Nenhum
progresso acontece sem mudança
Por
Alessandra Leles Rocha
Já dizia Eduardo Galeano, “Somos
o que fazemos, mas somos, principalmente, o que fazemos para mudar o que somos”.
Lembrei-me dessa citação, olhando atentamente para o momento atual da sociedade
brasileira, o qual está permeado por idiotice, por idolatria, por ignorância, por
anticidadania, por antidemocracia, por radicalismo.
Bem, qualquer mudança está
fundamentada em vários aspectos. É preciso disposição, racionalidade e despojamento,
tanto do ponto de vista individual quanto coletivo e circunstancial, para se
colocar a mão na massa e mudar. Afinal de contas, mudar é um exercício e, como
tal, impõe tempo, cansaço, desgaste, trabalho, ...
Razão pela qual, muita gente, por
aí, acaba permanecendo inerte, imóvel, na mais absoluta zona de conforto, desfrutando
das conveniências que o seu imobilismo proporciona, apesar dos pesares.
Uma pena, porque o ideal seria “Desaprender
para aprender. Deletar para escrever em cima. Houve um tempo em que eu pensava
que, para isso, seria preciso nascer de novo, mas hoje sei que dá pra renascer
várias vezes nesta mesma vida. Basta desaprender o receio de mudar”
(Martha Medeiros 1).
Mas, como a realidade nem sempre
se coaduna com o ideal, as mudanças, na maioria das vezes, passam
despercebidas, negligenciadas, postergadas, esquecidas. Acontece que, apesar do
não fazer ser uma escolha, ele não deixa de ser uma decisão e, por isso, tem consequências,
desdobramentos, reverberações, os quais, nem sempre, são positivos.
Nesse contexto, a historicidade
social brasileira tem muito a contar. Basta olhar para a assimétrica estratificação
da sociedade, para compreender o papel das estruturas militares na manutenção e
na garantia dos poderes e dos interesses das elites dominantes.
Tanto que a relação entre o
militarismo e a política no Brasil é marcada por intervenções e apoio
civil-militar, em diferentes momentos da história, os quais, muitas delas culminaram
em golpes de Estado e ditaduras.
No entanto, apesar dos processos
de retirada dos militares da política, com o respaldo de setores da sociedade
civil e militar, a grande verdade é que desde a Primeira República, a
politização de militares foi incentivada, e a atuação militar na política
sempre envolveu coalizões com civis, fossem eles governistas ou de oposição.
De modo que, nas últimas décadas,
especialmente após a Lei da Anistia (lei n° 6.683, de 28 de agosto de 1979), que
deixou um rastro de insatisfação entre certos segmentos da sociedade, especialmente
entre os elementos das elites dominantes, a politização dos militares voltou a
ser alimentada por setores civis.
O resultado disso foi uma nova tentativa
de Golpe de Estado, no Brasil, que se desenrolou ao longo do governo anterior, com
participação direta de militares, dos mais diversos escalões das forças
armadas.
Embora os fatos tenham sido
apurados e estejam sendo julgados, agora, pelo Supremo Tribunal Federal (STF),
em ação de grande ineditismo na história nacional, a politização de militares
permanece uma questão de suma importância a ser resolvida.
Haja vista, o fato noticiado pela
imprensa nacional, em que o governador do Estado de São
Paulo, aliado de primeira ordem do ex-Presidente da República e réu na Ação
Penal (AP) 2.668, que trata da tentativa de golpe de Estado, esteve presente em
uma cerimônia de promoção de 16 generais, da sua turma de formação na Academia
Militar das Agulhas Negras (AMAN), em um quartel do Exército, e depois se
dirigiu para a residência do ex-Presidente 2.
Considerando que há uma clara
tensão existente, por conta da polarização político-partidária, que envolve
também o julgamento da Ação Penal (AP) 2.668, no país, a postura do governador
do Estado de São Paulo, nessa e em outras recentes situações, tem deixado claro
a sua intenção em demonstrar algum tipo de força e articulação política, entre
civis e militares.
O que significa que, apesar dos gravíssimos
acontecimentos recentes na República Federativa do Brasil, as crenças, os
valores, os princípios e as convicções, dos apoiadores e simpatizantes dos
espectros políticos de Direita, parecem refratárias às mudanças. Portanto, um
sinal de flagrante risco e ameaça à Democracia, ao Estado de Direito e ao
Brasil.
Razão pela qual, hoje, em Genebra,
o relator da Organização das Nações Unidas (ONU) sobre Memória, Verdade e
Justiça, fará um alerta sobre a necessidade de o Brasil rever a Lei da Anistia,
relativa à Ditadura Militar entre 1964 e 1985; bem como, de promover uma
reforma estrutural nas Forças Armadas brasileiras a fim de acabar com o grave déficit
democrático presente nelas 3.
Por isso, traçando-se uma linha
temporal a respeito desse assunto, o papel do Ministério da Defesa, enquanto
responsável por assegurar a soberania e os interesses nacionais, reunir as
forças militares e o componente civil sob uma visão estratégica única, torna-se
fundamental uma postura mais enfática e incisiva em prol das mudanças urgentes
e necessárias no setor.
Relembrando as palavras de Paulo Coelho,
escritor brasileiro, “As pessoas reclamam muito, mas se acovardam na hora
de tomar providências. Querem que tudo mude, mas elas mesmas se recusam a mudar”.
Por isso, quando se fala tanto em soberania, o Brasil deve enfrentar o seu passado
de ditaduras nefastas a fim de aspirar pela concretização de um futuro
verdadeiramente democrático e cidadão.
Afinal, “Não é triste mudar de
ideias, triste é não ter ideias para mudar” (Barão de Itararé - jornalista,
escritor e humorista político brasileiro). Não dá mais para continuar negando,
fingindo, esquivando de reconhecer que “O progresso é impossível sem
mudança; e aqueles que não conseguem mudar as suas mentes não conseguem mudar
nada” (George Bernard Shaw – dramaturgo, romancista irlandês, Prêmio
Nobel de Literatura em 1925).
1 Montanha-russa.
Porto Alegre: L&PM Editores, 2003. Trecho da crônica "Aprendendo a
desaprender".