A relação
existente entre a ganância e a ignorância, no Brasil
Por
Alessandra Leles Rocha
Antes de tudo, quero deixar claro
o significado dos termos ganância e ignorância, para que não haja um eventual
erro de interpretação. Assim, ganância é a ânsia desmedida e egoísta por bens,
poder e/ou riqueza, que prejudica os outros e a sociedade em busca de ganhos
pessoais. Quanto a ignorância, essa diz respeito à falta de conhecimento ou
compreensão num contexto coletivo, podendo ser involuntária ou voluntária, à
grosseria ou desconsideração pela opinião alheia; mas, especialmente, à
utilização para manipulação política ou econômica.
Feitos esses esclarecimentos,
trago uma reflexão sobre a relação existente entre a ganância e a ignorância,
no Brasil. Infelizmente, o país padece dos efeitos nocivos, decorrentes da sua
historicidade colonial. Diante de uma pirâmide social, cujo topo era representado
pelos portugueses e os seus descendentes brancos, que concentravam riqueza,
poder e privilégios, sendo a elite econômica e social, consolidou-se, ao longo
desses pouco mais de 500 anos, a ideia de que o poder capital eximia o indivíduo
em relação à sua ignorância.
Assim, o Brasil chega ao século
XXI ainda exibindo, por parte de suas elites, ou aristocracias, dominantes, uma
permissividade naturalizada para exercer a ganância, atrelada à ignorância. Haja
vista, o comportamento recente de certos representantes da elite
político-partidária brasileira, ao se permitirem chafurdar na lama da vergonha
corporativista, aceitando passivamente que um de seus membros cometa crime de lesa-pátria;
bem como, abram espaços para conceder anistia ao ex-Presidente da República e
seus asseclas, réus em ação penal, a partir de uma descabida associação ao
tarifaço estadunidense sobre a economia nacional.
Ora, a onda de super tarifas
impostas pelo atual governo dos EUA nasce por outras razões e motivos. Romper com
o multilateralismo global. Impedir o avanço da China dentro de áreas de
interesse comercial estadunidense. Fragilizar a articulação
político-diplomática dos BRICS, quanto à cooperação nas mais diversas áreas. Assim,
basta uma passada de olhos sobre os veículos de comunicação e de informação, nacionais
e internacionais, para verificar que os Estados Unidos aplicaram tarifas a
muitos países, além do Brasil.
China. Vietnã. Camboja. Índia. Laos.
Mianmar. União Europeia. Japão. Tailândia. Filipinas. África do Sul. Cazaquistão.
Malásia. Coreia do Sul. Argélia. Líbia. Sérvia. Bangladesh. Sempre objetivando
pressionar e intimidar esses países a negociar acordos comerciais bilaterais, a
fim de criar um ambiente comercial mais favorável para as empresas estadunidenses
em detrimento dos interesses dos demais.
Acontece que o Brasil, sob um
total ineditismo, decidiu exercer seu papel como potência emergente. Ciente da
sua produção de alimentos e recursos naturais, da sua liderança em
sustentabilidade energética e, da sua crescente influência em grupos como os
BRICS, ele resolveu negociar dentro dos protocolos diplomáticos convencionais
existentes, não se submetendo a qualquer pressão ou intimidação dos EUA.
Além disso, há de se considerar o
fato destacado pela revista britânica, The Economist, quanto ao Brasil estar dando
uma "lição de democracia" para os Estados Unidos, em contraste com o
declínio da democracia americana, ao julgar a tentativa de golpe de 2022 e
prender o seu ex-Presidente da República. A publicação elogiou o julgamento;
bem como, observou que, ao contrário dos políticos estadunidenses, muitos
políticos brasileiros de diferentes partidos estão mais dispostos a abrir mão
de poder em prol do bem comum e a progredir por meio de reformas, um importante
sinal de maturidade da política brasileira, especialmente em relação aos
Estados Unidos.
Portanto, a relação existente
entre a ganância e a ignorância, no Brasil, está recheada de uma inescrupulosa desonestidade,
canalhice, vigarice! Certos elementos pertencentes a elite político-partidária
brasileira não querem, de forma alguma, a reafirmação brasileira na nova ordem
mundial que começa a se estabelecer; pois, isso tem impacto direto na
manutenção de seus poderes, regalias e privilégios.
Assim, querem eles (as) a ANISTIA,
perdão concedido pelo Estado, capaz de apagar os efeitos de condenações
passadas, permitindo que os anistiados retornem à vida pública e profissional, impedindo
sua responsabilização por crimes políticos. A IMPUNIDADE através de mecanismos que
impedem a responsabilização ou punição legal para atos ilícitos ou ilegais
cometidos por figuras políticas, minando, dessa forma, o Estado de Direito,
fomentando a corrupção e o abuso de poder, e descredibilizando as instituições
democráticas. A BLINDAGEM que cria barreiras e impedimentos para que
autoridades, como deputados e senadores, sejam protegidas de investigações e
ações judiciais, dificultando que sejam alvo de operações policiais, buscas e
apreensões, e até mesmo de prisões.
Para essa ínfima parcela da
população brasileira, o ideal seria que o país se mantivesse orientado pelos
descaminhos coloniais, ou seja, a violência, a segregação social, a
expropriação de terras, a concentração de riqueza e de poderes nas mãos das
classes dominantes, a desvalorização e a perda da identidade cultural, as
desigualdades socioeconômicas, o racismo enraizado nas estruturas socioculturais,
políticas e econômicas.
O que não surpreende, ao nos lembrarmos
as seguintes palavras de Darcy Ribeiro, antropólogo, historiador, sociólogo,
escritor e político brasileiro, “Nós temos uma das elites mais opulentas,
antissociais e conservadoras do mundo”.
Nesse sentido, há um lamentável equívoco,
quando “Às vezes se diz que nossa característica essencial é a cordialidade,
que faria de nós um povo por excelência gentil e pacífico. Será assim? A feia
verdade é que conflitos de toda a ordem dilaceraram a história brasileira,
étnicos, sociais, econômicos, religiosos, raciais etc. O mais assinalável é que
nunca são conflitos puros. Cada um se pinta com as cores dos outros” 1 (Darcy Ribeiro).
1 RIBEIRO, Darcy. O povo brasileiro: A formação e o sentido do Brasil. 2ed. São Paulo, Companhia das Letras, 1995, Pág. 167.