quarta-feira, 27 de outubro de 2021

Como diz o dito popular, “Cautela e canja de galinha nunca fizeram mal a ninguém”


Como diz o dito popular, “Cautela e canja de galinha nunca fizeram mal a ninguém”

 

Por Alessandra Leles Rocha

 

Entendo que são tempos difíceis; mas, me incomoda certo movimento de “otimismo motivacional”, o qual tende a fazer com que as pessoas analisem a realidade sem a devida profundidade e reflexão.

Porque ainda que os números sejam uma expressão exata da vida, eles podem sim, confundir e enganar os menos avisados, quando não consideradas as variáveis que constituem a sua interpretação.

Afinal, como dizia o poeta alemão Friedrich Von Hardenberg Novalis, “Quando vemos um gigante, temos primeiro de examinar a posição do sol e observar para termos certeza de que não é a sombra de um pigmeu”.

Em recente relatório, o Fundo Monetário Internacional (FMI) revisou para baixo a sua previsão de crescimento global para 2022, considerando principalmente o fenômeno da inflação que tem afetado de maneiras distintas diversos países. Mas, não é só isso.

É preciso entender que a economia global vem se arrastando na esteira da pandemia e esta ainda não acabou. A heterogeneidade que marcou a gestão pandêmica no mundo se mostra cada vez mais visível, quando se comparam os números da imunização e se constata que há nações que não receberam uma dose sequer da vacina, até o momento.

Portanto, o vírus permanece circulando e em franca possibilidade de mutação, do surgimento de novas variantes, expondo as pessoas aos eventuais riscos de contaminação e sequelas.

O que, de diferentes formas, obstaculiza as relações sociais, especialmente, no campo laboral e comercial. Trata-se do caso, por exemplo, da falta de componentes eletrônicos, os quais sustentam as mais importantes cadeias produtivas na contemporaneidade.

Depois do surgimento da pandemia houve uma desaceleração do ritmo produtivo dessas empresas de alta tecnologia, por diversas razões, de modo que não apenas houve um encarecimento dos produtos que dependem desses componentes, como também, uma dificuldade de comercialização pela insuficiência de contêineres para o seu transporte.

E o mercado mundial entende que essas questões constituem um desafio que não deve ser resolvido em curto espaço de tempo, ou seja, o curso dessa desaceleração involuntária das indústrias em todo o mundo só deve ser superado em 2023.

Então, tudo isso traduz a lógica elementar da economia. Menos produção industrial. Menos consumo. Menos postos de trabalho. Menos dinheiro circulando na economia. Menos produtos disponíveis e mais caros, em razão da “lei da oferta e da procura”.

Algo que nos faz tirar os olhos do mundo e voltá-los para o cenário da nossa própria conjuntura, já impactada pré-pandemia por desajustes de políticas anteriores somatizados.

Assim, ainda que nossa economia seja ancorada pelo setor primário, que reúne as atividades agropecuárias e extrativistas, consolidando um rol de commodities importantes, tais como petróleo, laranja, soja, minério de ferro, café, carne bovina e celulose, as exportações dependem diretamente da intensidade de produção dos países compradores. Se há uma desaceleração lá fora, ela repercute diretamente aqui.

Sem contar que, pelo fato das commodities serem bens de consumo global, elas são comercializadas em bolsas de valores, cotadas geralmente em dólar, o que as torna extremamente sensíveis as variações no câmbio e nas políticas externas.

De modo que esse ajuste fino depende de fatores como o panorama da produção em larga escala, da capacidade de estocagem e transporte dessas commodities, os níveis de industrialização e comercialização globais, e os padrões de qualidade internacional.

Com base nessas e tantas outras análises reflexivas sobre a atual conjuntura do mundo e, em particular, a brasileira, é que mantenho a minha cautela sobre as notícias em relação ao mercado de trabalho no país.

Segundo a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (Pnad), o desemprego no Brasil atinge 14,1 milhões de pessoas, então, os dados divulgados ontem, 26 de outubro de 2021, pelo Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (Caged), do Ministério do Trabalho e Previdência, que apontam a geração de 313.902 empregos com carteira assinada no mês de setembro, parecem longe de suprir a demanda.

Mesmo considerando que “Ao final de setembro de 2021, o Brasil tinha saldo de 41,875 milhões de empregos com carteira assinada. Isso representa um aumento na comparação com janeiro deste ano (39,624 milhões de empregos) e, também, com setembro de 2020, quando o saldo estava em 38,684 milhões”1.

Afinal, é preciso considerar que parte desse número está sob “influência do Programa Emergencial de Manutenção do emprego e da Renda, iniciado no ano passado e reeditado em 2021”, ou seja, “os empregadores, para obterem os benefícios do programa, têm de manter o emprego do trabalhador por igual período de tempo da suspensão do contrato, ou redução da jornada”2.

Além disso, 17 setores da economia puderam aderir ao modelo de desoneração da folha de pagamentos, o que significa a substituição da contribuição previdenciária de 20% sobre o salário dos funcionários, por uma alíquota entre 1% a 4,5% sobre a receita bruta.

Inclusive, é importante ressaltar que, em relação à desoneração, o projeto que a estenderia até 2026 encontra-se parado, a aproximadamente um mês, na Comissão de Constituição e Justiça, da Câmara Federal, aguardando votação em plenário.

O que tem provocado uma enorme tensão e instabilidade, na medida em que isso impacta negativamente sobre setores como as indústrias têxteis, calçadista, de proteína animal, de máquinas e equipamentos, da construção civil, de comunicação e do transporte público, que empregam cerca de 6 milhões de trabalhadores.

Segundo o sociólogo José Pastore, que é Presidente do Conselho de Emprego e Relações do Trabalho da Federação do Comércio de São Paulo (Fecomercio SP), essa situação pode significar “que muitas empresas serão obrigadas praticamente a dispensar empregados. São setores que ainda dependem muito da mão de obra e da participação dos trabalhadores. Esses últimos tempos foram marcados por muitos eventos adversos. Antes da pandemia, a gente já vinha num processo recessivo. Com a pandemia, isso se agravou ainda mais. Então, sem a desoneração, nós teríamos um quadro de emprego ainda muito mais grave do que esse que nós temos hoje”3.

Além disso, o movimento de geração de empregos com carteira assinada, que se tem no momento, já reflete uma redução significativa no salário de admissão desses funcionários. Algo que, também, não contribui para uma melhoria no cenário econômico nacional.

Tendo em vista que a redução salarial implica na insuficiência da capacidade de compra e da sobrevivência, no panorama dos altos juros e da inflação galopante; bem como, para afastar as ameaças de intensificação do empobrecimento e da miséria extrema, no país.

Como afirmou a escritora e ativista social norte-americana Helen Keller, “É um erro sempre contemplar o bom e ignorar o ruim, porque fazendo isso os povos negligenciam os desastres. Há um otimismo perigoso do ignorante e do indiferente”; por isso é que “O pessimismo torna os homens cautelosos, enquanto, o otimismo torna os homens imprudentes” (Confúcio – filósofo chinês). Talvez, seja esse o momento ideal, então, para se pensar a respeito.

 

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