quinta-feira, 1 de junho de 2023

Não, não temos nada a comemorar!


Não, não temos nada a comemorar!

 

Por Alessandra Leles Rocha

 

Não, não temos nada a comemorar! A aprovação da Medida Provisória (MP) que configurou a nova estrutura ministerial do governo 1, pelo Congresso Nacional, se deu abrindo precedentes muitíssimo perigosos para a gestão pública. O nível de ingerência aplicado pelo Legislativo sobre uma decisão de caráter único e exclusivo do Poder Executivo, mostra como a sanha fisiológica anda realmente descompensada, dado o mau hábito instituído nos últimos quatro anos, com a manifestação do famigerado “orçamento secreto”.   

É importante refletir sobre o desvio de atribuição que o Congresso permitiu realizar, não só para medir forças com o Executivo, subjugando suas funções aos quereres e vontades parlamentares, como para negligenciar o que pode vir a traduzir benefícios ao desenvolvimento e ao progresso nacional. Mais uma lástima a ser registrada nos anais da história brasileira!

Mas, como eu sempre digo, as forças subjetivas das conjunturas são implacáveis! E a dinâmica da vida se dá sobre um complexo circuito interligado por agentes aparentemente estranhos uns aos outros; mas, os quais, de repente, se mostram totalmente interdependentes. De modo que as reverberações decorrentes do assunto inicial, deste texto, podem sim, sinalizar ameaças a uma outra notícia do dia.

Vou explicar. Ansiando por uma boa nova, a qualquer custo, eis que o Produto Interno Bruto (PIB) nacional, do primeiro trimestre, ficou acima das expectativas 2. Acontece que, como de costume e por razões óbvias da nossa história colonial, quem contribui significativamente para esse resultado é o agronegócio. Pois é, só que é desse ponto que o contentamento vira apreensão, num piscar de olhos!

Queiram ou não aceitar, desde que mundo é mundo, as atividades agrícolas e pecuárias dependem diretamente do meio ambiente para o seu sucesso. Regime pluviométrico equilibrado. Suficiência hídrica. Ventos e insolação ajustados às demandas. Estações bem definidas pelos padrões climáticos. Pragas e doenças sob controle. ... De modo que quaisquer desalinhamentos dessas condições comprometem diretamente à produção e o consumo, afetando as relações socioeconômicas.

E não é preciso ser nenhum expert nesse assunto, para entender o que tem trazido os veículos de comunicação e informação, cada vez mais amiúde, sobre os impactos desastrosos, tanto em relação aos eventos extremos do clima quanto às ações antrópicas depredatórias, sobre o agronegócio. Desertificação. Inundações. Secas. Tornados. Incêndios. Assoreamento de rios e cursos d’água. Poluição diversificada. Desequilíbrio ecológico. São alguns desses eventos.

O que não se pode negar, então, é que por trás de o fato de estarem se intensificando está a resistência e a persistência, de uma significativa parcela do agronegócio, quanto ao estabelecimento de novas práxis produtivas. Sendo mais precisa, quero dizer com base na Economia Verde, ou seja, um modelo inclusivo que “aprimora o bem-estar humano e constrói equidade social ao mesmo tempo reduzindo riscos e escassez ambiental” 1.

É nesse ponto que os assuntos, então, se cruzam. A MP que acaba de ser aprovada sofreu arbitrariamente alterações na sua proposta original, justamente, para atender a força do lobby do agronegócio contrário a quaisquer avanços na área de Sustentabilidade Socioambiental.

De modo que os Ministérios de Meio Ambiente e Mudança do Clima e dos Povos Originários foram brutalmente desidratados, visto que muitas das suas atribuições e competências foram redesignadas para outras pastas, cuja a afinidade ao assunto é muito menor ou não existe.

E se não temos quem conduza os trabalhos, com eficiência e conhecimento, para mitigar os impactos dos eventos extremos do clima e combater efetivamente às ações antrópicas depredatórias, o sucesso do agronegócio fica, então, à mercê da própria sorte. Sim, porque não há ciência e nem tecnologia que consigam, por si só, manter os índices de produtividade nas alturas, se não houver condições socioambientais equilibradas e satisfatórias. Simples assim.

Além disso, considerando a obviedade de que o alvo principal do agronegócio brasileiro é a exportação, é o mercado internacional, se colocar na contramão do alinhamento ambiental contemporâneo pode custar muito caro. O comércio exterior busca, cada vez mais, se consolidar a partir de um conjunto de medidas e de ações que visam o desenvolvimento sustentável da economia em sua totalidade, ou seja, uma Economia Verde.

E para que isso se torne possível é fundamental que os países, as instituições e a sociedade civil trabalhem conjuntamente na implementação de normas e práticas sociais inteiramente voltadas ao combate das desigualdades e à degradação ambiental. O que significa acabar com o trabalho análogo à escravidão, à precarização do trabalho, às práticas ambientais depredatórias, o uso e ocupação irregular do solo, à exaustão dos recursos hídricos, à poluição indiscriminada por meio de diferentes agentes contaminantes, ...

Entende agora, por que razão não temos motivo para comemorar? Consequência da própria dinâmica social contemporânea, a análise compartimentalizada da vida e a dissociação contínua dos acontecimentos, como se deu na votação da MP, não permite à sociedade perceber o quanto está fomentando o chamado Efeito Borboleta 3. Por essa teoria explica-se que a ocorrência de certos episódios, aparentemente insignificantes, na verdade, têm um potencial infinito para gerar enormes mudanças ao longo do tempo, provocando uma sensação de caos.

Portanto, é preciso cuidado! A vida é feita de relatividade, não de absolutismos vaidosos e egóicos, sustentados pelo poder capital. Simplesmente, porque não temos as rédeas do tempo nas mãos! O que adianta ter um relógio nas mãos, quando o senhor de todas as horas é que nos tem nas mãos? Desse modo, a cada giro dos ponteiros tudo muda demasiadamente e além de todos os nossos quereres e vontades. Os índices de hoje podem, ou não, se repetirem, se manterem ou melhorarem. Porque no palco do mundo há 8 bilhões de seres humanos tentando compatibilizar entre si, os seus individualismos, os seus narcisismos, enquanto o próprio planeta também reivindica os seus direitos nas tomadas de decisão.

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