sexta-feira, 5 de setembro de 2025

A relação existente entre a ganância e a ignorância, no Brasil

A relação existente entre a ganância e a ignorância, no Brasil

 

Por Alessandra Leles Rocha

 

Antes de tudo, quero deixar claro o significado dos termos ganância e ignorância, para que não haja um eventual erro de interpretação. Assim, ganância é a ânsia desmedida e egoísta por bens, poder e/ou riqueza, que prejudica os outros e a sociedade em busca de ganhos pessoais. Quanto a ignorância, essa diz respeito à falta de conhecimento ou compreensão num contexto coletivo, podendo ser involuntária ou voluntária, à grosseria ou desconsideração pela opinião alheia; mas, especialmente, à utilização para manipulação política ou econômica.

Feitos esses esclarecimentos, trago uma reflexão sobre a relação existente entre a ganância e a ignorância, no Brasil. Infelizmente, o país padece dos efeitos nocivos, decorrentes da sua historicidade colonial. Diante de uma pirâmide social, cujo topo era representado pelos portugueses e os seus descendentes brancos, que concentravam riqueza, poder e privilégios, sendo a elite econômica e social, consolidou-se, ao longo desses pouco mais de 500 anos, a ideia de que o poder capital eximia o indivíduo em relação à sua ignorância.

Assim, o Brasil chega ao século XXI ainda exibindo, por parte de suas elites, ou aristocracias, dominantes, uma permissividade naturalizada para exercer a ganância, atrelada à ignorância. Haja vista, o comportamento recente de certos representantes da elite político-partidária brasileira, ao se permitirem chafurdar na lama da vergonha corporativista, aceitando passivamente que um de seus membros cometa crime de lesa-pátria; bem como, abram espaços para conceder anistia ao ex-Presidente da República e seus asseclas, réus em ação penal, a partir de uma descabida associação ao tarifaço estadunidense sobre a economia nacional.

Ora, a onda de super tarifas impostas pelo atual governo dos EUA nasce por outras razões e motivos. Romper com o multilateralismo global. Impedir o avanço da China dentro de áreas de interesse comercial estadunidense. Fragilizar a articulação político-diplomática dos BRICS, quanto à cooperação nas mais diversas áreas. Assim, basta uma passada de olhos sobre os veículos de comunicação e de informação, nacionais e internacionais, para verificar que os Estados Unidos aplicaram tarifas a muitos países, além do Brasil.

China. Vietnã. Camboja. Índia. Laos. Mianmar. União Europeia. Japão. Tailândia. Filipinas. África do Sul. Cazaquistão. Malásia. Coreia do Sul. Argélia. Líbia. Sérvia. Bangladesh. Sempre objetivando pressionar e intimidar esses países a negociar acordos comerciais bilaterais, a fim de criar um ambiente comercial mais favorável para as empresas estadunidenses em detrimento dos interesses dos demais.

Acontece que o Brasil, sob um total ineditismo, decidiu exercer seu papel como potência emergente. Ciente da sua produção de alimentos e recursos naturais, da sua liderança em sustentabilidade energética e, da sua crescente influência em grupos como os BRICS, ele resolveu negociar dentro dos protocolos diplomáticos convencionais existentes, não se submetendo a qualquer pressão ou intimidação dos EUA.

Além disso, há de se considerar o fato destacado pela revista britânica, The Economist, quanto ao Brasil estar dando uma "lição de democracia" para os Estados Unidos, em contraste com o declínio da democracia americana, ao julgar a tentativa de golpe de 2022 e prender o seu ex-Presidente da República. A publicação elogiou o julgamento; bem como, observou que, ao contrário dos políticos estadunidenses, muitos políticos brasileiros de diferentes partidos estão mais dispostos a abrir mão de poder em prol do bem comum e a progredir por meio de reformas, um importante sinal de maturidade da política brasileira, especialmente em relação aos Estados Unidos.

Portanto, a relação existente entre a ganância e a ignorância, no Brasil, está recheada de uma inescrupulosa desonestidade, canalhice, vigarice! Certos elementos pertencentes a elite político-partidária brasileira não querem, de forma alguma, a reafirmação brasileira na nova ordem mundial que começa a se estabelecer; pois, isso tem impacto direto na manutenção de seus poderes, regalias e privilégios.

Assim, querem eles (as) a ANISTIA, perdão concedido pelo Estado, capaz de apagar os efeitos de condenações passadas, permitindo que os anistiados retornem à vida pública e profissional, impedindo sua responsabilização por crimes políticos. A IMPUNIDADE através de mecanismos que impedem a responsabilização ou punição legal para atos ilícitos ou ilegais cometidos por figuras políticas, minando, dessa forma, o Estado de Direito, fomentando a corrupção e o abuso de poder, e descredibilizando as instituições democráticas. A BLINDAGEM que cria barreiras e impedimentos para que autoridades, como deputados e senadores, sejam protegidas de investigações e ações judiciais, dificultando que sejam alvo de operações policiais, buscas e apreensões, e até mesmo de prisões.

Para essa ínfima parcela da população brasileira, o ideal seria que o país se mantivesse orientado pelos descaminhos coloniais, ou seja, a violência, a segregação social, a expropriação de terras, a concentração de riqueza e de poderes nas mãos das classes dominantes, a desvalorização e a perda da identidade cultural, as desigualdades socioeconômicas, o racismo enraizado nas estruturas socioculturais, políticas e econômicas.

O que não surpreende, ao nos lembrarmos as seguintes palavras de Darcy Ribeiro, antropólogo, historiador, sociólogo, escritor e político brasileiro, “Nós temos uma das elites mais opulentas, antissociais e conservadoras do mundo”.

Nesse sentido, há um lamentável equívoco, quando “Às vezes se diz que nossa característica essencial é a cordialidade, que faria de nós um povo por excelência gentil e pacífico. Será assim? A feia verdade é que conflitos de toda a ordem dilaceraram a história brasileira, étnicos, sociais, econômicos, religiosos, raciais etc. O mais assinalável é que nunca são conflitos puros. Cada um se pinta com as cores dos outros” 1 (Darcy Ribeiro).



1 RIBEIRO, Darcy. O povo brasileiro: A formação e o sentido do Brasil. 2ed. São Paulo, Companhia das Letras, 1995, Pág. 167.