerabilizadas pela ação antrópica, o que reflete em prejuízos
inestimáveis aos domínios morfoclimáticos, os quais dizem respeito as grandes
regiões delimitadas a partir de elementos comuns – clima, vegetação, solo,
relevo e hidrografia - que formam vastas
extensões de paisagens homogêneas. No Brasil, por exemplo, temos os seguintes
domínios: Amazônico, da Caatinga, do Cerrado, dos Mares de Morros, das
Araucárias e das Pradarias.
Em linhas gerais, os espaços
urbanizados e os não urbanizados, então, tendem a ser impactados severamente
pelos mesmos problemas. Alta concentração e diversidade de resíduos sólidos e de
efluentes. Presença de altas concentrações de agrotóxicos. Escassez hídrica.
Desflorestamento. Queimadas. Aumento de vetores de doenças. Eventos extremos do
clima. Porque eles foram colocados a serviço dos interesses humanos, sem quaisquer
cuidados ou planejamentos.
De repente, a realidade contemporânea
impôs uma verdade indigesta. A velha discussão em torno dos recursos naturais renováveis
e dos não renováveis não era mais o suficiente. Diante não só de um crescimento
populacional significativo, mas de um envelhecimento social importante, as
discussões precisavam se ampliar e se aprofundar para dar conta dos novos
cenários e expectativas; posto que, a Terra é o único abrigo que temos no momento.
Isso significa que eventuais
abandonos e negligências em relação ao planeta não dizem respeito apenas ao Meio
Ambiente ou à sua população. Todas as discussões que atravessam o campo socioambiental
impactam diretamente à Economia, à Educação, à Saúde, à Previdência Social, ao Trabalho,
ao lazer, à Segurança, à Maternidade e à Infância, à assistência aos
desamparados. Haja vista, por exemplo, os recentes episódios de enchentes e
deslizamentos que assolaram o litoral norte de São Paulo, em fevereiro deste
ano, e que deixaram milhares de cidadãos em situação de perda total da sua
dignidade social.
O cerne da questão é que em nome
do TER estamos totalmente esquecidos do SER, do qual somos parte integrante e
integrada. Não estamos desajustados apenas das relações humanas; mas, da
relação com o próprio planeta. E como em qualquer negação de caráter científico,
esse é um tipo de decisão que nos coloca em iminência total de risco, porque
nos permitimos impor ao meio ambiente que ele se submeta aos nossos delírios,
especialmente os de consumo, sem quaisquer objeções ou contestações. E não é
assim, que a coisa funciona!
E a humanidade não percebe que quanto
mais estica a corda, mais desdobramentos e reverberações negativas passam a
demandar medidas urgentes e investimentos de grande envergadura, a fim de se
evitar algo pior. Sim, gastamos mais em paliativos e pseudorrecuperações do que
seria preciso para a prevenção, para a manutenção, para a preservação. Acontece
que somos nós que pagamos essa conta. Eu, você, ele, ela, ... os 8 bilhões de
seres humanos, que estão com seus pés fincados nessa diminuta esfera azul que
gira no espaço sideral.
Entenda, não é a Terra que está
lhe pedindo alguma coisa! É o silêncio da sua própria sobrevivência, seu
instinto de preservação, que grita pelos labirintos da sua subjetividade
existencial, tentando demover você dos seus excessos sem sentido, da sua ganância
desmedida, da sua irresponsabilidade gratuita, da sua indiferença humanitária. Certamente,
sem muito sucesso; posto que, o individualismo e o narcisismo contemporâneo têm
usado de artifícios demasiadamente sofisticados para entorpecer as mentes.
Mas, ela tenta! E vai permanecer tentando até que você saia dessa rota intencional de colisão. Até que você perceba qual é o verdadeiro viés do seu protagonismo no planeta. Até admitir que essa não é uma discussão desse ou daquele cidadão; mas, de qualquer um, cujo cérebro e o coração estejam em funcionamento. As questões socioambientais marcam, portanto, o tênue limite entre a vida e a morte. Basta, então, uma breve recapitulação histórica para se descobrir que o planeta sobrevive sem gente; mas, gente não sobrevive sem o planeta. Aí você descobre, pela mais elementar inversão de perspectiva, qual é o seu verdadeiro tamanho no mundo, qual é o seu lugar na fila do pão.