quarta-feira, 31 de maio de 2023

Soberanos... pero no mucho!


Soberanos... pero no mucho!

 

Por Alessandra Leles Rocha

 

O Brasil passou os últimos quatro anos ouvindo falas inflamadas sobre a soberania nacional. Não, necessariamente, pelo fato da questão diplomática envolvida; mas, na maioria das vezes, para impor uma certa postura de poder e beligerância.   

Acontece que, ontem, já em novo contexto governamental brasileiro, eis que o assunto volta à baila, pegando a todos por uma absoluta incredulidade. Jornalistas, mulheres e homens 1, devidamente credenciados e autorizados, foram agredidos com truculência pelos seguranças do Presidente Venezuelano e agentes do Gabinete de Segurança Institucional (GSI) da Presidência da República brasileira, enquanto exerciam sua função no Palácio do Itamaraty, em Brasília.  

Por um instante, o Brasil viu ruir o protocolo diplomático, a Democracia, a liberdade de imprensa e a soberania nacional, deixando a todos, brasileiros e estrangeiros, perplexos; mas, não, surpresos. Primeiro, pelo fato de toda a cordialidade demonstrada pelo governo brasileiro em relação ao governo venezuelano, inclusive, excedendo-se diplomaticamente nos limites desse tratamento. Fato que gerou uma ampla repercussão negativa internacional, não só por parte dos demais países sul-americanos convidados para o chamado “Consenso de Brasília”; mas, de outros players importantes no cenário global.

Afinal, o Presidente brasileiro exercitou uma diplomacia enviesada e profundamente condescendente, em relação à Venezuela, que colocou em xeque a sua credibilidade discursiva e narrativa quanto à defesa da Democracia, do Estado de Direito e dos direitos humanos, temas bastante sensíveis no contexto contemporâneo. E como demonstraram os próprios seguranças do Presidente Venezuelano, o país não tem sido visto como pária internacional à toa.

Segundo, porque o envolvimento de agentes do Gabinete de Segurança Institucional (GSI) da Presidência da República brasileira, na agressão aos jornalistas, de certa forma, referendou o total desrespeito à soberania nacional. Um convidado ilustre que não sabe se portar na casa do outro, impondo suas próprias práxis e negando o senso diplomático da soberania, deveria ser advertido de maneira protocolar pelo anfitrião. Mas, o silêncio reverberou eloquente, como se absolutamente nada tivesse ocorrido.

E como certos silêncios dizem mais do que milhões de palavras, estamos tentando decifrar qual será a posição brasileira, daqui por diante, frente ao mundo. Porque os recentes acontecimentos dão conta de que o Brasil deu um verdadeiro cavalo de pau nas suas narrativas e discursos, no campo diplomático. Cláusulas pétreas, tais como Desenvolvimento Sustentável, genocídio indígena, Democracia, liberdade de imprensa, Direitos Humanos, caíram em uma vala de relativização temerária. De duas, uma: ou o governo desconhece o verdadeiro sentido dessas questões e constrói equivocadamente as suas falas a respeito, ou decidiu reescrevê-las a partir de suas próprias perspectivas e interesses.

Bem, pouco importa qual a resposta. O ponto nevrálgico de tudo isso está no fato de que em apenas cinco meses de gestão, o Brasil já começa a desbotar o seu protagonismo, por conta da fragilização da sua credibilidade, da sua confiabilidade, junto ao cenário mundial. O governo está queimando seu capital político, interno e externo, muito rapidamente, fazendo transparecer um certo ar de amadorismo, que não coaduna com o seu lastro de experiências pregressas. E, talvez, seja isso mesmo. A realidade contemporânea foi bastante alterada por certos fatores, na última década. Sobretudo, o avanço dos matizes mais radicais e extremistas da Direita, em todo o planeta.

Valendo-se da velocidade com a qual as Tecnologias da Informação e da Comunicação (TICs) se desenvolveram nesse período, esse nicho político-ideológico passou a dominar essas ferramentas para difundir seu ideário de maneira maciça e resgatar seus espaços no poder. E pode-se dizer que tem conseguido êxito. Usando e abusando das Fake News, os matizes mais radicais e extremistas da Direita, vêm conseguindo manipular legiões de seguidores e simpatizantes, pelo mundo, a partir da consolidação de uma realidade paralela capaz de agregá-los e movê-los em efeito manada. Algo que há uma década não existia e que, agora, faz toda a diferença na dinâmica conjuntural política.  

O modo como as peças são movidas no tabuleiro do poder passou a obedecer uma nova ordem social, ou seja, a ordem do mundo virtual, a qual não depende da relação tempo/espaço, é contínua e se faz, em grande parte, pelos esforços da própria tecnologia, através de robôs. Daí a necessidade não só de saber transitar por esse novo campo de ação; mas, também, de perceber os desafios que estão imersos nele. Um deles é a linguagem. O que se diz, como diz, para quem diz, pode virar contra você, num piscar de olhos. A linguagem tecnológica, ancorada principalmente no imagético, recorta, subtrai, manipula, segundo os seus objetivos e interesses, e depois lança para o universo virtual para colher os resultados.

Portanto, causa imensa estranheza perceber os descaminhos que o governo está trilhando, como se ele tivesse vencido as eleições sem se dar conta de que a política de hoje não é, nem de longe, a política de uma década atrás. Nada está fazendo sentido. O diálogo é demasiadamente ruidoso e incompreensível. Sem contar com as amarras ideológicas rançosas que o governo insiste em manter, como se o mundo tivesse congelado no tempo.  Já dizia Charles Darwin, “Não é o mais forte que sobrevive, nem o mais inteligente, mas o que melhor se adapta às mudanças”, e os adversários políticos do governo, principalmente, os pertencentes aos matizes mais radicais e extremistas da Direita, largaram na frente, nesse sentido.

Desse modo, é hora de entender tudo isso, antes que o governo acabe engolido pelos seus próprios erros e desajustes. O que adianta o slogan da gestão ser “União e Reconstrução” se na prática a teoria é outra! José Saramago dizia “Mesmo que a rota da minha vida me conduza uma estrela, nem por isso fui dispensado de percorrer os caminhos do mundo”. Afinal, “O correr da vida embrulha tudo, a vida é assim: esquenta e esfria, aperta e daí afrouxa, sossega e depois desinquieta. O que ela quer da gente é coragem” (João Guimarães Rosa – Grande Sertão: Veredas). Coragem para mudar. Coragem para (re) aprender. Coragem em todos os sentidos; pois, “Atitude é uma pequena coisa que faz uma grande diferença” (Clarice Lispector). 

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