domingo, 31 de outubro de 2021

Por outro lado...


Por outro lado...

 

Por Alessandra Leles Rocha

 

Não só é compreensível; mas, totalmente, aceitável que uma expressiva parcela da população brasileira esteja se sentindo “desprezada no canto do salão de baile, sem que ninguém a convide para dançar”. E, talvez, pareça difícil, ou quase impossível, mudar o entendimento acerca desse panorama porque estamos bem no olho do furacão, no meio do desenrolar da história, de modo que essa condição não nos permite uma clareza e objetividade necessárias para dar aos fatos o lugar mais adequado e condizente. Daí a razão pela qual eu decidi trazer essa reflexão.

Eu sei que o clima está tenso. Há uma atmosfera pesada nos rodeando. O ar está irrespirável. A vida teima em causar sucessivas inquietações e desconfortos. Nada parece estar no seu devido lugar. Os dias tendem a passar sobre nós como verdadeiros rolos compressores. As respostas, as soluções, os caminhos se apresentam nebulosos, confusos, distantes e inacessíveis. Pelo menos, é assim que enxergamos e sentimos a dinâmica cotidiana à flor da pele. Portanto, essa é a perspectiva da nossa realidade como elemento participante e integrado nessa conjuntura.

E é justamente aí, que nos perdemos em meio ao caos. Algo que para ele é um verdadeiro presente. Porque ele sabe que assim não teremos condições de interferir nos seus planos.  Tudo o que ele não quer é que olhemos para o mundo, para vida, para o país, na condição de alguém que vê tudo a uma certa distância, que não está diretamente envolvido nos acontecimentos, que pode pesar e ponderar os fatos. Afinal, isso nos traria tranquilidade, equilíbrio, sensatez para alimentar nossas esperanças, nossos sonhos, nossos planos, nossos amanhãs.

A perspectiva caótica induz o pensamento a uma tendência de só enxergar o erro, o equívoco, o absurdo, porque se fundamenta num ideário de que a vida flui em uma linearidade absoluta, que homogeneíza as transformações, como se acontecessem todas ao mesmo tempo, a fim de que os resultados pudessem ser celebrados sob uma inteireza perfeita. Ora, mas não é assim que “a banda toca”! Antes fosse, mas não é. A vida é regida por movimentos compassados e descompassados que possibilitam construir o seu equilíbrio. Nada de “combos”, de pacotes fechados de coisas boas ou rins entregues na porta de casa de uma vez só.

Enquanto nos distraímos absortos com o caos, com as tragédias, com os despautérios, com as vergonhas, com os movimentos retrógrados ..., em seu silêncio e discrição absoluta, a vida vai tecendo as redes das suas metamorfoses, as quais resultarão em passos importantes adiante. A evolução humana e social não é uma obra do acaso, nem uma coincidência feliz, ela é processual, resultado de ações ao longo do tempo que vão se somatizando, se agregando, se consolidando para alcançar um determinado fim.

Talvez, pela falta do hábito de realizar “balanços” periódicos da vida, como fazem os comerciantes de vez em quando, perdemos de vista as conquistas alcançadas em cada década e século da existência humana. Presos nas perdas e prejuízos, temos a impressão de que só caminhamos para trás, de que não houve avanços, só retrocessos. A consequência direta disso é que não se percebe o tamanho da engenharia humana, da sua capacidade criativa e inovadora, como se fôssemos habitados somente por uma tendência natural ao destrutivo, ao maléfico, ao ruim.

A grande verdade é que tivemos conquistas materiais e imateriais importantíssimas até aqui. Quebramos paradigmas. Trouxemos os tabus para as mesas de discussão. Ressignificamos crenças e valores obsoletos. Reanalisamos nossos princípios e condutas. As ruas se encheram de manifestações por direitos humanos, por trabalho e dignidade, por igualdade, por justiça, por acessibilidade, pela sustentabilidade ambiental, pelas minorias, ... e o mais importante disso, elas estavam cheias, repletas da diversidade humana como nunca se viu. Homens, mulheres, LGBTQIA+, idosos, crianças, brancos, negros, indígenas, mestiços, enfim... E em cada lugar por onde esse movimento passa, uma onda de desdobramentos se arrasta ao redor do mundo, arrebatando mais seguidores, mais multiplicadores de ideias e ações.

O que demonstra, inclusive, que houve conquistas nos campos da emoção e do sentimento. A própria sensação de solidão, tão bem delineada como característica da contemporaneidade, quando bem observada, se perde na vastidão dessa euforia, dessa comunhão coletiva, dessa construção de empatia. Aliás, nessa jornada rumo ao arrefecimento da pandemia da COVID-19, a necessidade do contato, do toque, do abraço, do beijo, da convivência estreita no cotidiano, ressurgiu de maneira avassaladora. Como se as pessoas tivessem redescoberto a importância de estar com outro, lado a lado, olhos nos olhos, para sua sobrevivência, o seu bem-estar.

Então, quando as pessoas se dão conta dessas questões há um fortalecimento natural, não somente de autoestima; mas, sobretudo, na sua capacidade de superação das adversidades. Ter uma razão para a qual lutar é o que move as pessoas. Entender que o lado bom da vida ainda existe, que temos conquistas a comemorar, ... tudo isso é gatilho para não esmorecer, para seguir adiante, para vencer os obstáculos, para colocar cada ponto da vida no seu devido lugar. E a verdade é que precisamos dessa percepção, cada vez mais, porque o momento está tendendo ao lado mal, pesado, ruim, fazendo com que nos sintamos esgotados, demasiadamente cansados, de tudo, em tempo integral.

Buscar uma nova sintonia para os pensamentos, as emoções, os sentimentos, é uma questão de sobrevivência. Mas é essencial compreender que “você pode sobreviver, mas sobrevivência não é vida” (Osho- guru indiano), porque sobreviver traz uma ideia que se limita a uma resignação dolorosa, a aceitação de uma vida de migalhas, de restos, de marginalização. Por isso, resistir tem que ser a nossa palavra de ordem. É através dela que reconquistaremos, diariamente, o sentido da vida. E para fazê-la saltar da teoria para a prática depende de nós, da nossa disposição, da nossa vontade. Assim, cada um deve exercer essa resistência a fim de que sua energia dissipada se reúna dentro do coletivo e retroalimente a grande força conjunta, a força da humanidade, no contínuo do tempo. 

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