Em
nome do desenvolvimento e do progresso...
Por
Alessandra Leles Rocha
Admito que os últimos dias foram
profundamente penosos, do ponto de vista reflexivo. A pequena amostra que
representa o Brasil na contemporaneidade é sim, estarrecedora sob diversos
aspectos. Mas, um ponto em questão sobressaiu às minhas análises, ou talvez,
tenha me impactado de uma maneira mais potente, que é a concepção de
desenvolvimento.
Não sei se por razões históricas de
um colonialismo altamente exploratório; mas, os (as) brasileiros (as) enchem a
boca para falar sobre desenvolvimento e progresso, como se isso lhes fizessem
melhores ou mais importantes do que os outros, dada a imediata associação que
fazem desses termos ao enriquecimento capital, tornando-os praticamente sinônimos.
E não bastasse esse terrível engano
semântico, essas pessoas ainda se permitem subtrair sumariamente a relação
natural que existe entre o desenvolvimento e a desigualdade, como se não materializassem
duas variáveis inversamente proporcionais dentro das conjunturas sociais. O que
fazem é deslocar o desenvolvimento para um campo imaginário, perfeito e ideal,
enquanto a desigualdade é aprisionada na invisibilidade por se tratar da expressão
máxima do fracasso e do infortúnio humano.
De modo que, de equívocos em equívocos,
o inconsciente coletivo vai sendo entorpecido e maculado na sua capacidade crítico-reflexiva,
a tal ponto de interferir no exercício da sua própria cidadania. Em certos
lugares mais, como é o caso do Brasil, em outros menos, face ao contexto sócio-histórico
modelador da estrutura identitária do país. Mas, de maneira quase linear, o que
se presencia na contemporaneidade é cada vez mais uma aceitação do engano, a
fim de causar menos sofrimento, menos desconforto, já que a iniciativa de
ruptura paradigmática sempre traz uma sensação traumática e difícil de ser
colocada em prática.
Entretanto, depois de ler o
artigo “Os ossos que revelam a brutalidade do trabalho infantil na Revolução
Industrial britânica” 1 decidi
trazer à tona, mais uma vez, a questão. Afinal, aos que acompanham as minhas
reflexões há algum tempo, sabem o quanto as temáticas da Revolução Industrial,
das desigualdades socioeconômicas e dos Direitos humanos, me são caras. Talvez,
porque desde sempre compreendi que tudo isso era tratado à revelia de uma consciência
social efetiva e, por isso, havia uma imensa dose de má fé persuadindo e
iludindo cidadãos em todo o mundo.
Então, vamos lá. Não pretendo, aqui,
demonizar o desenvolvimento mundial. Partindo da premissa fundamental que ele é
fruto da capacidade cognitiva e intelectual dos seres humanos, não haveria como
conter o seu processo. Acontece que ele sempre flertou com o tênue limite entre
o bem e o mal, a começar pelo fato de que nunca esteve igualmente e
equitativamente disponível a todos. Basta consultar os registros históricos da
1ª Revolução Industrial, na segunda metade do século XVIII, na Inglaterra.
Mais do que um marco da
transformação nas relações sociais, políticas e econômicas, a industrialização
foi uma iniciativa despertada pelos riscos deflagrados pela Revolução Francesa à
Europa. Sim, a tomada do poder pelas parcelas mais vulneráveis e desassistidas
da população, mostrou que o controle social era ineficaz no sentido de conter o
imobilismo social, colocando em risco os privilégios e as regalias de monarcas
e de uma burguesia emergente.
Daí se teve a ideia de aplicar os
recursos advindos do Mercantilismo para substituir a produção manufatureira em
produção de larga escala e, dessa forma, criar uma mão-de-obra assalariada que,
embora trabalhasse sem acesso a direitos e dignidade, moveria as engrenagens da
incipiente industrialização, sem tempo e disposição para se organizar em
rebeliões e motins. Em um curto espaço de tempo, não só os investimentos das
elites seriam diversas vezes multiplicados pela nova organização do capital;
mas, a população estaria sob plena vigilância e controle social.
De modo que, passados três séculos
e diversas transformações desse modelo desenvolvimentista, o fato é que enquanto
as elites permanecem incólumes na sua posição mandatária e enriquecedora, a
grande massa da população permanece experenciando as desigualdades socioeconômicas.
A sociedade contemporânea de consumo é uma estrutura fragmentada, cujo o acesso
a bens, produtos e serviços aponta para uma pirâmide social devidamente
estratificada.
Estima-se que no auge na
Revolução Industrial, na segunda metade do século XVIII, a população mundial
era de 1 bilhão de pessoas. Hoje, o mundo possui 8 bilhões. Daí a necessidade
de questionar e refletir sobre desenvolvimento e progresso. Temos que nos
perguntar de que forma esses termos refletem sobre o empobrecimento, o
adoecimento, os trabalhos análogos à escravidão e a deseducação, ao redor do
planeta. Porque se o mundo chegou até aqui, da maneira que chegou, é porque em
nenhum momento desse processo os seres humanos deixaram, de alguma forma, de
ser afetados por condições indignas de trabalho e de sobrevivência.
Isso significa que o
desenvolvimento e o progresso não podem ser usados como passaporte de
pertencimento, ou de importância social, por todos. Por trás de toda a pompa e circunstância
que reveste essas palavras está, portanto, uma verdade bastante indigesta. Quem
faz o desenvolvimento e o progresso acontecer, não desfruta dos seus benefícios.
Vive de migalhas, de esmolas, de promessas e de uma reprodução alienada em
torno de um ideário que não lhes pertence. E por pior que seja essa realidade,
o mais terrível é que ela permanece sendo diariamente reproduzida sem quaisquer
objeções, ou contestações, inclusive, por pessoas dotadas de formação profunda
a respeito.
Não é de hoje que se vê a
perversidade humana fazendo guerras em nome de Deus; mas, não nos esqueçamos de
que ela, também, faz em nome do desenvolvimento e do progresso. Como tão bem
escreveu Bertolt Brecht, dramaturgo, poeta e encenador alemão do século XX, “Primeiro levaram os negros. Mas não me
importei com isso. Eu não era negro. Em seguida levaram alguns operários. Mas não
me importei com isso. Eu também não era operário. Depois prenderam os
miseráveis. Mas não me importei com isso. Porque eu não sou miserável. Depois
agarraram uns desempregados. Mas como tenho meu emprego. Também não me
importei. Agora estão me levando. Mas já é tarde. Como eu não me importei com
ninguém. Ninguém se importa comigo”. E assim, a lei do desenvolvimento e do
progresso deixa a sua marca indelével.